Este filme faz parte do 8º Festival Varilux de Cinema Francês. Para mais resenhas do festival, clique aqui.
Foi o livro homônimo de Milena Agus a base para a produção cinematográfica Um Instante de Amor (Mal de Pierres, 2016). É um dos filmes mais aguardados para o Festival Varilux de Cinema Francês, principalmente devido à célebre participação de Marion Cotillard e por ter concorrido à Palma de Ouro do Festival de Cannes de 2016.
A obra traz a retrospectiva da vida de Gabrielle (Marion), partindo de sua adolescência no interior rural da França dos anos 50. Uma jovem intensa, de fortes impulsos sexuais e romântica ao extremo, que sonha com um amor perfeito e constrói tramas em sua cabeça. Ela está sempre atrelando suas imaginações ao prazer do sexo, algo que ainda não lhe é palpável ― implora ao crucifixo da parede que a ajude a alcançar a satisfação com um homem; formula jogos de sedução contra seus alvos e se frustra duramente quando não consegue conquistá-los. Seja diante de seu professor ou dos funcionários da fazenda, Gabrielle é provocativa ao extremo.
Um Instante de Amor é um filme inteiramente feminino: ele se baseia em um romance escrito por uma mulher, foi dirigido e roteirizado pela aclamada Nicole Garcia e conta com a emocionante atuação de Marion como protagonista. Gabrielle é uma mulher à frente do seu tempo, que não contém suas vontades a fim de agradar as pessoas ao seu redor. Ela pode ser limitada pelas amarras das convenções sociais, mas não aceita isso e as supera. Sua feminilidade é libidinosa e envolvente, intensa e maravilhosa.
Vista como “doente da cabeça” pelos pais, a jovem tem seu destino afunilado por duas únicas alternativas: ela deveria, à mando de sua mãe, casar-se com José (Alex Brendemühl), o pedreiro ibérico que trabalha na propriedade de sua família. Se não o fizesse, seria enviada ao sanatório. Assim como muitas jovens da década anterior à revolução sexual de 60, Gabrielle é sujeita a um casamento sem amor algum por José. Ambos entendem que essa união tenderá ao fracasso, mas não enxergam saída melhor.
Apesar da comum temática da mulher infeliz em um casamento forçado, o filme passa aos olhos do espectador sem que este se sinta de frente ao óbvio. Nicole Garcia ganha pontos na escolha visual e sonora, com os cenários de tirar o fôlego nos campos de lavanda, montanhas nevadas e praias pedregosas. Os planos de Christophe Beaucarne são sensuais, eróticos, mas não pornográficos. A música, delicada e discreta, aparece apenas quando necessária ― com destaque à Barcarolle de Tchaikovsky, que agrega um valor especial com o desenrolar da narrativa. E a figura de Marion é linda, lasciva, uma pintura repleta de um poder exclusivamente feminino.
O que dá nome ao longa ― Mal das Pedras, em tradução literal ― são as intensas dores renais que martirizam Gabrielle. Posteriormente ao casamento, descobre-se que se trata de um sério caso de pedras nos rins e, como forma de tratamento, a moça é enviada a uma temporada de seis semanas em uma renomada clínica de tratamento na Suíça. Em meio às montanhas e longe da civilização, Gabrielle enxerga apenas tristeza. A princípio, afirma que não querer ser tratada e se vê aprisionada lá dentro. Entretanto, quando ela conhece André Sauvage (Louis Garrel), um tenente também em tratamento na clínica, percebe que nesse lugar aparentemente sufocante está a sua primeira chance na vida de liberdade. Gabrielle ama André a partir da primeira vez que o avista. O curto lapso de tempo foi suficiente para o amor surgir e se estruturar em bases muito rígidas, a ponto de fazê-la não esquecer o breve romance por longos anos de obsessão e de frustração, esperando ansiosamente pelo reencontro.
O que há de mais interessante no tal “mal das pedras” de Gabrielle é que ele está intimamente relacionado a algo sentimental, interior à personagem. A doença é a manifestação de seu aprisionamento e de suas infelicidades, e esta teoria ganha comprovação quando a sua cura vem concomitante ao aparecimento do amor. Além disso, apesar do viés predominantemente feminino da trama, é curiosa a forma de representação atribuída às figuras masculinas: não são vilões, apesar de determinadas atitudes intragáveis. Existe certa empatia e carinho por trás da frivolidade de José, algo que não se percebe de início. E não atribuir a ele a caricatura do mal é um ponto de extrema importância e de muito enriquecimento para o roteiro.
Em um misto de sonho e de realidade, caminhando tortuosamente entre a sanidade e a loucura, Um Instante de Amor é hipnotizante. O filme se arrasta vagarosamente, o que, pelo que se pode ver, não agradou a uma grande parte da crítica nacional e internacional (a inquietude dos que lotaram a sessão também evidenciou isso). Triste ver que o ritmo de alta frequência dos tempos atuais impossibilite algum momento de sossego para tantos. Muitos outros, também, saíram das salas de cinema atrelando os devaneios e aspirações sexuais de Gabrielle à clássica imagem da “mulher histérica”, e não como incompreendida. São concepções individuais, e compactuar ou não com elas é uma escolha pessoal. Só isso poderá dizer se o tempo e o dinheiro investidos valeriam à pena.
Confira o trailer legendado:
Por Laura Teixeira Molinari
lauratmolinari@gmail.com