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Por que o futebol italiano não é mais o mesmo?

Protagonista nas competições que disputava, a seleção italiana de futebol andou colecionando uma série de maus resultados ao longo desta década. Com eliminações precoces nas edições de 2010 e 2014 da Copa do Mundo e sem sequer conseguir a classificação para a de 2018, fica evidente que o nível do futebol na Itália já não …

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Protagonista nas competições que disputava, a seleção italiana de futebol andou colecionando uma série de maus resultados ao longo desta década. Com eliminações precoces nas edições de 2010 e 2014 da Copa do Mundo e sem sequer conseguir a classificação para a de 2018, fica evidente que o nível do futebol na Itália já não é o mesmo. A dominância sobre o cenário europeu, em termos de elencos e títulos, apesar de leve melhora, parece ter ficado para trás.

 

Os anos de glória

Surgida em 1930, a Copa do Mundo foi vencida pela Itália duas vezes consecutivas, na segunda e terceira edição. Talvez esse tenha sido o início da caminhada vitoriosa dos italianos no futebol continental e mundial. Esse protagonismo logo se confirmou nos primeiros anos da Copa dos Campeões (futura Liga dos Campeões da Europa), quando, entre 1962 e 1964, o Milan a conquista uma vez e a Internazionale duas. Na mesma década, os rossoneros viram seu time ganhar o título de novo, enquanto a Roma vencia a Copa das Feiras (futura Uefa Europa League).

“Nos anos 50, quando as competições continentais começaram a surgir, a Itália já tinha sua força. Era um país que já era apaixonado por futebol. Tinha grandes jogadores e formava grandes times, isso influenciava a paixão”, afirmou Nelson Oliveira, do Calciopédia, em entrevista ao Arquibancada.

Depois de vetar a participação de jogadores estrangeiros no futebol nacional, a participação Azzurra em finais continentais perdeu força. Abriu-se caminho então para equipes alemãs, como o Bayern de Munique, e holandesas, como o Ajax. O futebol italiano decepcionou seus torcedores em grande parte da década de 70, com apenas dois títulos continentais (Milan em 73 e Juventus em 77).

A situação piorou mesmo na virada da década. Com esquemas cinematográficos de corrupção nas competições nacionais e um desempenho regular na Eurocopa de 1980, a Itália caiu no ranking de ligas da Uefa para décimo lugar. A saída foi permitir a vinda de estrangeiros. Destacou-se, assim, a chegada do ídolo brasileiro Falcão, futuro “Rei de Roma”, para mudar o escalão do clube giallorosso. Várias dessas contratações dependeram do sistema de “mecenato”, quando há um grande investidor, por vezes torcedor com muito dinheiro, nos clubes.

O resultado dessa e de outras chegadas foi claro: o nível de competitividade do campeonato italiano aumentou muito. Além dos gigantes, equipes menores, como a Fiorentina e o Verona, ganharam mais espaço nacionalmente. O futebol nacional também se valorizou com a conquista da Copa do Mundo de 1982. Nesse período, chegou à Juventus o lendário francês Michel Platini, que viria a conquistar uma Copa dos Campeões e outros três campeonatos italianos.

Ao final da década, jogavam em um mesmo campeonato Diego Maradona, pelo Napoli, que levaria a modesta equipe de patamar regional a continental, Platini na Juventus e Franco Baresi, futuro tricampeão europeu pelo Milan.

Maradona (à esquerda) e Platini (à direita) juntos após um duelo entre Napoli e Juventus, em 1987 [Imagem: The History Collection / Alamy Stock Photo / Velvert Crush]

Com as conquistas continentais da Juventus, nas temporadas de 1983/1984 (Recopa) e 1984/1985 (Copa dos Campeões), a Itália alcançava um novo patamar no futebol. O Milan se reforçou com os holandeses Van Basten e Gullit no final da década de 80, jogadores que trariam aos rossoneros dois títulos de campeões da Europa e mais dois do mundo (em 1989 e 1990) com o inovador Arrigo Sacchi no comando da equipe. Também se destacavam a Internazionale e o Napoli.

Para se ter uma ideia, entre 1989 e 1998, dos 18 clubes que disputavam a Série A italiana, dez estiveram em finais continentais. Contudo, no final do século, a ascensão de outras ligas no mundo, como a inglesa e a espanhola, somada à corrupção no futebol trouxeram uma diminuição na competitividade nacional. Os grandes de verdade passaram a ser o Milan, dos ídolos italianos Maldini e Baggio e do holandês Kluivert; a Juventus de Zidane, Del Piero e Davids e a Inter de Milão com os brasileiros Adriano e Ronaldo e o argentino Javier Zanetti.

O futebol italiano terminou o século 20 com nove títulos de Liga dos Campeões, sendo cinco do Milan, dois da Internazionale e mais dois da Juventus. Além disso, sua seleção conquistou um total de três Copas do Mundo, empatando com a Alemanha e só perdendo para o Brasil. Pouco antes do término do século, estava estabelecida uma das ligas mais competitivas do mundo, com pelo menos seis clubes considerados grandes nacionalmente, além de ser cultural e socialmente diferente das demais competições esportivas da Europa. 

“Há uma grande tradição de entendimento de jogo. É um caldeirão cultural bastante interessante. Não é um futebol que se restringe a campo e bola, talvez seja, no futebol europeu, um dos que mais tenha acontecimentos extra campo que garantam nossa atenção”, explica Nelson, lembrando as tradicionalíssimas rivalidades internas.

 

O que mudou nos elencos italianos?

Elenco do Milan ostenta a taça de campeões europeus, em 2007 [Imagem: Mustafa Ozer / AFP / Getty Images]

Os últimos respiros desse auge apareceram ainda no começo do século 21. Nesse período, o Milan conquistou seus dois últimos títulos de Liga dos Campeões (2003 e 2007), destacando Maldini, Pirlo e Kaká. A Internazionale fechou a conta com a conquista continental de 2010, treinada por José Mourinho e que contava com Eto’o, Sneijder e Milito. Por fim, a invicta seleção de Buffon, Pirlo, Totti e Del Piero venceu a Copa de 2006 após bater a seleção francesa nos pênaltis.

Porém, os anos seguintes não foram compatíveis com a época de ouro do futebol italiano. Os fracassos, inesperados para uma seleção tão tradicional como é a Azzurra, e a queda brusca na competitividade nacional não aconteceram por acaso. É nítido que, na última década, o nível dos elencos italianos decaiu, não sendo mais capaz de bater de frente com outras potências continentais.

Como já se sabe, a década de 90 representou, para os clubes italianos, um dos momentos de maior prosperidade. Entre os jogadores titulares da seleção alemã campeã mundial em 1990, cinco jogavam na Série A, entre eles Matthäus e Brehme, ídolos da Internazionale, e Rudi Völler, da Roma. A Argentina vice-campeã na mesma competição, por sua vez, tinha sete.

Não pense, porém, que o sucesso do futebol italiano só existia por conta dos jogadores de fora. Escolhida pela revista inglesa The Guardian, a seleção dos melhores da Itália da década de 90 tinha seis jogadores mais um técnico de nacionalidade italiana. Além disso, entre os 17 vencedores do prêmio Bola de Ouro dos anos de 1982 a 1998, 13 venceram enquanto atuavam em solo italiano. Como afirma Nelson, “a Itália sempre formou jogadores e técnicos de alto nível. Não é algo que ficou restrito ao passado”.

Apesar de ter 25 dos 29 atletas da atual seleção jogando em clubes da Itália, poucos desses concorreram a prêmios individuais ou a títulos internacionais com seus times, mostrando, assim, a falta de craques italianos. Em 2016, por exemplo, Internazionale e Udinese enfrentaram-se em uma partida pela liga quando, pela primeira vez, nenhum dos 22 jogadores em campo eram italianos.

Além disso, no ranking de seleções da Fifa – em que a Itália ocupa a 14ª posição -, dos jogadores, reservas e titulares, que defendem as primeiras colocadas, poucos jogam na Série A. A Bélgica tem três, o Brasil, último campeão da Copa América aparece com quatro e a atual campeã mundial França tem somente um. Mais do que isso, entre 2011 e 2015, os times italianos não tiveram representantes na seleção de melhores do ano. Os últimos que apareceram foram Buffon, Chiellini, Daniel Alves e Cristiano Ronaldo, todos pela Juventus.

 

Os motivos além da técnica

É preciso lembrar, porém, que no futebol as coisas não funcionam de maneira tão simples. O declínio italiano não aconteceu do dia para noite, e muito menos se relacionou somente ao nível técnico inferior de seus jogadores. A questão é um pouco mais profunda e envolve fatores externos às quatro linhas.

Os casos de corrupção, ao longo dos campeonatos de futebol da Itália, não aconteceram só uma vez. O primeiro, e talvez mais escandaloso, se passou no início dos anos 80. Na ocasião, uma investigação federal descobriu um esquema de manipulação de resultados para alimentar uma loteria esportiva ilegal. O resultado foi catastrófico: no que ficou conhecido como “escândalo Totonero”, 12 jogadores foram presos e mais cinco foram convocados para prestar depoimentos. Além disso, clubes como o Milan e a Lazio foram rebaixados, e mais vários jogadores foram suspensos, como foi o caso de Enrico Albertosi, goleiro da Copa de 1970. 

Apesar de boa parte das punições serem perdoadas anos depois, estava estabelecida uma das raízes do modus operandi do futebol italiano. Tanto que, em boa parte da década de 90, com a Operação Mãos Limpas, foi investigado um sistema de lavagem de dinheiro através de transações de jogadores no Milan. O esquema seria comandado pelo empresário dono do clube, Silvio Berlusconi. Além disso, em 2006, foram divulgadas escutas telefônicas que revelavam uma suspeita relação entre a arbitragem da Série A e o então diretor-geral da Juventus, Luciano Moggi. Como resultado, o clube bianconero foi rebaixado.

Essa série de escândalos corroborou para que o futebol italiano perdesse muito de seu poder técnico e principalmente econômico ao longo dos anos. Os “mecenas” pararam de investir nos clubes italianos, ou até mesmo faliram, como aconteceu com a Parmalat, patrocinadora do Parma, em 2003. Além disso, o nível do futebol mundial praticamente não permite mais que um só país monopolize e mantenha em seu campeonato tantos talentos, como fazia a Itália no século passado.

 

O fator Cristiano Ronaldo

Cinco vezes vencedor do título de Melhor do Mundo, o português de 34 anos chegou à Juventus no ano de 2018 pela quantia de 100 milhões de euros, cerca de 450 milhões reais. Depois de nove anos e quatro títulos de Liga dos Campeões pelo Real Madrid, Cristiano Ronaldo foi contratado com o objetivo de mudar o patamar da equipe italiana. Feito que só por sua presença já fora alcançado.

O craque Cristiano Ronaldo se apresenta à Juventus, em julho de 2018 [Imagem: Daniele Badolato / Juventus FC]

Motivação pessoal, por parte do atleta, não faltou. “Com 33 ou 34 anos muitos estão acabados, e eu não”, disse Cristiano em sua apresentação, reafirmando também seu apreço por novos desafios na carreira, após já ter atingido recordes incríveis em várias competições que disputou. Sua chegada foi tratada como um grande passo para retomar a trajetória vitoriosa da Juventus na Liga dos Campeões.

Para Nelson Oliveira, Cristiano Ronaldo “se insere mais como um catalisador, como se a Juve estivesse notando esse cenário de crescimento. Mais do que ajudar, ele faz parte desse crescimento”.

Segundo a KPMG Football Benchmark, empresa especializada na análise da indústria esportiva, o craque português compensará facilmente o valor que a Velha Senhora gastará em seus quatro anos de contrato. Com vendas da camisa 7 do astro, contratos de TV encarecidos, aumento no preço dos ingressos e premiações de novos torneios, o impacto financeiro de Ronaldo chega na marca de bilhões.

Os resultados apareceram também dentro das quatro linhas. O craque português já venceu dois títulos em sua primeira temporada pela Juventus. Em 2019, levantou o troféu da Supercopa da Itália depois de marcar um gol decisivo na final. No mesmo ano, conquistou o 35º Campeonato Italiano bianconero, terminando em quarto na tabela de artilharia, com 21 gols, e sendo eleito o melhor jogador da competição.

 

Perspectivas para o futebol italiano

Com a eliminação na fase de grupos das Copas do Mundo de 2010 e 2014 e não conseguindo superar a seleção da Suécia, ficando de fora da edição de 2018 após 60 anos, a sensação do torcedor italiano e dos demais amantes do futebol é a de que o futebol da Azzurra parou no tempo. Os fracassos da seleção, muitas vezes atrelados a trabalhos irregulares dos treinadores, refletiram muitos problemas pelos quais o campeonato italiano passou. 

O ídolo Gianluigi Buffon lamenta a ausência da seleção italiana na Copa do Mundo de 2018, em novembro de 2017 [Imagem: Marco Bertorello / AFP]

“Vejo que esse período, de 2010 para cá, tem muito mais a ver com questões pontuais. Sem dar chances a jogadores que estavam despontando. A Itália não se renovou” diz Nelson.

A questão financeira e problemas na administração de clubes acarretando em intermináveis dívidas foi o principal fator que freou a manutenção do alto nível do futebol italiano.

Nesse cenário, a Juventus é um dos únicos clubes italianos exemplares no quesito de organização dentro e fora dos gramados. Além de estádio próprio, o Allianz Stadium, o time de Turim bateu recordes ao trazer a estrela Cristiano Ronaldo, o único na liga que a curto prazo pode concorrer ao prêmio de Melhor do Mundo. Com isso, a Roma, em edições históricas, e a Velha Senhora foram as únicas a de fato concorrerem pelo título de campeão europeu nos últimos anos.

Os demais times encontram o futuro de seu futebol nas promessas. Na última temporada, alguns jovens atletas já se destacaram. Entre eles, podem ser lembrados os recém-chegados Justin Kluivert, 19 anos, da Roma, Lautaro Martínez, 21 anos, da Internazionale, e a promessa brasileira Lucas Paquetá, do Milan. Além disso, outros garotos mais badalados como o goleiro Gianluigi Donnarumma, de 20 anos, do Milan, e Federico Chiesa, 21 anos, da Fiorentina também mostraram serviço na seleção principal.

“Esses clubes souberam olhar para o mercado e revender jogadores, obtiveram lucro, e puderam reinvestir. Esse tem sido o modelo de alguns dos clubes italianos para tentar sanar esse déficit em relação às contas e esse abismo em relação à liga inglesa. São projetos que podem dar certo, são pensados, não são projetos de aventureiros”, analisa Nelson, lembrando também de jogadores badalados que jogaram em solo italiano como Edinson Cavani, atualmente no PSG, pelo Palermo.

Atual seleção italiana depois de vencer a seleção de Liechtenstein por 6 a 0, destacando Moise Kean, número 14 e Marco Verratti, número 6, em março de 2019 [Imagem: Miguel Medina / APA / AFP]

Depois de se firmar durante praticamente um século inteiro como protagonista no cenário de competições nacionais e internacionais, o futebol italiano anda tentando voltar ao auge. Problemas na administração e crises nos bancos de clubes praticamente minaram o bom desenvolvimento de seu futebol. Assim, impediu-se o surgimento de novos craques, além da tradicional preponderância de equipes italianas em competições continentais. Porém, um bom aproveitamento dos jovens e renovações estruturais nos principais clubes da Itália podem ser o caminho para colocar as competições e times desse país nas prateleiras históricas do futebol.

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