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Coringa: a construção do maior vilão das HQs no cinema  

O PAPEL DAS ADAPTAÇÕES NA CONSTRUÇÃO DO MAIOR INIMIGO DO BATMAN

Quando começamos uma discussão acerca de vilões no cinema, é impossível não lembrarmos de alguns nomes como Voldemort, Darth Vader, Hannibal Lecter e, é claro, o Coringa. O personagem foi criado por Bob Kane, Bill Finger e Jerry Robinson por volta de 1940. Inicialmente, seria apenas mais um dos muitos vilões de Batman e não havia nenhum projeto que planejasse dar maior atenção ao palhaço. 

Contudo, com o tempo, o Coringa ganhou destaque como um dos maiores vilões da história – não só dentro das HQs, como também no cinema. O cabelo verde, o terno roxo, a maquiagem exagerada e a risada mais marcante de todos os tempos elevaram o vilão a um patamar incrivelmente alto. 

Para entender melhor como o personagem alcança esse sucesso, é interessante analisar como as adaptações dos quadrinhos para o cinema escolhem determinadas características do vilão e solidificam as diferentes facetas do Coringa que conhecemos. 


Coringa: um marco do cinema

O Coringa apresenta cinco aparições dentro da sétima arte até o momento, com projetos para a criação de novos longas. Fazer uma avaliação a respeito da forma como o personagem é representado em cada uma delas, pode ajudar a entender os motivos para a consagração de determinadas atuações e as críticas que são apresentadas a outras. 

Coringa conversando no telefone. Ele usa um terno rosa, maquiagem branca e batom vermelho
Cesar Romero em Batman: o homem-morcego. [Imagem: Divulgação/Warner Bros]


“A joke a day keeps the gloom away!”

A primeira vez que o nêmesis do homem-morcego é apresentado no cinema acontece em 1966 por meio da atuação de Cesar Romero em Batman: o homem morcego (Batman: The Movie, 1966). Nesse filme acompanhamos a trajetória de diferentes inimigos de Batman (Adam West) na tentativa de matar ele e o menino-prodígio, Robin (Burt Ward).  

É interessante notar na obra cinematográfica a presença do clássico humor da década de 60, diferente da tensão e do teor sombrio dos outros filmes. O palhaço parece ficar em segundo plano, junto a outros personagens, enquanto o foco do filme concentra-se no próprio herói e na mulher-gato.

Apesar de não termos o vilão como centro das atenções nesse momento, é interessante notar como o filme é semelhante aos quadrinhos da época. Ao assistir ao filme parece que, ao mesmo tempo, o espectador está lendo um dos quadrinhos da década de 60, sensação que provoca certo conforto no telespectador que consegue se divertir ao decorrer do longa.

Coringa sorrindo. Ele usa um terno roxo e camisa verde
Jack Nicholson em Batman (1989). [Imagem: Divulgação/ Warner Bros]


“Have you ever danced with the devil in the pale moonlight?

É em 1989 que temos o retorno do palhaço às telonas em Batman com a direção de Tim Burton, e Jack Nicholson atuando como o Coringa. É nesse filme que o personagem aparece como vilão central pela primeira vez, agora de forma mais consolidada e com a crueldade que é constantemente associada à figura do palhaço.  

No início do longa é apresentada uma das possíveis origens do Coringa, nessa versão, o palhaço, que antes era um mafioso denominado Jack Napier, cai em um tanque químico em uma fuga contra o Batman. Assim, o vilão torna-se quem é, não apenas por conta de seu estado mental, mas porque é fisicamente incapaz de se dissociar de sua forma de palhaço: tanto o seu sorriso, quanto a pele branca tornam-se permanentes. 

É nesse momento que notamos que, querendo se livrar de um criminoso, o homem-morcego cria o seu maior inimigo. Além disso, a intenção do Coringa passa a ser a transformação de Gotham em uma cidade feita para transgressores da lei utilizando do seu maior artifício para isso: o humor. 

O Coringa de Jack Nicholson, por esses motivos, se aproxima do vilão escrito por Alan Moore em A Piada Mortal (Batman: The Killing Joke, 1988), uma das HQs mais consagradas já escritas e que revela, com extrema qualidade, a história do personagem. 

Coringa sentado na frente do Batman com a cara séria
 Heath Ledger em O cavaleiro das trevas. [Imagem: Divulgação/Warner Bros]


“Why so serious?”

Heath Ledger é, provavelmente, o nome mais mencionado quando abordamos a figura do Coringa nos cinemas. O ator australiano faleceu antes do lançamento do filme, com apenas 28 anos, e deixou um legado eterno com uma das interpretações mais marcantes da sétima arte. É com a atuação de Ledger que temos a consolidação do sombrio e a solidificação do palhaço como grande inimigo do Batman

A consagração da atuação de Heath acontece, entre diversos motivos, devido ao mergulho que o ator realiza no sadismo de Coringa, o que não havia sido observado anteriormente. Assim, é difícil para o público realizar uma separação entre o artista e o personagem, o que reforça a qualidade da atuação. 

Além disso, a caracterização do personagem feita pela produção do filme apresenta destaque. As cicatrizes marcadas no rosto, a maquiagem sempre borrada e o cabelo desgrenhado contribuem na forma como o vilão é visto pelo público. Não só o Coringa, como os filmes do Batman de forma geral, a partir desse momento, assumem um caráter mais sério e misterioso, com um afastamento quase que completo do humor da década de 60. 

Devido a essas características, o Coringa é reconstruído por Heath e passa a ser lembrado por ser um personagem essencialmente mal, as ações do vilão são praticadas pelo simples fato dele gostar de causar o caos, e não em uma busca por algo maior – como parece acontecer com outros inimigos do Batman. 

Batman: O Cavaleiro das Trevas (The Dark Knight, 2008) continua como um dos filmes mais marcantes do universo de super-heróis e é uma obra essencial para entender o sucesso de um dos maiores vilões de todos os tempos. Por esse motivo, os fãs do personagem serão eternamente gratos a Heath Ledger por sua dedicação e interpretação de Coringa nos cinemas. Papel que rendeu ao ator o Oscar de melhor ator coadjuvante em 2009. 

Coringa sorrindo. O personagem tem dentes metálicos e tatuagens no rosto
Jared Leto em Esquadrão Suicida. [Imagem: Divulgação/Warner Bros]


“Would you live for me?”

Jared Leto é, provavelmente, o Coringa com menor aceitação pelo público e pela crítica. Com o anúncio de Esquadrão Suicida (Suicide Squad, 2016) os fãs do personagem se animaram com a volta de Coringa às telonas depois de 8 anos. Contudo, as expectativas com relação ao filme foram quebradas logo após o seu lançamento. 

O Coringa de Leto não apresenta o mesmo sadismo e humor que foram construídos por Jack Nicholson e Heath Ledger – o que não parece ser um erro do ator, mas dos roteiristas do filme – assim, é quase como se o trabalho para transformar o Coringa dos quadrinhos para os cinemas fosse descartado, sendo substituído por uma versão mais caricata do vilão.

O curto tempo de tela do ator também não permite o desenvolvimento do palhaço, por esse motivo o espectador tem a impressão de que assiste a um personagem vazio, mal planejado e que também não apresenta carisma. A caracterização do palhaço também incomoda, já que, o visual do Coringa se aproxima mais da figura de um mafioso do que daquela que é esperada para o maior vilão do Batman. 

De forma geral, Esquadrão Suicida não apresenta o brilho, talento e singularidade dos demais longas ao representar o Coringa e, por esse motivo, não apresenta a aprovação e recepção positiva que poderia ter recebido com a presença de um roteiro mais consistente e fiel às origens dos personagens. 

Coringa sorrindo. Ele usa uma maquiagem de fundo branco, com triângulos azuis nos olhos, vermelho no nariz e boca
Joaquin Phoenix em Coringa. [Imagem: Divulgação/Warner Bros]


“Is it just me or is it getting crazier out there?”

Coringa (Joker, 2019) é o filme mais recente do personagem e é o único, até o momento, que apresenta o foco dedicado exclusivamente ao vilão. A produção de uma sequência para o filme já foi confirmada e recebe o nome de Joker: Folie a Deux e será lançado em 2024. 

Joaquin Phoenix apresenta uma perspectiva nova e única ao palhaço. É a primeira vez que o público é apresentado ao estado psicológico do Coringa, ao mostrar a jornada do comediante sem sucesso até o seu completo estado de insanidade. A partir desse momento, o debate acerca da saúde mental passa a apresentar destaque em discussões a respeito do personagem. 

O fato de termos acesso à história de Arthur Fleck – que futuramente se torna o Coringa – parece humanizar a sádica figura do protagonista. Phoenix, ao apresentar as frustrações de Arthur, faz com que o público entenda, de certa maneira, os motivos que levam um indivíduo comum chegar à loucura, mesmo que as ações tomadas por ele não possam ser justificadas pelo seu estado mental. 

Além disso, a caracterização do personagem apresenta destaque mais uma vez. As roupas com tons quentes e que exalam certa noção de alegria contrastam com o estado emocional do Coringa e parecem, inclusive, reforçar a tristeza e pessimismo que Arthur apresenta com relação ao mundo à sua volta. 

Por esses motivos, Joaquin Phoenix se aproxima da excelente performance de Heath Ledger na representação do maior vilão das HQs no cinema. Apesar disso, a atuação de cada um deles é única, sendo difícil realizar uma comparação entre os dois, visto que ambos fazem jus aos roteiros bem estruturados que lhes são oferecidos. Phoenix também conquistou um Oscar devido a representação do palhaço em 2020. 


O vilão original

O Coringa aparece pela primeira vez nos quadrinhos do Batman em 1940 em Batman e Robin, o menino-prodígio (The Batman and Robin, the boy wonder). O público é apresentado ao humor sádico do antagonista e às dificuldades que o herói terá que enfrentar para controlar o vilão. 

Batman e Robin, o menino-prodígio. [Imagem: Divulgação/DC Comics] 

A origem do Coringa, no entanto, ainda não é apresentada aos leitores. Isso só irá acontecer 11 anos depois, em Detective Comics #158 de Bill Finger. Nessa versão, o Coringa era um indivíduo comum até cair em um tanque de compostos químicos em fuga contra o Batman. Esse fator provoca a loucura do homem, que a partir de então enxerga no homem-morcego o seu maior inimigo. 

Contudo, essa não é a única versão possível a respeito do surgimento do personagem. Segundo Roberto Elísio dos Santos, vice coordenador do Observatório de Histórias em Quadrinhos da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da Universidade de São Paulo (USP), o Coringa é um personagem multifacetado. Isso acontece devido aos diferentes tipos de escrita e interpretações com relação ao vilão. 

O professor também afirma que isso acontece com os longas-metragens, já que, a perspectiva que se tem sobre o personagem depende das escolhas que são feitas por diferentes atores, diretores e produtores. Assim, seria inútil a busca de uma adaptação que retrata perfeitamente o vilão, já que não há uma única versão dele. 

É também interessante mencionar a importância de conseguir separar as HQs dos filmes. O professor Roberto Elísio reforça que os dois representam formas diferentes de arte, e exigir que as adaptações sejam completamente fiéis aos seus livros base seria desonesto com a produção dos longas, uma vez que mudanças são necessárias para que os quadrinhos se encaixem no modelo cinematográfico. Esse fator é reforçado quando pensamos no caso de Alan Moore, roteirista de quadrinhos, que escolhe não assistir às adaptações de suas histórias por entender que se tratam de formatos artísticos diferentes e, por esse motivo, devem ser tratados dessa maneira.


Das páginas para as telonas

O Coringa é um dos maiores vilões da história, e a sua construção foi feita de um modo excepcional, tanto pelos seus escritores originais quanto pelos roteiristas, que realizaram as adaptações necessárias para a inserção do personagem à sétima arte. Roberto Elísio, reforça também a apropriação das cores verde, roxo e vermelha feita pelo vilão que se tornaram marcas do personagem. 

Além disso, as falas marcantes e a formação da loucura do personagem aproximam o público do vilão, já que, segundo o próprio, em “A Piada Mortal” de Alan Moore, “só é preciso um dia ruim para reduzir o mais são dos homens a um lunático”. É em momentos como esse que conseguimos entender que o Coringa, apesar de tentar convencer Gotham de sua loucura, em certos momentos, parece ser mais racional que o esperado.

Coringa em A Piada Mortal. [Imagem: Divulgação/DC Comics]

Esse fator é também ressaltado durante suas diversas lutas contra o homem-morcego. Roberto Elísio menciona o fato de o palhaço não ter o desejo de matar Batman — segundo o Coringa interpretado por Heath Ledger em O Cavaleiro das Trevas, isso acabaria com o seu propósito de vida. O desejo do antagonista é, na realidade, fazer o herói se autodestruir. Somente dessa forma, o Coringa conseguiria encontrar sua sanidade novamente. 

Para aqueles que quiserem saber mais sobre o personagem, o professor recomenda a leitura das HQs clássicas do Batman, como: O Cavaleiro das Trevas (Frank Miller), Batman: ano um (Frank Miller), Batman: O Longo Dia das Bruxas (Jeph Loeb), A Piada Mortal (Alan Moore) e Morte em Família (Jim Starlin).

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