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Projetos e Recomeços

A história por trás da final entre Chelsea e Manchester City

*Imagem de capa: Jogadores do Chelsea comemorando o título [Twitter/@chelseafc]

 

Como falar de uma final, na qual bilhões de pessoas param suas vidas, durante 90 minutos — ou mais —– somente para apreciar um bom futebol e presenciar a história sendo escrita? Heróis e vilões; ataques e defesas; bem e mal; tudo isso, e muito mais, ao redor de uma bola e 22 homens. 

Alguns falariam que o grande herói dessa final, independente do resultado final, seria o dinheiro, já que Manchester City e Chelsea são conhecidos por seus Midas particulares, o que não deixa de ser uma visão correta. O Estrela Vermelha, por exemplo, que disputa a mesma competição europeia dos ingleses, simplesmente não pode gastar um bilhão numa janela de transferência. City e Chelsea podem. 

Mas além desse fator, no dia 29 de maio de 2021, quando os times ingleses entraram em campo, o mundo não observou apenas dois “ricos” do futebol, se digladiando pela glória máxima, mas sim o sucesso de dois projetos de futebol, tanto como clube quanto como esporte, que já duram mais de 10 anos. Não se observou em campo dois times “fabricados”, sem alma, paixão ou competência em campo, mas sim heróis, em cada um dos lados, honrando milhões de torcedores pelo mundo, e tradição, ainda que esta estivesse, por algum tempo, apagada.


Ressurgimento do lado azul de Manchester

Fernandinho ergue a taça da Premier League. [Imagem: Twitter/@ManCity]
O Manchester City sempre foi um clube tradicional na Inglaterra, muito por conta disso está no chamado “Big Six”, os considerados maiores clubes ingleses. Mas desde a década de 70, quando passou por dificuldades financeiras e esportivas, os Citizens passaram a ser espectadores dos demais, em especial do Manchester United, que elevava cada vez mais o seu patamar nacional e internacional. 

Nada nunca foi fácil para esse clube, e o fato de ficar na sombra do Manchester United atrapalhou, por muito tempo, os objetivos do City. Múltiplos rebaixamentos, décadas de jejum de títulos e a terceira divisão inglesa foram só alguns dos problemas enfrentados durante esses mais de 30 anos. Perdendo cada vez mais a visibilidade, o Manchester City, como instituição, precisava de alternativas e uma mudança de rumo. E ela veio. 

Quando, em 2008, o sheikh Mansour e seu grupo dos Emirados Árabes Unidos escolheram o City para “injetar” a sua fortuna, já se sabia que viria um projeto esportivo longevo, para elevar o patamar do clube. Dinheiro e poder eles tinham para, de um dia para o outro, trazer Lionel Messi, Cristiano Ronaldo, Kaká e todos os craques do momento. Mas isso poderia trazer um sucesso momentâneo de três ou quatro temporadas, e depois devolver o Manchester City à terceira divisão. Ou até não resultar em nenhuma conquista esportiva, visto o exemplo dos galácticos do Real Madrid.

Mas, desde o primeiro momento, a história com o City foi diferente. Havia um projeto de reformulação da base, criação de ligações com demais clubes do mundo — o City Football Group — e a recriação da equipe feminina. Um plano completo, que almejava o ressurgimento desse clube que já havia sido glorioso e importante.

Deu certo! A ideia de, aos poucos, reconstruir esse Manchester City, que já havia vivido glórias e conquistado a Europa, se mostrou no caminho certo logo nos primeiros anos. Na segunda temporada com os investimentos, o time conseguiu se classificar novamente a um torneio continental — a Liga Europa. Na terceira, voltou a conquistar a FA Cup e, pela primeira vez em sua história, garantir vaga na Champions League

Agüero comemora o gol que deu o título da Premier League de 2011/12 ao Manchester City. [Imagem: Twitter/@aguerosergiokun]
Na sequência, a evolução continuou a ser notória. A conquista da Premier League de 2011/12, com o gol de Agüero aos 93 minutos e 20 segundos, é um dos maiores momentos dos 127 anos do clube e encerrou um jejum de 44 anos sem o campeonato inglês. Mas além disso, simbolizou o fim de uma soberania do United na cidade, ao passo que este, desde a temporada de 2012/13, nunca mais conseguiu ficar à frente de seu rival na tabela, passando a ser um coadjuvante em meio ao domínio do City na Inglaterra.  

Ídolos, heróis e novos fãs surgiram de forma natural em meio à reestruturação do clube. Apesar de receber imensos investimentos externos, é impossível dizer que esse projeto tenha sido um fracasso. Os objetivos estavam sendo atingidos, mas apesar das conquistas, das múltiplas participações na Liga dos Campeões, ainda faltava ao clube dar o próximo passo, um esquema tático pro City poder chamar de seu, um DNA de futebol. Para isso, em 2016, o clube foi atrás de Pep Guardiola, possivelmente o melhor técnico do mundo, para participar ativamente dessa reconstrução do lado azul de Manchester, além de manter o domínio local. 

A estrutura de futebol do City foi modificada por completo com a chegada do catalão. Recordes atrás de recordes e um esquema que se assemelhava ao auge daquele praticado pelo Barcelona, do próprio Guardiola. Elogios, prêmios e celebrações não faltaram nesses cinco anos do técnico no comando da equipe. O mesmo vale para as decepções. 

Nem só de glórias vive o homem. Há de se lidar com a perda, com o fracasso e com a dor. Esse foi o resumo do City na Liga dos Campeões, com ou sem Guardiola. Por mais preparada que a equipe se mostrasse, sempre havia um obstáculo que se mostrou intransponível para os ingleses, o que foi deixando cicatrizes e pesadelos em todos os torcedores. Mônaco, Liverpool, Tottenham e Lyon, que eliminaram, consecutivamente, o Manchester City, tinham, no papel, um time mais fraco, mas mesmo assim conseguiram crescer e se empoderar diante dos Citizens. E em todos esses anos, os mesmos discursos voltavam à tona: “precisa de camisa pra ganhar a Champions”, “time sem personalidade”, “jogadores fracos” e tudo o que se pode imaginar. Mas o pior era: as críticas estavam certas! 

Uma paixão platônica, um sonho de uma noite de verão. Isso é o que a Champions League representava pro Manchester City, ou pelo menos era o que parecia até essa temporada. Pela primeira vez, o time mostrou uma consistência na competição e uma vontade de ganhar — o que parece um clichê, mas realmente é a verdade. A equipe passou sem dificuldades pela fase de grupos, sofrendo apenas um gol em seis jogos; conseguiu anular Haaland, artilheiro e principal jogador do Borussia Dortmund, nas quartas de final; e eliminou, com facilidade, o Paris Saint Germain, de Neymar, Mbappé e companhia, até alcançar a final. 

Mahrez comemora o gol sobre o Paris Saint Germain. [Imagem: Twitter/@Mahrez22]
Vale ressaltar também a brilhante campanha na Premier League, voltando a levantar o troféu após amargar um vice campeonato em 2019/20 para o Liverpool, e o excelente desempenho de importantes jogadores quando mais se precisou deles. Rúben Dias, contratado no início da temporada, consertou a defesa dos Sky Blues e, merecidamente, recebeu o prêmio de melhor jogador do campeonato inglês, segundo os jornalistas; Phil Foden, “queridinho” de Guardiola e cria da base do City, mostrou personalidade quando mais se precisou; e Gundogan, pela primeira vez, viveu uma temporada de goleador e terminou como artilheiro da equipe. 

Aquele time, que chegava na Premier League e se mostrava superior aos seus adversários, pela primeira vez, nesses dez anos, foi visto na Champions League. Tudo aquilo que era observado na escalação, nas estatísticas e nos treinamentos conseguiu ser colocado em prática na competição europeia. Isso tem, claramente, influência de Guardiola, mas também dos líderes do elenco, como Fernandinho, De Bruyne e Agüero, que foram capazes de modificar todo o ambiente e sentimento que assombrava o clube e, principalmente, os jogadores. 

E por mais que o time já seja, há pelo menos três anos, um dos melhores do mundo, as conquistas auxiliam a imortalizar jogadores e equipes, principalmente a Champions. As mudanças de filosofia e de postura no elenco tornaram possível, aos torcedores, sonhar. E tudo aquilo que foi visto nessa temporada levava a crer que esse projeto esportivo iria se consolidar. Mas ainda havia um último obstáculo: o Chelsea e sua temporada de recomeços. 

Lamentação dos jogadores do City pela derrota contra o Chelsea [Imagem: Twitter/@rubendias]


Um alemão em Fulham Road

O capitão do Chelsea César Azpilicueta ergue a taça com os companheiros [Imagem: Instagram/@chelseafc]
É inquestionável o fato de que o futebol altera completamente a forma como um ser humano percebe a passagem do tempo. Se, em escala normal, o mês de janeiro de 2021 não se encontra tão longe assim, para os torcedores do Chelsea parece que já passaram anos desde o período mais caótico da temporada dos Blues. 

Apenas três dias após a mudança de ano, a equipe do Norte de Londres entrava em sua maior crise desde a contratação da lenda Frank Lampard para o comando técnico da equipe. A derrota diante do Manchester City na 17ª rodada deixava o clube em uma decepcionante nona posição na Premier League, a pior desde a segunda rodada. O time não apenas abandonava a disputa pelo título, como também se distanciava até mesmo de um objetivo mais realista, como a conquista de uma vaga para a próxima edição da Liga dos Campeões da Europa. 

Após um ano e meio de trabalho e vários gastos com novos reforços, o ex-meia, pouco adaptado à função de treinador, apresentava como resultado uma equipe sem identidade, sem uma formação titular definida ou um estilo próprio de jogar. Três semanas depois, esta visão obscura causaria a demissão dolorosa — mas necessária — de um ícone de Stamford Bridge, e a contratação quase imediata de um técnico alemão questionado e pressionado por conquistas mais significativas e vôos mais altos. Nem mesmo o mais otimista torcedor do Chelsea imaginava que essa união acabaria com a conquista do principal torneio de clubes do mundo. E veja bem, estamos falando de um clube que, desde 2012, quando conquistou o maior título de sua história de forma surreal e inesperada, tem deixado margens enormes para otimismo e altas expectativas.

A história do Chelsea da temporada de 2020/21 é a história de uma equipe recheada de talentos e promessas à espera de um mestre para guiá-los. É a trama de um grupo fantástico de músicos que apenas no final de janeiro encontraram o maestro ideal para orquestra-los. A jornada que conduziu a equipe londrina a seu segundo título de Liga dos Campeões tem diversos personagens fundamentais, desde um artilheiro desacreditado até um provável ganhador da Bola de Ouro. Mas o diretor deste filme foi apenas um: Thomas Tuchel.

Técnico do Chelsea levantando a taça da Champions League
Thomas Tuchel levanta a taça da Champions no Estádio do Dragão [Imagem: Instagram/@chelseafc]
A chegada de Tuchel ao comando dos Blues provocou uma mudança imediata na performance da equipe. De um time que sofria muitos gols para uma defesa quase insuperável. De um ataque que dependia da individualidade de seus jovens atletas para uma máquina de gols na base da velocidade, do contra-ataque e da coletividade. O clube rapidamente se recuperou no campeonato nacional. Apenas cinco rodadas após a chegada do alemão e a equipe novamente pisava no G4. Vitórias sobre adversários diretos da tabela e membros do “Big Six” marcaram as primeiras semanas do novo Chelsea. José Mourinho, Jurgen Klopp e Carlo Ancelotti foram algumas das primeiras vítimas da besta que Tuchel criava. Mas o maior feito dos Blues viria no torneio continental.

Já classificado para o mata-mata da Liga dos Campeões, Tuchel teria de superar três dos principais treinadores da atualidade na jornada até o título. Nas oitavas de final, Diego Simeone e o campeão da La Liga, Atlético de Madrid, ficaram pelo caminho. Nas quartas, foi a vez do surpreendente Porto cair para a equipe inglesa. O bicho-papão, no entanto, viria na semifinal. O obstáculo na trajetória até a decisão foi o multicampeão Real Madrid, comandado por aquele que mais conquistou a Europa nos últimos anos, Zinedine Zidane. 

E foi diante do peso da camisa madridista que o Chelsea demonstrou seu melhor futebol em toda a temporada. Após três meses de trabalho, ideias de jogo claras e bem definidas e a ascensão de um favoritaço à próxima Bola de Ouro, os Blues despacharam o maior campeão europeu da história de forma dominante e convincente. Para futuros amantes do futebol que desejem voltar no tempo e compreender melhor o estilo do treinador alemão, o jogo de volta do confronto da semifinal é uma verdadeira aula. 

O Chelsea de Tuchel, diferente de outros de seus trabalhos, mostrou-se um time capaz de achar espaços dentro de campo de forma rápida e eficiente, fazendo o próprio adversário temer se abrir demais. Uma marcação alta desatenta do adversário ou uma recuperação do genial N’Golo Kanté era suficiente para que, poucos segundos depois, a bola encontrasse os pés dos velozes atacantes da equipe próximos à área do oponente. Seja pela esquerda com o azarado mas insubstituível Timo Werner, pelo meio com o promissor Kai Havertz ou na maestria de Mason Mount. Fora tantos outros que, vindos do banco, deixavam a equipe atuando com a mesma potência em todos os 90 minutos, como Christian Pulisic e Hakim Ziyech.

E apesar do favoritismo dos Citizens na final do torneio, o confronto diante do Real Madrid e outras duas vitórias ao longo da temporada contra o adversário da decisão mostravam que os Blues possuíam o antídoto para bloquear a equipe de Pep Guardiola: um jogo de alta precisão, de recuperações de bola, velocidade de transição, chegada na área de forma extremamente rápida e ótima movimentação entre as linhas altas do adversário.

E foi assim que Havertz anotou o único gol da partida ao final da primeira etapa. No segundo tempo, a defesa intransponível de Tuchel prevaleceu, mesmo diante da perda de seu líder, Thiago Silva, enquanto Kanté carimbou sua passagem para a cerimônia de premiação da Bola de Ouro após três atuações memoráveis para protagonizar a conquista de mais um título europeu para o time londrino. Para os que gostam das expressões populares do futebol, o City de Guardiola levou um “nó tático” de Tuchel.

Prepare-se para ler e ouvir nas próximas semanas cada vez mais comparações deste título europeu com o anterior de 2012. Mas não se engane. Apesar das coincidências com a conquista passada — adversário espanhol na semifinal, Guardiola no caminho, técnico trocado no meio da temporada, entre outras —, o time de 2021 fez algo que seu antecessor jamais chegou perto de alcançar: deixar a sensação para o mundo futebolístico de que o melhor futebol da Europa ergueu a taça após o apito final. 

Portanto, brasileiros que sonham com a conquista da glória eterna e, quem sabe, um título mundial no final do ano, não se animem. Vocês encontrarão no Japão um clube que não apenas superou seus adversários no placar final, mas foi melhor em cada quesito que o jogo possui.

A história do Chelsea bicampeão da Europa foi escrita por um técnico esnobado e faminto por vencer. Um maestro que soube estruturar sua equipe em torno das melhores qualidades de suas peças e que não teve medo de tomar importantes decisões sobre elenco, formações táticas e estratégias de jogo. Mas principalmente, um treinador que ousou bater de frente com os grandes da Europa e o fez da forma mais pura de todas: jogando futebol. E os deuses do futebol o recompensaram.

Três jogadores do Chelsea comemorando o título
As promessas inglesas, Mason Mount, Ben Chilwell e Reece James, comemoram o título [Imagem: Instagram/@chelseafc]

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