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Pesquisa mostra soluções ineficientes do governo em meio ao crescente conflito por acesso à água

Com falta de ações nacionais e internacionais sobre o assunto, levantamento explorou registros virtuais, documentos e leis sobre conflitos por água no país

Por Bruna Correia (brunacorreia@usp.br) e Davi Caldas (odavicaldas@usp.br)

Em quase duas décadas, o Brasil registrou um aumento de 481% em conflitos pela água. Mesmo em meio a essa situação, um estudo publicado na última sexta-feira (10) na revista “Desenvolvimento e Meio Ambiente”, feito pelos pesquisadores Gesmar Santos, Ana Farias e Luiz Bronzatto, revela que há lacunas na legislação brasileira, além da falta de iniciativas dos governos e instituições em manter pesquisas e plataformas de registro e difusão de informações sobre os conflitos.

O artigo, intitulado “Water conflicts, national laws, and SDG: monitoring for democratic governance”, discute a falta de soluções – a nível nacional ou internacional – do crescente conflito por acesso à água, especialmente no território brasileiro. Os resultados da pesquisa evidenciam a dificuldade, ou mesmo impossibilidade, do reconhecimento de conflitos nascentes, atuais e futuros.

Em entrevista à Jornalismo Júnior, Gesmar Rosa dos Santos, profissional do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (IPEA) e pesquisador e porta-voz do estudo, ressalta que as principais dificuldades para a realização da pesquisa foram a falta de dados oficiais e as fontes incertas e dispersas, com estudos esporádicos, com uma baixa cobertura de muitos tipos de conflitos pela água.

Por mais que seja vital, o acesso a ela não é igualitário. [Imagem: Reprodução/Pixabay]

Segundo o pesquisador, a ideia para este estudo surgiu durante a atuação em outro, dessa vez sobre formas de implementar a política de recursos hídricos no Brasil, explicando suas lacunas, avanços e experiências exitosas. “Notamos os distintos interesses e situações conflitantes que atrapalham o funcionamento da lei nos diversos locais que visitamos”, diz.

Santos conta que não sabe se existem planos para o desenvolvimento de uma plataforma governamental para registrar os conflitos. Para ele, uma iniciativa desse tipo poderia influenciar positivamente na gestão de recursos hídricos e na solução dos conflitos, por envolver a sociedade e, possivelmente, contar com o apoio do Ministério Público (que também tem dados sobre o tema).

“Esse problema de falta de registro, de reconhecer os conflitos nascentes, atuais e futuros, é de todos os países que pesquisamos. As mudanças climáticas exigem [registros]. Envolve moradia, planejamento urbano, entre outros”, pontua. Ele ainda diz que a ONU deveria fomentar a criação de um banco de dados, e que incluir os sobre conflitos pela água nas cidades deveria ser essencial.

Segundo Santos, os dados mais abrangentes foram os compartilhados pela Comissão Pastoral da Terra (CPT), que apontaram um aumento de 481% no número de casos no Brasil de conflitos por acesso à água entre 2005 e 2021.

Rompimento das barragens em Mariana. [Imagem: Reprodução/Antônio Cruz, Agência Brasil]

Os dados ainda revelaram que 87% deles se concentraram nas regiões Norte, Sudeste e Nordeste, atingindo o pico do número de casos no ano de 2019, em decorrência do rompimento das barragens de Mariana e Brumadinho (MG). Esses acidentes ocasionaram não só várias mortes e deixaram milhares de desabrigados, como causaram a falta de acesso à água tratada para a população.

Até mesmo o critério utilizado para definir o que é um conflito por acesso à água foi uma dificuldade: a definição não é consenso entre a comunidade científica. Porém, todas as adversidades encontradas para a realização do estudo ajudaram, indiretamente, os pesquisadores a obterem o seu resultado. “Isso não afetou as conclusões, pois o propósito foi isso mesmo. As lacunas são conclusões, abrindo hipóteses e possibilidade para sugerirmos caminhos para avançar”, afirmou Santos.

Conflitos pela água

Segundo o artigo, os conflitos podem ser definidos como manifestações de posições discordantes que geram atritos em torno do acesso, posse ou domínio sobre a água. Eles afetam não apenas os usos humanos, em situações de escassez, como também podem resultar em perdas irreparáveis na biodiversidade. Uma das principais consequências dos conflitos pela água é a modificação nos regimes de fluxos hídricos, que pode gerar diversos danos às gerações atuais e futuras.

Suas causas são diversas, e vão desde motivações econômicas, socioculturais e ambientais até atritos violentos, como guerras e motins. Por esse motivo, é um problema mundial, e  entidades, como a Organização das Nações Unidas (ONU) – a partir do surgimento dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) –, poderiam ter um impacto maior no monitoramento deles.

Os ODS, que fazem parte da Agenda 2030, são uma coletânea de 17 metas globais.Esse tema aparece em sua sexta meta, a qual visa garantir a disponibilidade e o manejo sustentável da água, além de saneamento para todos.

Mesmo que a Agenda 2030 não apresente tipos específicos de conflitos, há preocupação em evitá-los, principalmente os de grande proporção ou internacionais, como os confrontos em bacias hidrográficas. Isso pressupõe diálogos, participação e compartilhamento de responsabilidades e direitos para garantir o acesso à água.

A concentração do acesso é uma questão silenciosa dos conflitos, e pode ter impactos negativos no abastecimento das cidades e aumentar os custos dos sistemas de tratamento de água. Além disso, possui potencial para prejudicar a continuidade da agricultura familiar.

Agronegócio é o maior consumidor de recursos hídricos brasileiros. [Imagem: Reprodução/Célia Regina Grego, Embrapa]

O setor agrícola é o maior consumidor de água no Brasil e os conflitos relacionados a ele surgem tanto por questões de domínio e posse da terra e da água quanto pelos danos causados por agrotóxicos nos corpos hídricos. Também são observados conflitos devido ao consumo desigual de água entre diferentes setores, bem como entre agricultores familiares e não familiares.

A pesquisa cita outro estudo que avaliou bacias hidrográficas transfronteiriças, que podem apresentar tensões hidropolíticas por conta de projetos de grandes obras hídricas para geração de energia hidrelétrica. Na América do Sul, os autores apontaram esse problema e lacunas institucionais nas bacias dos rios Amazonas e Orinoco.

O estudo utilizou um modelo de análise dos conflitos transfronteiriços, considerando dois cenários: um com um aumento deles em 74,9% até 2050, com crescimento populacional e alterações climáticas moderadas; e outro com um aumento de 95% até 2100, com crescimento populacional e mudanças climáticas extremas. Do total de 286 bacias analisadas, 22 foram categorizadas como de altíssimo risco de tensão, enquanto 36 foram classificadas como de alto risco.

O que deve ser feito

Para o pesquisador, existem várias maneiras de diminuir os conflitos e promover uma gestão sustentável da água.

“Garantir a participação da população interessada e afetada, principalmente a local, rural e das cidades, do jeito que ela conseguir se organizar, e garantir o funcionamento dos instrumentos de gestão dos recursos hídricos. Além disso, fortalecer os órgãos de gestão ambiental e da água, como secretarias estaduais e municipais”, cita Santos.

Ainda, enfatiza a qualidade da lei nacional, que deveria ser cumprida com rigor. Também afirma sobre a necessidade de registro de todos os eventos, em qualquer município, organizados por tipo, com dados abrangentes e divulgação anual em plataforma aberta. Outro ponto é integrar as políticas, já que os problemas não são apenas os de acesso à água e sim, principalmente, econômicos.

“Os próximos passos da equipe são os de continuar dando suporte à implementação das leis e dos ODS no Brasil, com a difusão de dados e estudos sobre o tema, além de participar de todas as esferas possíveis que abordem a questão”, conclui Santos.

*Imagem de Capa: Reprodução/Pixabay

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