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O método do terror

Uma análise histórica e social do terrorismo, mostrando como esse é um fenômeno plural e repleto de especificidades

Por Maria Eduarda Nogueira (mariaeduardanogueira@usp.br)

O que é o terrorismo?

O terrorismo se manifestou de diversas formas ao longo dos séculos, por isso a dificuldade em reduzir esse termo tão amplo a um conceito. Segundo o escritor americano Thomas Laqueur, “nenhuma definição pode abarcar todas as variedades de terrorismo que existiram ao longo da História”.

A agenda política é o principal fator que diferencia as ações terroristas dos outros tipos de violência, há sempre objetivos políticos por trás dos atos. Além disso, é uma tática para se afirmar o poder onde ele não está consolidado, tendo uma causa como motivação. Normalmente, essa causa é política, podendo – ou não – se relacionar com a religião, como explica Natalia Nahas, cientista política da USP. “Há elementos religiosos no terrorismo, mas eles são elementos, não são as únicas motivações. Existe um contexto muito particular em cada sociedade”.

Outra diferença significativa da tática de terror é o objetivo publicitário. Diferente dos crimes comuns, os ataques terroristas buscam alcançar a mídia. O professor da UNIPAMPA, Renatho Costa, ressalta que o atentado em si não é o objetivo final. “As organizações promovem atentados para que o ator de quem se demanda algo seja forçado a aceitar seu pleito ou, no mínimo, inicie um processo de negociação.”

Essa forma de violência também se diferencia por seu caráter sem escrúpulos, não há um respeito às normas que regem um período de guerra. Por isso, os ataques a civis – como no caso do bombardeamento de hospitais, massacres em escolas, explosão em locais públicos – são normalmente classificados como atos terroristas; descomedidos e imprevisíveis. Esse fator também é um dos maiores propulsores do medo generalizado, visto que ninguém está a salvo. A guerra parece se estender a todos, combatentes ou não. A morte, também.

Historicamente, terrorismo

Apesar de registros históricos anteriores, pode-se dizer que os ataques terroristas como os concebemos hoje iniciaram-se junto à Idade Contemporânea. Ambos possuem o mesmo evento como marco histórico: a Revolução Francesa.

Ao assumirem o poder, os jacobinos, grupo revolucionário mais extremo, orgulhavam-se da denominação “terrorista”. Os infames tribunais de Robespierre eram cruéis ao tratarem os contrarrevolucionários, sendo responsáveis por diversas execuções. Não é de se estranhar que o período em que esse grupo assumiu o poder foi chamado de “O Terror”, dando início àquilo que hoje se chama Terrorismo de Estado.

Exécution de Robespierre et de ses complices conspirateurs contre la liberté et l’égalité (1794), pintor anônimo – Créditos: Wikipedia Commons

Dentro dessa lógica de afirmação de poder, é interessante notar que nem sempre aquele que possui maior capacidade militar sairá vitorioso. O maior exemplo disso é o atentado às Torres Gêmeas, que somente obteve sucesso por suas peculiaridades, uma vez que não envolveu grande quantia de capital ou agentes.

Para o docente da UNIPAMPA, dificilmente aquela ação poderia ter se concretizado caso envolvesse um exército poderoso. “Com o 11 de setembro, surge o entendimento de que a tática terrorista é frequentemente utilizada entre atores com assimetria de poderes [um grupo pequeno contra um grande governo], mas outros também podem recorrer à essa tática devido à sua efetividade.” Isso se confirma no fato de que muitos Estados poderosos utilizam os métodos terroristas, apesar de os condenarem, como o próprio Estados Unidos em sua retaliação no Oriente Médio.

A partir da segunda metade do século XIX, o uso do medo foi comum para alcançar objetivos políticos. Renatho Costa explica que até meados do século XX, era recorrente o uso de táticas terroristas, visto que o fenômeno, apesar de condenado, ainda era considerado “utilizável”. Isso mudou na segunda metade do mesmo século, “o terrorismo se converte em algo inaceitável. Basta uma organização ou Estado ser considerado terrorista para que sua demanda sequer seja analisada”.

Ao longo dos diferentes períodos históricos, é possível perceber que os grupos tornaram-se cada vez mais diversos, dificultando uma definição única e objetiva. Ainda hoje, isso se observa. Há aqueles que objetivam a unificação de dois territórios (o caso do IRA nas Irlandas) ou o separatismo (o ETA, no País Basco) ou ainda a criação de um novo espaço geográfico (o Estado Islâmico e seu califado). De uma forma ou de outra, esses grupos encontraram no terror uma maneira de tentar alcançar suas metas políticas e ideológicas, disseminando um medo generalizado, que afeta a sociedade global.

A globalização do medo

O francês Paul Brosse foi responsável por definir o conceito de “propaganda pelo ato”: por observarem a ineficácia da propaganda ideológica, os grupos terroristas preferem a ação propriamente dita para disseminar seus ideais na mídia. Como foi explicitado anteriormente, a atenção midiática é extremamente importante para a efetivação da agenda política de tais grupos.

Por esse motivo, a globalização – que implica na conexão de diferentes partes do mundo – possui papel fundamental na compreensão do terrorismo. Esse fenômeno, com ajuda da internet, permitiu que eventos ocorridos em uma certa região pudessem ser noticiados, em questão de segundos, para o resto do mundo. Segundo Natalia Nahas, a rapidez das informações influencia o indivíduo no momento em que ele estrutura uma operação terrorista. Esta terá impacto imediato ao redor do globo. Ao serem noticiados, atos terroristas ganham, por fim, o crédito midiático tão almejado.

Outro fator que colabora para essa disseminação do medo é a internacionalização do terrorismo. Desde as décadas de 70 e 80, os alvos dos ataques não se concentram mais em regiões onde os grupos atuam. O exemplo mais explícito dessa internacionalização é o 11 de setembro, ocorrido já no novo milênio. A partir dessa tragédia, se observa o “terrorismo contemporâneo”, caracterizado pelo maior potencial de letalidade.

A mudança na organização terrorista é também uma característica marcante. Se antes os simpatizantes ficavam restritos à mesma região, agora, há “células” em todas as partes do mundo. Isso explica como o Estado Islâmico é responsável por tantos ataques na Europa, mesmo tendo sua matriz no Oriente Médio. Essa característica potencializa ainda mais a globalização do medo, porque implica numa imprevisibilidade acima do já esperado em ataques terroristas.

Guga Chacra, colunista de política internacional do GLOBO, menciona uma terceirização do terror feita pelo EI, que revolucionou o terrorismo ao realizar (ou ao menos reivindicar) atentados sem sofisticação que causam o mesmo impacto midiático das super elaboradas ações da al-Qaeda na década passada. “Basta inspirar pelas redes sociais jovens radicalizados em algum lugar da Europa e incentivá-los a pegar um veículo e lançá-lo contra pedestres.”

Memorial do 11 de setembro, em Nova Iorque – Créditos: novayork.com

Terrorismo e religião

A relação entre terrorismo e religião data de muitos séculos atrás. Um exemplo clássico disso situa-se na Idade Média. A Santa Inquisição, apesar de não receber a nomenclatura de terrorista, certamente cometia atos alinhados com essa perspectiva, motivados pela fé cristã católica. No caso do terrorismo islâmico, observa-se, segundo Natalia Nahas, “uma narrativa religiosa que é importante e que dá uma base ideológica de legitimação, mas é acompanhada por uma porção de outros elementos explicativos.”

A motivação religiosa é um fator que maximiza o emprego da violência. Por serem extremamente crentes nas interpretações extremistas pregadas pelo grupo, muitos membros acabam se “sacrificando” em prol da causa. É o caso de homens-bomba, por exemplo. Isso pode ocorrer também em organizações ufanistas – que levam o nacionalismo ao extremo –, como foi o caso dos kamikazes japoneses no século XX. No entanto, a religião possui um poder de alcance muito maior, pois transcende fronteiras e nacionalidades.

Nos anos 1000, um grupo de muçulmanos xiitas denominados Assassinos atuavam segundo uma interpretação extremista do Alcorão. Nos versos sagrados eles enxergavam a legitimação de seus atos, adotando a violência e o martírio religioso como verdadeiro dever. Agora, cerca de mil anos depois, ainda vemos tais características no terrorismo contemporâneo.

“O terrorismo é um fenômeno de muitas faces” – Reinaldo Lobo (domtotal.com)

O que forma um terrorista?

Antes de discutir as motivações políticas e sociais que levam o indivíduo a ingressar em um grupo terrorista, é importante lembrar que o terrorismo não é só islâmico e o Islã não é só terrorismo. Os muçulmanos que apoiam os ataques são uma ínfima minoria. “Quando apoiam, está ligado a uma questão de ocupação, de resistência à uma potência estrangeira que está interferindo no país – foi o caso do Afeganistão e do Iraque”, diz Natália Nahas.

Ao longo da História, houve um esvaziamento de alternativas políticas para o Oriente Médio, a citar o fracasso da esquerda e do pan-arabismo. Somado a isso, uma série de governantes autoritários e corruptos esgotaram as esperanças da população, que vive em situação de precariedade social. Isso ajuda a compreender por que a ideologia extremista foi vista como única chance de libertação das opressões socioeconômicas.

Para o professor Fernando Brancoli, da Universidade Federal do Rio Janeiro, “a pobreza é mais um componente em uma equação bastante complexa, somada à ideia dos jovens não se sentirem pertencentes ao lugar em que estão inseridos e verem na religião extremista espaço de sociabilidade.”

Outro fator de fomento é a invasão de alguma potência estrangeira, que esbarra em componentes mais estruturais. Nesse caso, um jovem em um país pobre acaba internalizando que a única forma de se proteger e combater o invasor é cometendo um ato terrorista, como afirma o professor.

É preciso levar em consideração também os componentes pessoais. Esse mesmo jovem que se sente deslocado necessita de uma sensação de pertencimento, de uma transcendência pessoal. Por exemplo, jovens de uma terceira geração na Europa, filhos de imigrantes, que se dividem em duas identidades. A cientista política da USP exemplifica situações como essa ao citar filhos de imigrantes muçulmanos, que se sentem deslocados por não se encaixarem no estereótipo de um francês e por morarem nas periferias.

A mídia, a abordagem estigmatizada e a responsabilidade social

Como citado no tópico “A globalização do medo”, a rapidez das informações contribuiu para o objetivo de divulgação midiática dos grupos terroristas. Nesse contexto, surge uma pergunta crucial: como os veículos de comunicação podem cumprir seu papel de informar, sem contribuir para a construção de estereótipos e para a geração de medo?

Para o professor Renatho Costa, esse é um dos principais dilemas da mídia atualmente. Em sua opinião, há uma relação muito próxima entre as organizações terroristas e a mídia. É preciso divulgar a ocorrência de atentados – para não ser considerada omissa – mas isso contribui, inevitavelmente, com o objetivo dos extremistas. “Muitas vezes, esses grupos organizam suas ações para que a mídia seja o ‘convidado principal’ e possa divulgá-los o mais rápido possível”.

Natalia Nahas, por sua vez, oferece algumas dicas para aqueles que produzem matérias sobre atentados: “É muito importante que as reportagens não informem apenas a quantidade de mortos, o nome do grupo e parem por aí. É preciso entender como esses grupos surgem, por que eles surgem e a quais demandas eles atendem”.

Nesse sentido, é essencial que a abordagem midiática fuja do senso comum de que há uma batalha Oriente versus Ocidente. O professor da UFRJ argumenta que “grande parte das movimentações internacionais partem a respeito dessa constituição do inimigo, considerado ilegítimo, denominado terrorista.”

Por isso, publicações como a revista Malala, da qual Natalia Nahas participa, são importantes para oferecer um ponto de vista mais amplo e consciente acerca do Oriente Médio no geral. Organizado pelo Grupo de Trabalho Oriente Médio e Mundo Muçulmano da USP (GTOMMM), a revista conta com artigos acadêmicos, entrevistas com especialistas e resenhas de filmes. Para Natalia, “todas as produções acadêmicas ou jornalísticas que tentem trabalhar com fontes sérias e críticas ajudam a entender melhor o Oriente e os vários tipos de Islã”.

Sociedade do medo? – a falha nas políticas antiterror

Após o 11 de setembro, a necessidade de combater o “inimigo” foi vista como prioridade na administração estadunidense. Um exemplo claro foi a definição de eixos do mal, feita por Bush, que agrupou países como Iraque, Irã e Coreia do Norte. Para o professor da UFRJ, “o Eixo do Mal é mais uma materialização desse discurso que, de alguma maneira, tenta criar um inimigo a ser combatido.” Essa política também resultou na invasão de países de maioria árabe que, como visto anteriormente, pode ter sido um fator de potencialização dos atos terroristas.

Uma das consequências mais notáveis nessa lógica de definição de um inimigo, no entanto, foi a criação de uma sociedade do medo, ou melhor, uma sociedade que vive com medo. Apesar da maioria dos atentados ocorrem no Sul Global – países como a Síria, o Afeganistão, o Iraque – há uma percepção equivocada de que o terrorismo é maior do que é nos países norte-americanos e europeus. Fernando Brancoli argumenta que estes países devem se preocupar, mas não supervalorizar a ameaça terrorista. “A supervalorização acaba autorizando os governos a retirar direitos, criar Estados de exceção e tirar garantias fundamentais como direitos à privacidade.”

Protesto contra imigrantes em Portugal – Créditos: Pedro Nunes/ LUSA

Isso resulta na xenofobia que, especialmente com a crise de refugiados, se torna um problema de proporções globais. A ideia de que há um inimigo faz com que as pessoas recusem até mesmo a solidariedade em uma crise humanitária. “É inevitável que indivíduos fiquem atemorizados e peçam a construção de muros, o fim da chegada dos refugiados e coisas parecidas”, diz o professor. Porém, o temor não deve justificar a xenofobia.

Nesse contexto, é importante entender que o terrorismo islâmico não é fruto do ódio contra o Ocidente. Há muitas incógnitas na complexa equação do extremismo. Como visto, as questões socioeconômicos, religiosas, políticas e até mesmo pessoais são relevantes para a compreensão desse fenômeno, que está presente na sociedade desde seus primórdios. A perspectiva redutora da criação de um inimigo muçulmano nos remete ao perigo da história única. Ilusória. E prejudicial.

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