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‘Holy Spider’: o perigo da junção do machismo com a religião 

Baseada em fatos reais, a produção conta a história de um assassino em série de mulheres iranianas na cidade religiosa de Meshed

“Todo homem deve encontrar o que ele deseja evitar”

Holy Spider 

Hoje, dia 19 de janeiro de 2023, estreia nos cinemas brasileiros Holy Spider (2022). O filme foi coproduzido por quatro países, Alemanha, Dinamarca, Suécia e França, e está presente na shortlist do Oscar de melhor filme estrangeiro. Dirigido pelo iraniano Ali Abbasi, o longa conta a história de uma jornalista, Rahimi (Zar Amir Ebrahimi), que investiga as mortes de diversas prostitutas iranianas em uma das cidades mais sagradas do país asiático. A produção também evidencia a visão do assassino, Saeed (Mehdi Bajestani), que acredita estar realizando uma missão sagrada em nome de Alá. 

Baseado em fatos reais, o filme conta a história de Saeed Hanaei, fanático religioso que assassinou 16 mulheres no Irã entre os anos de 2000 e 2001. Saeed saia de moto atrás de suas vítimas, enquanto a família estava fora de casa. O assassino enforcava as mulheres com seus próprios lenços, usados para cobrir o cabelo, como era esperado das mulheres iranianas. 

A maneira como Saeed assassinava suas vítimas já era um sinal evidente da misoginia no Irã, uma vez que ele as matava utilizando um acessório que apenas mulheres teriam que utilizar. Por isso, a produção torna-se mais chocante, não só pelas mortes, mas também pelo claro machismo da sociedade iraniana, que quase permitiu que Saeed saísse impune de seus assassinatos. A comunidade de Meshed defendeu as mortes por considerar aquelas mulheres “corruptas” e acreditar que Saeed estava “limpando” sua sagrada cidade.

Excerto de jornal com fotos em preto e branco de 16 mulheres iranianas. Elas estão sérias e usam hijab.
Saeed afirma que seu único arrependimento é por ele não ter matado mais mulheres.  [Imagem: Reprodução/William Fischer]

Holy Spider apresenta uma narrativa similar a dos filmes norte-americanos de ficção policial. Entretanto, diferente da maioria dessas produções, o longa-metragem traz a perspectiva e a vivência diária do assassino e da sua família. Ao contrário do que pode ser esperado, não se cria uma empatia por Saeed, mesmo exibindo sua realidade. Na verdade, a produção apresenta diversas camadas que evidenciam os preconceitos que cercam a população do Irã, como o sexismo, as normas religiosas, a desigualdade social e a indiferença do governo com o número de mortes. Por isso, é mais provável que o público se revolte com o assassino e com a falta de atitude por parte do corpo social responsável, como a polícia. 

Ao longo da produção, também é possível perceber que os desejos do assassino ficam cada vez mais distantes do aspecto religioso, uma vez que Saeed se diverte com as mortes e em certos momentos, pede perdão a Alá por isso. O assassino representa uma parte da sociedade que utiliza de preceitos morais e religiosos para disfarçar o preconceito que apresenta por certos grupos sociais. O filme demonstra o perigo de se apoiar nessas normas ao mostrar como Saeed foi protegido por uma rede de apoio poderosa, incluindo alguns membros do governo do Irã. 

Rahimi olha para além da câmera. Ela está séria e usa um hijab preto.
O filme  também trata da desigualdade social que cercava as famílias das vítimas, que quase tiveram seu silêncio comprado. [Imagem: Divulgação/Mubi] 

Outra perspectiva machista evidente no filme são as atitudes que cercam a jornalista. Um pequeno spoiler: já no começo da produção, Rahimi é impedida de conseguir um quarto em um hotel, mesmo tendo feito uma reserva, por não ser uma mulher casada. Além disso, seu profissionalismo é sempre questionado por outros envolvidos no caso. 

Rahimi enfrenta muitas dificuldades ao trabalhar com a polícia iraniana, uma vez que eles apresentavam uma investigação fraca se comparada com a urgência do caso. 16 mulheres foram mortas e, mesmo assim, a jornalista tinha que se colocar em situações perigosas, pois o trabalho policial não foi feito com o devido empenho. O processo judicial do caso é provavelmente a parte mais frustrante do filme para o público, visto que se espera uma atitude melhor por parte da justiça do Irã. Entretanto, ele também é o responsável pela reviravolta do filme que gera uma sensação de alívio no espectador. 

Por estar cercada por uma sociedade misógina, Rahimi não se sente segura em nenhum lugar durante todo o filme. Essa constante desconfiança, visível na protagonista, torna a produção viciante. É difícil se distrair enquanto a assiste. Mesmo após a prisão do assassino, Rahimi suspeita do processo judicial do seu país. 

O momento final do filme permite que o público tenha a sensação de vitória, mas ao mesmo tempo demonstra que esse tipo de pensamento defendido pelo assassino ainda estará presente na população iraniana.  O longa deixa claro que se não houver uma mudança, esses eventos ainda podem se repetir. Como é possível perceber pelos mais recentes protestos das mulheres iranianas por mais direitos mesmo depois de mais de 20 anos dos assassinatos. 

O filme já está em cartaz nos cinemas brasileiros. Confira o trailer:

*Imagem de capa: Divulgação/O2 Filmes

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