O bairro palestino de Sheikh Jarrah, na região oriental de Jerusalém, é o gatilho para o conflito mais grave entre Israel e Palestina desde 2014. Famílias de palestinos receberam ameaças de despejo pela polícia e tiveram suas casas invadidas graças à reivindicação do direito de propriedade daquelas terras por israelenses, o que gerou reações do braço armado do Hamas na Faixa de Gaza.
No dia 10 de maio, deu-se início a uma troca de mísseis entre as duas regiões, iniciados pelo Hamas, contra a violação de direitos dos palestinos em Jerusalém Oriental. Os bombardeiros, que se estenderam por 11 dias, mataram cerca de 243 palestinos, incluindo 66 crianças, e 12 israelenses.
Após 11 dias de confronto, o governo de Israel e o Hamas concordaram com o cessar-fogo na Faixa de Gaza, mediado pelo Egito. Mas a violência não acabou: houve ataques de soldados e colonos israelenses contra palestinos na mesquita Al-Aqsa, e a polícia israelense segue executando prisões em massa de cidadãos palestinos que vivem em territórios ocupados por Israel.
A discrepância entre o número de mortos em cada região se dá pela superioridade da tecnologia bélica de Israel. O chamado “Domo de Ferro” é um sistema de baterias de mísseis que podem detectar, calcular trajetórias de mísseis inimigos, prever o local de impacto e interceptá-los com cerca de 90% de sucesso. Até o momento, os Estados Unidos contribuíram com mais de 1 bilhão de dólares para a manutenção do Domo, que, segundo o ex-presidente Barack Obama, iria “fornecer segurança e proteção às famílias israelenses”.
As ameaças de expulsão que deram início ao recente conflito ocorreram em um momento de tensão crescente entre Palestina e Israel. Em um dia do final do Ramadã, mês em que a maioria dos muçulmanos pratica rituais como o jejum e a oração, a mesquita Al-Aqsa abrigava muitos palestinos muçulmanos em Jerusalém Oriental. Houve confrontos diretos entre judeus israelenses que tentavam entrar na mesquita e os palestinos que estavam no local. A polícia reprimiu a ação, deixando mais de 278 pessoas feridas.
Egito, Jordânia e Emirados Árabes Unidos foram alguns dos países que condenaram a postura de Israel. O Hamas, inflamado com a violência causada contra os palestinos, lançou mísseis no mesmo dia e recebeu o contra-ataque israelense.
![Ataque de Israel em prédios na Faixa de Gaza](http://jornalismojunior.com.br/wp-content/uploads/2021/05/Explosao-Al-Jazeeda.png)
Os antecedentes e a política atual
Arlene Clemesha é historiadora e professora de História Árabe do Departamento de Letras Orientais da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (USP). Em conversa com o Observatório, ela explica que, na década de 50, o governo da Jordânia ofereceu títulos de propriedade e outros documentos aos palestinos que poderiam lhe conferir certa estabilidade caso abrissem mão da condição de refugiados.
A defesa dos judeus que disputam a região de Sheikh Jarrah na justiça afirma que as terras do bairro foram compradas por eles ainda em 1870, época em que a Palestina era controlada pelo Império Turco Otomano. Com o surgimento do Estado de Israel, criado com o Plano da Organização das Nações Unidas (ONU) para a partilha da Palestina de 1947, os vizinhos árabes lutaram contra a ocupação israelense, que venceu o impasse, mas não pôde impedir que a Jordânia, uma nação árabe, ocupasse a região oriental de Jerusalém e construísse, junto à Agência da ONU para Refugiados, as casas do bairro em questão.
Os colonos iniciaram o processo de reivindicação de terras em meados da década de 1970.“A defesa dos palestinos conseguiu, em arquivos de Istambul, provar que pelo menos parte dessas terras não eram de judeus antes de 1948, mas de árabes”, afirma Clemesha. Segundo a professora, mesmo que se conseguisse provar que algum judeu tivesse uma parte das terras onde foram construídas essas casas, não valeria, segundo o próprio sistema jurídico israelense. “Mesmo Israel não vende terras, justamente para impedir que um título, um pedaço de terra, seja depois vendido novamente para um palestino, porque é um Estado ainda em expansão territorial”, explica.
Jared Kushner, americano ex-conselheiro de Donald Trump, afirmou que o conflito é “uma disputa imobiliária”. Segundo Clemesha, esse tipo de afirmação representa “uma simplificação grosseira e uma tentativa de justificar a manutenção de uma política de expulsão de pessoas, na chamada “judaização” de Jerusalém Oriental”. “Depois da conquista militar e da anexação de cidades, a conquista continua em relação a cada bairro, a cada casa”, afirma a pesquisadora.
Israel desrespeita as decisões multilaterais impostas pela ONU, que tem como uma de suas funções zelar pela manutenção da paz. O professor explica que isso se deve parte devido à blindagem norte-americana e parte a uma crítica “compreensível de que a ONU condena mais Israel do que o Hamas – ou, a rigor, do que qualquer outro país que viola direitos humanos”. A organização reflete o interesse da maioria dos seus membros, países em desenvolvimento que tendem a simpatizar com a causa palestina.
Em relação ao posicionamento do governo americano de Joe Biden, Casarões afirma que há um desejo de recuperação da união nacional para implementar políticas. Tomar decisões internacionais que divirjam em grande parte de Israel, segundo ele, é difícil:“O alinhamento americano-israelense não diz respeito somente à expressiva comunidade judaica do país, mas a vários grupos evangélicos, que defendem Israel por razões ideológicas e religiosas”. Grande parte desses grupos faz parte da base política de Biden.
Intolerância e desinformação
Hyatt Omar, ativista pela causa Palestina, destaca ao Observatório como a questão do conflito é comumente tratada com superficialidade no Brasil e acompanhada por preconceitos e intolerâncias relativas ao islamismo.
Brasileira de família palestina, ela acredita que os discursos de intolerância são fruto da falta de informação. “Eu entendo que muitas pessoas não têm conhecimento sobre a questão Palestina e o islamismo, porque não é realidade delas. Mas existe uma intolerância muito grande, porque o que geralmente chega às pessoas são conhecimentos distorcidos sobre esses assuntos”, afirma a ativista.
As impressões da ativista vão de encontro à afirmação de Clemesha de que alguns aspectos da questão Palestina são frequentemente deturpados a partir da narrativa adotada pela mídia hegemônica. A pesquisadora considera que “o mais importante da situação atual é o contexto que geralmente não está sendo mencionado. Perde-se de vista as causas profundas desse conflito, que é a ocupação israelense dos territórios de Gaza, Cisjordânia e Jerusalém Oriental desde 1967”.
Hyatt produz conteúdo sobre a questão Palestina e a cultura árabe nas redes sociais. Ela exemplifica a desinformação a partir de um acontecimento recente: o uso indevido de “figurinhas” que o Instagram lançou, em abril, em comemoração ao mês do Ramadã. Na ocasião, muitos usuários da rede utilizaram o recurso para promover páginas e produtos, desvinculando-o dos significados da celebração religiosa. Comentando sobre o vídeo que fez, explicando por que se devia usar as figurinhas do Ramadã com respeito, Hyatt afirma: “Não fiz para problematizar a questão, mas para de fato explicar, porque muitas pessoas não têm conhecimento sobre isso.”
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Para a ativista, há uma normalização das políticas do governo israelense que implicam ocupar e colonizar a Palestina, e a educação e o acesso à informação são pontos-chave para se compreender a complexidade da questão. “Eu enxergo como uma coisa muito triste, e acredito que o mundo deveria fazer uma intervenção e ensinar mais sobre isso, para as pessoas entenderem a seriedade do problema”, afirma.
* Imagem de capa: [Cole Keister/Unsplash]