por Pedro Graminha
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Razão e Religião. Dois termos que, muitas vezes, parecem ser mais discrepantes do que água e vinho. Mas para aqueles que tem fé, de um pode se originar o outro, e vice-versa.
É esse o tema por trás da chocante história de Agnus Dei (Les Innocentes, 2016), filme que integra a seleção do Festival Varilux de Cinema Francês 2016.
Baseado em fatos que aconteceram na Polônia em 1945, a trama acompanha a história de Mathilde (Lou de Laâge), uma enfermeira da Cruz Vermelha francesa que descobre um convento no qual freiras foram estupradas por soldados invasores, carregando agora, em seus ventres, o resultado do crime e – para elas – de seu pecado.
Em tempos de guerra, são comuns os relatos mais bestiais de atrocidades e desrespeito à dignidade humana. Desde os primórdios em que os homens guerreavam com espadas à modernidade em que se exterminam com rajadas de metralhadora, a passagem de um exército inimigo é marcada por destruições e sacrilégios. Na guerra, todos são vítimas. Mas a ideologia cristã, a mesma pela qual as mulheres daquele convento entregaram suas vidas, fez arder, muito mais, a ferida da tormenta pela qual passaram. A fé, as fazia temer o inferno antes de temerem pela própria vida e pela própria saúde. O que Mathilde vê ao ser chamada às pressas para o convento por uma outra, e desesperada, freira, são mulheres em um estado de gravidez avançada que necessitavam de todos os cuidados que a medicina poderia oferecer, mas não aceitavam. Seus corpos não podiam serem tocados nem pelas mãos de uma outra mulher. Preferiam entregar à Providência Divina o que uma simples dose de penicilina poderia resolver.
Em um primeiro momento, Mathilde parece ser o total oposto das mulheres daquele convento. Enquanto elas acreditam no paraíso extraterreno, Mathilde, comunista e atéia, acredita no paraíso alcançado na própria terra, através da luta política.
E enquanto elas acreditam no poder remediador da reza, ela acredita no poder de cura da medicina. Porém, independentemente do que, todas acreditam em alguma coisa. E todas são mulheres, e precisam se unir contra uma sociedade extremamente machista que pode lhes causar mal a qualquer momento.
E é esse o grande trunfo do filme. É uma história sobre mulheres, deixando de lado suas divergências ideológicas e se ajudando, feito por mulheres. O filme é dirigido pela cineasta Anne Fontaine, a mesma diretora de Coco Antes de Chanel (Coco Avant Chanel, 2009).
No início, as freiras, ainda muito relutantes a uma ajuda vinda de fora, por temerem que sua atual situação se espalhasse gerando um grande escândalo, oferecem séria resistência à Mathilde, que questiona se, ao menos no momento em que estão sendo consultadas, as freiras não poderiam deixar Deus de lado.
Essa é uma interessante reflexão deixada pelo filme. Por vezes, a moral religiosa pode oferecer danos em vez de ajuda, quando aceita cegamente. E não é em todas as situações que o pensamento religioso se adequa. No Brasil, atualmente, vive-se uma séria discussão sobre a legalização do aborto. Os argumentos apresentados para refutar esse processo se baseiam em preceitos retirados das sagradas escrituras. Assim, se esquece que o Estado é laico, e a saúde e integridade das mulheres, em vida, valem mais do que alguns dogmas.
Confira o trailer: