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‘Hoje eu quero voltar sozinho’ sempre vai ser atual, diz o diretor Daniel Ribeiro aos 10 anos do filme

Em entrevista, cineasta aborda a valorização da constituição do jovem e da representatividade no cinema nacional
Por: Luana Lima Mendes (luanalimamendes@usp.br)

Adolescência: o limbo existencial entre a infância e a vida adulta. A inquietude dos jovens, de geração em geração, reconfigura a dinâmica social, constitui uma identidade cultural e delineia as discussões contemporâneas. A juventude dissemina seus delírios, sonhos e desabafos, servindo de inspiração para produções que tematizam o ser jovem no mundo atual, como o filme brasileiro Hoje eu quero voltar sozinho (2014). Como exemplo do gênero Coming-of-age (em tradução literal, chegada da idade), o longa normaliza a desordem de se tornar adulto em um mundo incerto. Em entrevista ao Cinéfilos, o diretor Daniel Ribeiro aborda a dimensão surpreendente tomada pelo filme e expõe a importância desse tipo de representação para a juventude. “Mesmo dez anos depois do lançamento, as pessoas me procuram para dizer como o filme marcou suas vidas”, diz.

Vivenciando as experiências turbulentas dos jovens com o amor, as amizades e a sexualidade, o filme narra os sentimentos de toda uma juventude brasileira [Imagem: Reprodução/The Movie Database]

O drama narra a vida de Leonardo (Guilherme Lobo), um adolescente cego que tenta lidar com a mãe superprotetora e, ao mesmo tempo, buscar sua independência. Quando Gabriel (Fábio Audi) chega em seu colégio, novos sentimentos afloram, fazendo com que Leonardo descubra mais sobre si mesmo e sua sexualidade. A trama ainda conquista elogios da crítica pelo modo que dialoga sobre a vivência de uma minoria e a difusão do que é ser jovem: “A quantidade de mensagens que até hoje recebo de pessoas comentando sobre o filme é impressionante”, o cineasta completa.

Na história cinematográfica, tais performances são recentes e ainda passam por constantes transformações. Após movimentos sociais dos mais jovens, as preocupações, necessidades, o estilo de vida se tornaram visíveis, atingindo a percepção das gerações anteriores. Com uma mudança gradual, a condição juvenil do ser humano toma espaços na imprensa e expandem a dramatização de suas vivências. 

Família, escola, amizades, primeiras relações amorosas e descobertas no campo da sexualidade foram temáticas abordadas nas produções que introduziram a esfera do jovem na mídia. Esse diálogo amplificou o protagonismo juvenil, delineando uma cultura jovem que se fortaleceu com o passar dos anos. 

A indústria cultural nota o potencial consumidor da geração e transforma jovem, antes figurante, em protagonista, concebendo em escala global um novo gênero no cinema. Exemplo internacionais como Juventude Transviada (Rebel Without a Cause, 1955), Clube dos Cinco (The Breakfast Club, 1985), e Curtindo a vida adoidado (Ferris Bueller’s Day Off, 1986) consolidam do que ficou conhecido como cultura jovem no cenário estadunidense. As ações dos personagens instauram a temática de descobertas e experiências vivenciadas, entretanto de maneira ainda limitada em comparação à pluralidade e a volatilidade do universo juvenil. 

Refletindo a pluralidade de percepções da adolescência, Clube dos Cinco demonstra jovens que passam a se conhecer melhor e a aceitar suas diferenças a partir de seus maiores segredos [Imagem: Divulgação/UNIVERSAL PICTURES GERMANY]

Incorporando o espírito da geração, as mudanças na caracterização dos personagens direciona para atribuições particulares de grupos diversos. Ao expandir o acesso para os jovens de outros países com culturas distintas, as produtoras alteram o perfil dos integrantes visando a maior identificação do seu público. É nesse contexto que a ilustração do jovem brasileiro chega ao cinema nacional.

Com mudanças no aparato tecnológico e nas leis de incentivo a atividades culturais, a exemplo da  Lei nº 8.313/91,  Lei Rouanet, a cinematografia nacional foi reestruturada. O barateamento e a popularização na captação e edição audiovisual foram essenciais para a ampliação do número de filmes produzidos no Brasil ao longo dos anos 1990, bem como explorando a diversificação das temáticas e dos públicos.

Com mudanças no aparato tecnológico e nas leis de incentivo a atividades culturais, a exemplo da  Lei nº 8.313/91,  Lei Rouanet, a cinematografia nacional foi reestruturada. O barateamento e a popularização na captação e edição audiovisual foram essenciais para a ampliação do número de filmes produzidos no Brasil ao longo dos anos 1990, bem como explorando a diversificação das temáticas e dos públicos.

Para Daniel Ribeiro, a inspiração para a confecção de Hoje eu quero voltar sozinho surge dessa pluralidade possibilitada. “Com personalidades saindo do armário em razão do HIV, a homossexualidade passa a ser debatida pela necessidade. Cazuza e Renato Russo nos anos 1980 e 1990, por exemplo. A aids os expõe, porém viabiliza a retratação de personagens gays em novelas”, afirma, usando A Próxima Vítima (1995) como exemplo.

Para além da homossexualidade, o longa trata das descobertas, incógnitas e sentimentos do primeiro amor [Imagem: Reprodução/Lacuna Filmes]

Os filmes que retratavam a juventude e o ser adolescente se aproximavam de sua realidade pela associação às experiências vividas por ele. Ao trazer para o roteiro um cenário mais próximo do Brasil, a obra introduziu este debate na mídia e na sociedade, aumentando a visibilidade de minorias em novelas e produções nacionais.

A relação entre o real e o ficcional ainda continha ruídos mediante narrativas abordadas para representar a cultura juvenil. Em elementos do cotidiano político, social e cultural, o discurso ficcional se restringia a alguns grupos e identidades. Desse modo, no começo dos anos 2000, cresciam as produções brasileiras debruçadas sobre o âmbito da juventude, porém frequentemente sem ter estas figuras como protagonistas.Nas grandes telas, filmes como Cidade de Deus (2002),  Houve uma Vez Dois Verões (2002), O Diabo a Quatro (2005),  O Céu de Suely (2006) e Cão Sem Dono (2007) introduziram o diálogo no país sobre a identificação dentre os jovens. Abordando questões de classe social, a discussão no universo audiovisual brasileiro trouxe visibilidade para uma ótica periférica e marginalizada da geração. Em Sonhos Roubados (2009), por exemplo, meninas  de uma comunidade carioca se prostituem com o propósito de conseguir dinheiro para satisfazer seus sonhos de consumo e completar o orçamento doméstico.

personagens principais de Sonhos Roubados
Famílias disfuncionais, prostituição, álcool e drogas: Sonhos Roubados desenvolve uma história crua da periferia brasileira, negligenciada aos olhos da sociedade [Imagem: Reprodução/The Movie Database]

Ao longo dos anos, a pluralidade nos títulos em cartaz contribuiu para descortinar formas distintas de abordagem de métodos e estilos de produção e distribuição sobre a cultura jovem. Questões como representatividade de minorias, proximidade com o público e horizontalidade nos perfis instigaram modificações constantes no modo de fazer o coming-of-age

A universalização das identidades, não delimitando vivências a um grupo específico, promoveu a expansão das obras em caráter internacional. A inclusão de suas inquietações, desafios e primeiras experiências foi decisiva no alargamento do público consumidor. É nesse cenário que Hoje eu quero voltar sozinho angariou prêmios internacionais, como o Teddy Award (melhor filme com temática LGBT) no Festival Berlim e recebeu calorosos elogios do público e da crítica, muito além do esperado pelo diretor.

Tratando com leveza a sexualidade na descoberta do primeiro amor, Ribeiro conquistou um público diverso que, mesmo não se encaixando no perfil dos personagens, se sentia representado na sinceridade das cenas. “O fato de ser um filme com foco no amor atrai os jovens. Não apenas em retratar a homossexualidade de forma positiva, algo nem sempre visto. É falar do amor, um sentimento humano muito básico, universal. Todo mundo sente, independente de onde mora, da grana que você tem e de suas preferencias’’.

A inspiração para a abordagem das relações amorosas no longa surge do desejo de respeito à adolescência. Nos atos, a sacralidade sentida na juventude, normalmente motivadas pela paixão e pela sensação nostálgica, é preservada. “Dar um beijo, quando você é adulto, se torna banal. Você dá em qualquer pessoa, tanto faz. Mas o primeiro beijo não é assim. Ele é a coisa mais importante do mundo”, diz Daniel Ribeiro ao Cinéfilos.

Expectativa, emoção, ingenuidade. Respeitar os sentimentos da juventude e tratá-los com seriedade é primordial, afinal, a caracterização e a dramatização destes perfis persevera na memória do então jovem ao longo de sua vida. Perceber que os conflitos existenciais presentes no processo da adultescência são normais e válidos fortalece a confiança do jovem, um fator de dignidade.

Daniel Ribeiro evidencia a importância das modificações realizadas pelos atores no roteiro do longa, trazendo naturalidade e semelhança ao diálogo jovial [Imagem: Reprodução/Lacuna Filmes]

Ao celebrar dez anos da estreia de Hoje eu quero voltar sozinho, a conexão estabelecida com o público amadureceu, permeando gerações distintas que, em contextos plurais, notam as mudanças na juventude do país. Apesar da honestidade na descrição do ser jovem nas obras das últimas três décadas, é evidente o contraste de ideologias e questionamentos. Tanto na esfera brasileira quanto na internacional, a abundância de naturezas exprime quão rica a narrativa da mocidade pode ser. Apenas o fim (2008), Antes que o mundo acabe (2010), As melhores coisas do mundo (2010) e California (2015) são exemplos nacionais da diversidade vigente no cinema dos anos de 2010.

O palco conquistado por estas obras concede voz para os indivíduos se expressarem da maneira a qual se sentem confortáveis: esconder ou não torna-se uma escolha. Debates na comunidade são suscitados mediante o noticiamento promovido pelas mídias, retratando uma luta de gerações em movimentos sociais que, ao passar dos anos, foi detectada. “Eu acredito que cada filme lançado, um após outro, colabora na transformação. Construindo assim as múltiplas representatividades”, afirma o cineasta.

A preservação do debate público por meio da televisão, da novela e do cinema favorece a representatividade. Em momentos conturbados da história, foi possível se conectar emocionalmente e perseverar por meio da comunicação. E é nesse sentido que os projetos visando a ilustração da juventude se entrelaçam. 

Descobrindo-se, descrevendo as etapas da vida sob  ponto de vista do indivíduo, assim Daniel caracteriza seu papel em seus trabalhos. Na direção do recente lançamento 13 Sentimentos (2024) e Amanda e Caio (sem data prevista), o cineasta promete apresentar suas experiências pessoais, agora com um olhar amadurecido.Ribeiro manifesta, também, o desejo de uma continuação do longa Hoje eu quero voltar sozinho, mostrando o elenco em outra fase da vida, conservando a honestidade das sensações. “Hoje eu quero voltar sozinho sempre vai ser para sempre atual [pelo amor]. Não é uma moda, uma coisa específica daquele momento. Ele é um termo universal”, o diretor conclui. O diálogo estabelecido pela cinematografia entre as obras e as gerações de eternos jovens repercute as transformações sequenciais da metamorfose da adolescência para o ser adulto.

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