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Reconstrução Italiana e o Déjà Vu Inglês

As histórias que trouxeram Itália e Inglaterra até a final da Eurocopa

“Você tem de conhecer o passado para compreender o presente”. A frase proferida pelo cientista Carl Sagan não tem como alvo o esporte. Entretanto, é possível traçar paralelos entre o seu pensamento e o futebol, especificamente a final da Eurocopa de 2020 entre Itália e Inglaterra.

Durante toda a competição, o trabalho construído em volta das duas seleções europeias impactou seu desempenho em campo — na maior parte, de forma positiva. Trabalho este, vale ressaltar, que não começou em 2021. Ano após ano, tanto a Azurra quanto os Three Lions vêm investindo em seus times, e o resultado pode ser observado em campo.

Historicamente com estilos diferentes em campo, essa final mostrou em linhas gerais um aspecto presente em ambas as seleções: ressurgimentos diante da queda.

“Onde está a Vitória?”

13 de novembro de 2017. O pior dia para o futebol italiano na história. Diante da Suécia, em partida válida pelas Eliminatórias para a Copa do Mundo de 2018, a tetracampeã mundial de Gianluiggi Buffon, Paolo Rossi, Giuseppe Meazza e Francesco Totti ficava de fora do maior torneio do mundo pela primeira vez desde 1958.

O resultado, por mais que pareça surpreendente, foi consequência das más gestões que trouxeram a Itália até aquele jogo. Desde 2006, quando a seleção foi campeã mundial, o time não obteve sucesso nas grandes competições. Eliminações nas fases de grupos das Copas de 2010 e 2014 e sucessivas trocas de treinadores, como Marcello Lippi, Antonio Conte e Cesare Prandelli, colocaram a Azurra numa posição conturbada e desconfortável diante de seus adversários.

Além disso, o modelo de jogo italiano, que tem como base uma defesa forte e consistente, mostrou-se ultrapassado diante dos demais esquemas. As demais seleções, mais organizadas e criativas, não encontravam resistência, e a Itália mostrava a cada nova convocação, um elenco mais frágil e exposto à má administração da Federação.

Sob o comando de Giampiero Ventura, efetivado no comando técnico após uma passagem de pouco menos de 50% de aproveitamento no Torino, a tragédia, que já estava anunciada, se concretizou após um infame 0 a 0 contra a Suécia. Mudanças eram necessárias, tanto na seleção quanto no futebol italiano.

A Serie A, principal campeonato da Itália, vivia nesse momento uma das suas piores fases no cenário internacional, que afetava diretamente a Azurra. Internazionale, Milan e Roma passaram por anos de mediocridade e crises, que as afastaram de grandes competições e dos títulos. Uma liga pouco atrativa significa, no geral, menos investimentos e interesses externos, o que impacta uma potencial geração italiana, que poderia ser desperdiçada.

A tragédia na ausência da Copa 2018 trouxe apenas um benefício: a possibilidade de trabalhar, com mais tranquilidade e tempo, sobre a seleção. A contratação de Roberto Mancini serviria para esse propósito. Como treinador, ele já havia conseguido resultados expressivos com a Internazionale e o Manchester City, encerrando longos jejuns de títulos em ambos os clubes. Nos dois casos, seus times apresentaram um futebol atrativo, consistente e que propunha o jogo. Tudo que a Itália precisava para mudar sua conjuntura.

Naquela dramática noite de novembro, Insigne, possivelmente o melhor jogador italiano, não chegou a entrar para tentar decidir a partida. Giampiero seguia a velha mentalidade de jogo italiana, na qual os jogadores deveriam se adaptar ao esquema tático. Com Mancini, essa visão mudou.

Surgia um novo plano, que buscava exatamente o contrário: adaptar a Itália à nova geração de craques, de acordo com suas individualidades e qualidades que apresentavam em seus clubes, a fim de obter o sucesso coletivo máximo ao mesclar jogadores ofensivos e defensivos, como deve ser.

O resultado veio, mas progressivamente. Desde 2018 até o início da Eurocopa 2020, a Itália teve boas e más apresentações, mas mostrou uma consistência tática que não foi observada nos últimos anos. Tanto que, nesse período, a seleção teve apenas duas derrotas, contra Portugal e França, e que vieram nas cinco primeiras partidas de Mancini no comando técnico.

A renovação das convocações também foi notável. Chiesa, Emerson Palmieri, Di Lorenzo e Insigne, titulares nessa nova Itália, eram deixados de lado por Giampiero Ventura em suas seleções. Já para Mancini, são peças fundamentais em seu esquema. O sucesso de seu time mostrou o acerto na troca do comando técnico após o fracasso em 2017. Além disso, ele alcançou o principal objetivo: colocar a Itália, novamente, numa posição de destaque no futebol internacional e com certo favoritismo na Eurocopa que viria a seguir.

“Football is coming home?”

A Inglaterra, nunca teve um destaque nas grandes competições que disputou, com exceção do título mundial em 1966. Muito por conta disso, essa foi a única final que a seleção disputou até a de 2021, além de ter sido uma Copa disputada sob seu teto, que definitivamente auxiliou na conquista, devido ao apoio da torcida.

Se a seleção de 2021 sofre com essa fila de anos sem títulos, além do inexistente título europeu, o mesmo pode ser dito da Inglaterra de 1996. 30 anos após a conquista de seu único título, o país voltava a receber um torneio internacional, e a torcida não podia deixar de relacionar esses dois momentos.

Ainda mais do que na década de 60, as expectativas estavam muito elevadas sobre a seleção e para a conquista da Eurocopa. O lema “Football is coming home” surgiu nesse ano, com o lançamento da música Three Lions pela banda The Lightning Seeds, e fazia referência direta à possibilidade de, após 30 anos, a inventora do futebol voltar a conquistar um torneio. “Trinta anos de sofrimento não me fizeram deixar de sonhar”, eternizados na letra da banda.

Entretanto, a conquista não veio em 1996. Após uma competição na qual a Inglaterra, como de praxe, não encantou, nem apresentou um futebol de campeão, uma semifinal decidida nos pênaltis contra a Alemanha em Wembley— equipe que viria a ser campeã — foi o ponto final do Sonho de uma Noite de Verão inglês.

Dor e sofrimento, mas especialmente para um dos jogadores: o jovem Gareth Southgate. O ex-zagueiro desperdiçou a última cobrança e eliminou a Inglaterra. E como todo bom roteiro de eliminação, é preciso encontrar um vilão para culpar a derrota. Esse é o grande ônus do esporte.

Mas da mesma forma que o futebol pode ser cruel, ele proporciona histórias de superação. Southgate ainda encontraria uma possibilidade de tentar se desculpar de seu povo, e esta começaria 20 anos depois, em 2016.

Agora técnico da seleção sub-21, Southgate mostrava compromisso e sucesso nas categorias de base. Ele foi essencial para aprimorar uma geração e uma seleção que, até 2012, não possuía um centro de treinamento próprio. O sucesso da atual geração inglesa, com Foden, Sancho e Rashford, passa diretamente pelo seu trabalho iniciado em 2013.

A partir de 2016 a seleção inglesa passou por um conturbado momento em seus bastidores. Sam Allardyce, então técnico do time e que assumiu após a eliminação inglesa na Eurocopa de 2016 para a Islândia, envolveu-se num esquema de corrupção, que se baseava em burlar as regras de transferências do país. Não restava nada além de seu pedido de demissão.

O escolhido para substituí-lo? Alguém que já havia sido cotado, o novato técnico com potencial: Gareth Southgate. Iniciando como interino, ele apresentava tudo que a Inglaterra para aquele momento: envolvimento com a base para a renovação do elenco e novas ideias de jogo, que se alinhavam mais ao futebol praticado na Premier League do que aquele da antiga Inglaterra.

A escolha obteve resultados imediatos: um quarto lugar na Copa do Mundo de 2018, melhor resultado desde 1966, sequência de invencibilidade nas Eliminatórias e a evolução dos jovens craques, como Pickford, Grealish e Rashford, e dos líderes do elenco, como Maguire, Kane e Sterling.

Pela primeira vez, essa Inglaterra, sob o comando do vilão Southgate, entraria numa competição com o status de favorita. Em mais um paralelo com 1996, caso a campanha da seleção na Eurocopa saísse da melhor forma possível, ela jogaria seis dos sete jogos em Wembley. A melhor possibilidade para o técnico se vingar e trazer o título inédito — e tão desejado — para sua torcida.

Mais uma vez, “Football’s coming Home”!

Trajetórias na Eurocopa

Ao iniciarem o torneio com favoritismo, Itália e Inglaterra não tiveram grandes dificuldades em seus grupos, além de terem o benefício de  jogarem seus jogos em casa. De um lado, a Azurra, com uma sequência de 23 jogos sem perder e com o Estádio Olímpico de Roma; do outro, uma Inglaterra, com apenas 10 derrotas sob o comando de Southgate, embalada pela possibilidade de decidir o título novamente em Wembley, após 45 anos.

Na abertura da competição, Mancini e sua Itália mostraram à Europa que após três anos de trabalho, a tetracampeã mundial havia evoluído, e não tomou ciência da Turquia, então sensação e líder nas Eliminatórias para a Copa do Mundo em seu grupo.

O mesmo se repetiu nos jogos seguintes, com Suíça e País de Gales não conseguindo mostrar capacidade de rivalizar com Insigne, Chiesa e companhia. A Itália apresentava um nível de jogo que, para os especialistas, era o melhor da competição até então.

No mata-mata, a Itália não teve a mesma facilidade. Além de ter que sair de seu país para disputar os jogos, é esperado que a seleção encontrasse adversários com um nível técnico superior. Áustria nas oitavas, confronto decidido na prorrogação; Bélgica nas quartas, contando com a volta do capitão Chiellini e tendo que enfrentar Lukaku e De Bruyne; e Espanha na semifinal, partida mais disputada até aqui, decidida nos pênaltis, com a frieza de Jorginho na última penalidade.

Já para a Inglaterra, não houve o mesmo encanto que a Itália proporcionou em seus jogos, mas ela conseguiu mostrar uma força defensiva invejável, digna de uma Itália dos anos 80. Não encantou em seus jogos contra Croácia, Escócia e República Tcheca na fase de grupos, mas ao mesmo tempo não sofreu gols.

Para as oitavas, a primeira revanche pessoal de Southgate: Alemanha e Wembley, 25 anos depois. Além disso, os Three Lions nunca haviam eliminado os alemães num grande torneio. Mas nem o tabu fez frente a essa Inglaterra, que venceu, convenceu e avançou, pela primeira vez, sobre a Alemanha na Eurocopa.

Na sequência, Ucrânia e a única viagem para fora da Inglaterra. Mas quatro gols, nenhum sofrido, mostraram o porquê da torcida acreditar nessa seleção que voltava a uma seminfinal de Eurocopa depois de 25 depois.

De volta a Wembley, a Dinamarca, seleção do torneio e que jogava pela honra de Christian Erikssen, que quase morreu em campo na primeira partida da equipe contra a Finlândia, mostrou o maior desafio a Sterling, Kane, Walker e companhia. De virada, com prorrogação, com um pênalti questionável e subjetivo, a Inglaterra conseguiu avançar à sua primeira final desde 1966, e inédita na história da Eurocopa.

A competição mostrou que Itália e Inglaterra fizeram, cada uma à sua maneira, o melhor futebol da Eurocopa: ataque e revolução italianos, defesa e efetividade ingleses. Wembley se mostrou como a glória para a consolidação do ressurgimento das seleções, bastava saber qual seria.

Velhos Pesadelos e “It’s coming to Rome!”

“Final não se joga, se ganha”. Um dos velhos chavões de nosso futebol, repetido inúmeras vezes, de Copa Kaiser até Copa do Mundo. Outra máxima, “o medo de perder tira a vontade de ganhar”, eternizada por Vanderlei Luxemburgo, também marca esse esporte. O que ambas têm em comum? Além do fato de serem proferidas à exaustão por torcedores, comentaristas e técnicos ao redor do mundo, elas resumem bem o que foi a final entre Itália e Inglaterra na Euro 2020.

Os donos da casa tinham a sua torcida ao seu lado. Ela não ganha jogo, mas ajuda a alcançar esse objetivo. Era tudo o que se imaginava que uma equipe bem montada por Southgate precisaria. Já para a Itália, a seleção e a camisa por si eram tudo o que ela tinha, além do trabalho de Mancini nos últimos anos que reconstruiu, praticamente do zero, a equipe.

Começo de jogo, primeira chegada da Inglaterra à área da Itália e gol de Luke Shaw. Primeiro dele com a camisa da seleção. Príncipe William, David Beckham, Rainha Elizabeth II e 56 milhões de ingleses — além de bilhões ao redor do mundo — felizes.

Momento perfeito para Inglaterra seguir no ataque e abrir uma boa vantagem contra uma Itália que não conseguia escapar da marcação inglesa, não? Não. A primeira das máximas se mostrou presente, Southgate deixou jogar e pressionar, e a equipe se resguardou na defesa.

O mesmo já havia ocorrido contra a Ucrânia, tanto que a equipe levou apenas um gol para o intervalo. Entretanto, numa final, nenhuma chance deve ser desperdiçada. Outro clichê que poderia ter sido adotado na partida. Com a vantagem, e mesmo passando a ficar mais na defesa, a Inglaterra não passou por grandes dificuldades, e ficou  à frente no placar da primeira etapa.

Mas a Itália foi reconstruída para momentos como esse. A experiência de Chiellini e Bonucci, remanescentes da velha Itália, somada à habilidade e vontade dos jovens craques, como Jorginho, Chiesa e Insigne, tinham tudo para trazer a equipe de volta em meio à adversidade de um Wembley lotado, com maioria de ingleses.

“O medo de perder”: Southgate seguiu colocando seu time na defensiva, colocando Henderson para tentar controlar o meio de campo, mas concedendo espaço para o jogo da Itália. E diferentemente dos alemães, conhecidos de Dante em  2014, durante os seus anos de Manchester City, pode se dizer que Roberto Mancini aprendeu como comandar uma equipe contra os times ingleses. Em um certo ponto do segundo tempo, a Itália apresentava 70% de posse de bola, domínio absoluto.

À moda italiana, o empate veio de um escanteio comum, de uma cabeçada normal, até sobrar, em cima da linha para Bonucci marcar o gol de empate. Apesar de ser um gol inesperado, ele veio como resultado de um domínio italiano durante toda a segunda etapa, efetivamente recompensado. Além disso, mostrou mais uma vez a garra e resistência italianas, observadas durante toda a reconstrução.

Diferentemente de Southgate, Mancini seguiu com a equipe no ataque após o empate — ou ao menos tentando — ao colocar Belotti e Bernardeschi em campo. Mas sem grandes chances para virar a partida.

Ao final dos 90 minutos, pode-se dizer que a Itália foi superior e conseguiu controlar a Inglaterra, em especial nos 45 minutos finais. Mas ainda havia a necessidade de mais uma prorrogação para decidir o confronto, mas que seguiria com o empate — e sem grandes emoções — até a disputa por pênaltis.

Por parte da Inglaterra, e do jogo, o principal personagem foi Southgate — mesmo sem ter entrado em campo. De todos em Wembley, ele era o único que tinha algo a provar. Os mesmos fantasmas, que o assombram desde o pênalti perdido em 1996, mostraram-se presentes em Wembley, mais uma vez. Novamente numa disputa de penalidades máximas, o futuro do técnico seria decidido, para o bem ou para o mal.

Para isso, ele realizou a alteração de Rashford e Sancho para a decisão, no último minuto da partida. Dois jogadores, titulares absolutos em seus times, mas que não tiveram grandes oportunidades para, segundo Southgate, justificar as suas titularidades na seleção.

Pênalti é loteria? Mais um clichê que, ano após ano, é quebrado. O goleiro italiano Donnaruma teve durante sua carreira no Milan o auxílio de Dida, um dos maiores pegadores de pênaltis da história. Bonucci, zagueiro italiano, treina dia após dia, para chegar preparado para esse momento ímpar e decisivo. Do lado da Inglaterra, essa mesma preparação não se mostrou tão eficiente.

Das cinco cobranças inglesas, duas estavam reservadas para Rashford e Sancho, que entraram no jogo somente para isso. Decisão de Southgate, novamente nessa posição, que resultou em dois pênaltis perdidos, por jogadores escolhidos por seu dedo.

Mas ainda havia esperança para a Inglaterra. Jorginho, que raramente erra essas cobranças, teve seu pênalti defendido por Pickford. Havia a possibilidade de empatar a disputa e levar para as cobranças extras o título da Eurocopa. Southgate escolheu então, para a penalidade decisiva, o jovem atacante Saka, com apenas oito jogos pela seleção principal.

A história mostra quem acerta ao final, e dessa vez não foi a Inglaterra. A defesa de Donnaruma, eleito melhor jogador da Eurocopa, na cobrança de Saka foi o ponto final de uma noite terrível — mais uma — para Southgate em Wembley.

Ao mesmo tempo, nem tudo está acabado. Em todas as competições que disputou até aqui, a equipe chegou ao menos nas semifinais. Há um caminho para reconstrução. E uma derrota, ainda que dolorosa, não pode impedir esse processo.

Para a Itália, foi a noite perfeita para a seleção comprovar que Mancini era o técnico ideal para reerguer a Azurra. Por vezes é preciso se reinventar, não dá para jogar em 2021 com as ideias de 2006. Ainda que tenha demorado, é importante que a Federação italiana tenha percebido e solucionado esse problema em seu futebol.

Uma geração, que era julgada até aqui como fracassada — vale ressaltar, com razão — consegue dar enfim a volta por cima no grande torneio internacional. Nas emoções do capitão Chiellini e de Bonucci, eleito  melhor em campo, dá para se ter uma noção do que esta conquista simbolizou para esse grupo e para uma nação inteira. 53 anos depois, a Eurocopa está, novamente, “coming to Rome”.

 

 

Imagem de capa: Jogadores italianos levantam a taça da Eurocopa [Imagem: Reprodução/Twitter @Vivo_Azzurro]

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