Por Bruna Correia (brunacorreia@usp.br) e Davi Caldas (odavicaldas@usp.br)
Estudo publicado sexta-feira (10), na revista científica “Desenvolvimento e Meio Ambiente”, intitulado Environmental-economic accounting for water and its contribution to water resources management, planning, and SDG 6, defende que a garantia da segurança hídrica, alimentar e energética da população a partir da gestão da água, será um dos principais desafios governamentais nos próximos anos.
A pesquisa, feita por Geraldo Góes e Cesar Siefer, da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) respectivamente, examina a contribuição das Contas Econômicas Ambientais da Água — sistema de medição e análise, representado por um conjunto de tabelas, que permite entender as interações entre o meio ambiente e a economia — para consolidar informações sobre a gestão de recursos hídricos no país.
Um instrumento já empregado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e pela Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) para incorporar variáveis ambientais nas contas públicas pode ser aprimorado, desempenhando um papel importante no planejamento de uso sustentável de recursos hídricos a médio e longo prazo no Brasil.
A ferramenta foi implementada em 2018 e fundamenta-se na metodologia de monitoramento de variáveis econômicas e ambientais estabelecida pela Organização das Nações Unidas (ONU). Ambos os autores do artigo desempenharam papéis nos estudos pioneiros na América Latina voltados para a criação desse instrumento.
IBGE no auxílio da gestão de recursos hídricos
Apesar da importância dos recursos hídricos para a sociedade, há diversas lacunas na disponibilidade de dados, o que dificulta a tomada de decisões na esfera de políticas públicas. É nesse contexto que o System of Environmental-Economic Accounting for Water (SEEA-Water) — no Brasil, utiliza-se esse modelo para compilar o Sistema de Contas Econômicas Ambientais da Água (CEAA) —, utilizado pelo IBGE e ANA, auxilia na sistematização e padronização de dados hidrológicos e econômicos em um mesmo quadro conceitual.
Em entrevista à Jornalismo Júnior, Geraldo Góes e Cesar Siefer, porta-vozes do estudo, defendem que as CEAA podem contribuir para o planejamento de longo prazo do uso de recursos hídricos no Brasil e possuem aplicações diversas. Elas visam o detalhamento de informações de intensidade e eficiência do uso da água, bem como das de pressão exercida pelos usuários nos recursos hídricos.
“Informações como quais são os setores econômicos que possuem um maior retorno [R$/m³ de água utilizado] podem auxiliar na orientação do processo de outorga de direito de recursos hídricos em bacias hidrográficas em períodos de escassez hídrica. Além disso, pode-se utilizar estas informações como base para o estabelecimento e calibração dos preços para implementação da cobrança pelo uso de recursos hídricos em bacias hidrográficas”, defende Góes.
Capaz de contabilizar variáveis ambientais nas contas públicas, auxiliar na gestão e planejamento de recursos hídricos e de monitorar a eficiência do uso da água por setor econômico, o SEEA-Water fornece informações estratégicas para apoiar a tomada de decisão em escala nacional e subnacional. Seus resultados são regularmente publicados pelo IBGE que, desde 2018, utiliza da ferramenta para produzir e divulgar dados sobre o assunto. Dessa forma, o Brasil se torna um destaque em relação a outros países na integração de recursos ambientais às contas econômicas.
O instrumento foi capaz de avaliar uma queda nos volumes de águas residuais por parte de atividades familiares no território brasileiro, além de enfatizar o volume criado por atividades econômicas. Ao passo em que se observa um aumento da proporção de águas residuais tratadas de forma segura e dos volumes de águas residuais destinados à rede de esgotos, as CEAA foram capazes de analisar, em um período inferior a uma década, um declínio dos volumes residuais sem coleta e com retorno direto ao meio ambiente.
“As planilhas de dados entre 2018 e 2020 estão disponíveis no site do IBGE, a fim de que órgãos gestores possam cruzar os dados com outras informações e produzir conteúdos e alternativas para a gestão dos recursos hídricos”, comenta Goés.
Em alguns anos, uma das possíveis vantagens do novo equipamento pode ser também a integração da gestão de recursos hídricos em indicadores do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro, já que seus dados, agregados às Contas Econômicas Integradas — usadas para calcular o PIB — evitariam erros ou dupla contagem.
“O desenvolvimento das Contas Econômicas-Ambientais é parte de um esforço interinstitucional para o cálculo do Produto Interno Verde (PIV) do país. O PIV é um indicador econômico projetado para integrar a renda, o bem-estar e o valor socioeconômico de um país gerado exclusivamente pelo crescimento verde e sustentável, e considera o patrimônio ecológico de um território”, defende Góes. Ele ainda acrescenta que este crescimento resulta da transformação estrutural, desenvolvimento de infraestrutura, mudança tecnológica, entre outras ações com foco na sustentabilidade e que podem ser mensuradas.
Pensando a longo prazo
Diferentemente das práticas de gestão de recursos hídricos atuais, que possuem eficácia no curto prazo, mas trazem incertezas num período mais longo — devido a uma limitada consideração da interação entre as dimensões naturais, técnicas e sociais em um contexto de crise hídrica e mudanças climáticas —, as CEAA podem auxiliar no controle e monitoramento de metas a longo prazo.
Assim, metas como as impostas pela ONU na Agenda 2030 — mais especificamente no sexto item dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), que visa garantir a disponibilidade e manejo sustentável da água e saneamento para a população — podem ter uma maior facilidade de serem monitoradas e concluídas, transformando esse instrumento em um importante meio para a gestão de recursos hídricos a nível global e não apenas nacional.
“Uma das principais lacunas observadas no mundo é a ausência de dados ou a limitação das bases de dados existentes para geração de informações confiáveis para o acompanhamento das metas dos ODS”, pontua Goés. Ele completa pontuando que a gestão de recursos naturais necessita de informações robustas para embasar estratégias baseadas em dados e evidências que suportem a proposição e monitoramento de políticas públicas em escalas distintas.
Para Góes, a publicação dos estudos auxilia na sistematização de informações e bases de dados produzidas por diversos órgãos e institutos de pesquisa no país. Esse processo ajuda a estruturar a divulgação de informações sistematizadas por meio de indicadores de uso de água, pressão exercida nos recursos hídricos, disponibilidade hídrica, entre outros, ao longo do tempo e em recortes espaciais.
Para superar essas lacunas, o pesquisador afirma que foi fundamental para a conclusão do estudo o financiamento de organismos internacionais como a Comissão Econômica para a América Latina (CEPAL), da Agência alemã GIZ e da Agência Nacional de Águas. “A CEPAL financiou a vinda para o Brasil de pesquisadores que implementaram as CEAA no México e na Austrália a fim de realizar a transferência de conhecimentos especializados. A GIZ financiou a contratação de uma equipe técnica que trabalhou no IBGE. A Agência Nacional de Águas foi um ator fundamental, disponibilizando recursos humanos e financeiros para a elaboração das CEAA”, comenta Goés.
A Agenda 2030 da ONU, estabelecida durante a Assembleia Geral da entidade em 2015, é um plano global que compreende 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. Este compromisso assumido pelos países envolve a implementação de medidas transformadoras em áreas como saúde e bem-estar, educação de qualidade, igualdade de gênero, água potável e saneamento, energia acessível e limpa, redução das desigualdades, erradicação da pobreza e ação contra as mudanças globais do clima.
Com as CEAA e o modelo SEAA-Water, algumas dessas metas — principalmente a sexta, específica sobre recursos hídricos e saneamento —, possuem maior probabilidade de sucesso, já que foi aprimorado o seu monitoramento. Ainda pode-se pensar em metas maiores e, em um futuro, podendo incluir até melhoras nas CEAA ou mesmo uma maior utilização, por exemplo, a nível mundial.
*Imagem da Capa: Reprodução/Pixabay