Por Gabriella dos Santos (gabriella.santos12@usp.br)
Organizações indígenas de nove países amazônicos anunciaram, no final de 2024, a formação de uma aliança em defesa da proteção dos povos tradicionais e da biodiversidade. Intitulada “G9 da Amazônia Indígena”, essa coalizão tem como objetivo unir as demandas dos povos originários e coordenar ações em prol da defesa do bioma amazônico.
Para garantir que suas vozes sejam ouvidas nas discussões climáticas, a principal reivindicação do G9 é a copresidência da 30º Conferência das Partes sobre Mudanças Climáticas (COP30), conferência climática da Organização das Nações Unidas (ONU) que ocorrerá em Belém do Pará, em novembro deste ano.
Criada pela Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (CQNUMC ou UNFCCC, na sigla em inglês) em 1995, a COP é uma reunião anual responsável por propor e implementar soluções com base nos compromissos firmados entre os 198 países-membros no combate às mudanças climáticas.
Composição e estrutura do G9
O G9 da Amazônia é formado por organizações indígenas do Brasil, Bolívia, Colômbia, Equador, Guiana, Guiana Francesa, Peru, Suriname e Venezuela. Anunciado em outubro de 2024 durante a COP16 (Conferência da ONU sobre biodiversidade) que ocorreu em Cali, na Colômbia, o grupo busca unir estratégias para pressionar, de forma conjunta, seus respectivos governos em defesa da Amazônia, da biodiversidade, do clima global e dos povos originários. As organizações que compõem essa nova aliança política incluem:
- Confederación de Naciones y Pueblos Indígenas del Chaco, Oriente y Amazonía de Bolivia (CIDOB, da Bolívia)
- Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB, do Brasil)
- Organización Nacional de los Pueblos Indígenas de la Amazonía Colombiana (OPIAC, da Colômbia)
- Confederación de Nacionalidades Indígenas de la Amazonía Ecuatoriana (CONFENIAE, do Equador)
- Asociación de Pueblos Ameríndios de Guyana (APA, da Guiana),
- Federación de Organizaciones Amerindias de Guyana Francesa (FOAG, da Guiana Francesa)
- Asociación Interétnica de Desarrollo de la Selva Peruana (AIDESEP, do Peru)
- Organización de los Pueblos Indígenas de Surinam (OIS, do Suriname)
- Organización Regional de Pueblos Indígenas de Amazonas (ORPIA, da Venezuela)
De acordo com os representantes, diferente de outras alianças políticas como o G7 e o G20, o G9 é uma aliança horizontal, sem grupos de direção, sede ou processos de escolha de dirigentes. Todas as decisões serão tomadas por consenso entre as organizações participantes.

Em entrevista à Jornalismo Júnior, a Ministra dos Povos Indígenas (MPI), Sônia Guajajara, destaca a importância da criação do G9 na agenda do ministério para a COP30. “O G9 desempenha um papel crucial em um dos nossos principais objetivos na COP30: aumentar a presença de lideranças e comunidades indígenas no principal palco de decisões em prol do clima”, diz a ministra. A política acrescenta que o MPI se compromete a promover espaços de escuta e diálogo para que as demandas do grupo sejam consideradas durante o evento.
Na carta assinada pelas autoridades indígenas, a primeira reivindicação da coalizão é o reconhecimento, pelos governos de todo o mundo, de que os povos tradicionais são as principais autoridades morais no que se refere à preservação de espécies e do clima.
Essa autoridade moral se baseia na ideia de que os povos indígenas são os guardiões da biodiversidade e possuem conhecimentos tradicionais que precisam ser valorizados e colocados em prática para o benefício do clima. Para o ambientalista e líder indígena, Kaká Werá, o conhecimento ancestral indígena, que confirma o meio ambiente como uma vida comum a todos, qualifica os povos tradicionais para a preservação da natureza. “Nós [indígenas] temos um relacionamento baseado no cuidado, e não na exploração indiscriminada da natureza. Nós somos a natureza; essa é a principal diferença”, afirma o ambientalista.
Entre as demais reivindicações presentes na carta lançada pelo G9, estão:
- A proteção dos povos indígenas em isolamento e seus territórios;
- Garantia de direitos e políticas coerentes para o cuidado da vida;
- Demarcação de seus territórios;
- Financiamento direto em reconhecimento aos seus esforços;
- Inclusão em decisões diplomáticas;
- Unidade do movimento indígena amazônico.
Veja a carta completa aqui.
‘A Resposta Somos Nós’
O Brasil é representado pela COIAB, uma das bases que formam a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), a maior entidade de representação indígena do país. Em outra declaração assinada pela articulação, lançada no final de 2024, intitulada “A resposta somos nós”, os povos indígenas do Brasil afirmam que não aceitarão mais nenhum projeto de natureza predatória e exploratória que ameace suas existências e o ecossistema comum.
“Nós podemos colaborar com a solução para essa crise global que a humanidade enfrenta. E a nossa colaboração vai ser com a nossa sabedoria ancestral”
Kaká Werá, ambientalista e líder indígena

O documento “Unidos pela Força da Terra: A Resposta Somos Nós” é uma declaração conjunta sobre a COP30 assinada pelo G9 e por povos indígenas de ilhas do Pacífico e da Austrália. Segundo os grupos, a declaração é um chamado ético urgente à ação, uma vez que os governos continuam falhando na implementação de políticas públicas para mitigar as mudanças climáticas.
“Enquanto os governos continuam querendo mediar metas insuficientes e financiamentos vazios, queremos anunciar que, a partir de agora, só haverá paz com a natureza se declararmos abertamente a guerra contra os combustíveis fósseis e qualquer outro projeto predatório que ameaça a vida no planeta”, declaram no manifesto.
“Não aceitaremos mais nenhum projeto de petróleo e gás e qualquer outra forma de exploração predatória na Amazônia brasileira, em nossos territórios e nossos ecossistemas. Não haverá preservação da biodiversidade e nem territórios indígenas seguros em um planeta em chamas”, diz outro trecho da carta.
Nesse cenário, o Balanço Ético Global proposto pela presidência da COP30, que busca equilibrar o espaço de escuta e de tomada de decisão entre os chefes de Estado e as comunidades locais, como os povos indígenas, tem sido destacado como um ponto positivo pelas organizações.
Kaká Werá analisa a presença de comunidades tradicionais na COP30 como importante e necessária. Porém, afirma que teme que a agenda indígenas seja apenas propaganda e que não seja pautada da forma correta. “Eu tenho uma expectativa pedagógica, porque, quando esses temas são colocados em pauta por comunicadores de todo o mundo, é necessário analisar se as informações passadas darão a atenção necessária para esse tema importante”.
Já a Ministra Sônia Guajajara demonstrou entusiasmo com a realização da COP30 em uma cidade amazônica e com a forte presença indígena no evento. “Realizar a Conferência das Partes no Brasil, em uma cidade amazônica, é um momento único para destacarmos nossas reivindicações e objetivos para a proteção climática do planeta”, afirma a ministra.
De acordo com Guajajara, a pasta governamental destinada aos povos originários tem metas para cumprir até a Conferência das Partes e presta total apoio ao manifesto. Alguns pontos de defesa do ministério para auxiliar o G9 a concretizar suas reivindicações e aumentar a participação indígena no evento são:
- O credenciamento de 500 lideranças indígenas brasileiras, para participar de espaços de decisão;
- O reconhecimento da demarcação de terras indígenas como política oficial para o combate à emergência climática;
- Espaços de formação de jovens lideranças indígenas para negociar junto com órgãos oficiais pautas indígenas na COP30.
- Ampliação dos espaços de financiamento das organizações indígenas e das políticas públicas indigenistas.
As organizações participantes finalizam o manifesto com um chamado: “Convocamos todos os povos indígenas, parceiros, aliados e todos que se importam com a vida na Terra, a se juntarem ao nosso chamado para, coletivamente, segurar o céu. Se depender de nós, o céu não irá desabar”.
“Nossa luta é pela Vida, pela Mãe Terra, pela Constituição e pelo futuro de toda a humanidade”
Trecho final do manifesto ‘A Resposta Somos Nós’ da Apib
