No sábado, 19 de junho, o Brasil ultrapassou a marca de 500 mil mortos pela Covid-19. Em 29 de abril, o número era de 400 mil. Em menos de dois meses cerca de 100 mil vidas foram perdidas. Junto a isso, o ritmo de imunização no país ainda é tímido, tendo apenas cerca de 11% da população totalmente vacinada, segundo o Our World in Data.
A pressão diante da velocidade da vacinação no Brasil surge devido ao avanço da imunização em outros países. Antigos e atuais aliados do governo de Jair Bolsonaro, como os EUA e Israel, flexibilizaram medidas de restrição desde março, após terem registrado progresso na vacinação da população.
Como chegamos a essa marca?
Em março de 2020, quando o coronavírus já mostrava sua rápida propagação em países da Europa, o presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, em pronunciamento nacional criticou as medidas sanitárias recomendadas e se referiu à doença como “gripezinha”, levando à população uma minimização da gravidade da situação.
Para o professor de Saúde Coletiva da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Alcides Miranda, a tentativa de Luiz Henrique Mandetta — até então Ministro da Saúde — de uma atuação “minimamente responsável” no início da pandemia se tornou inviável diante da aposta presidencial de que a imunização ocorreria naturalmente pela infecção do vírus.
Com essa discordância entre Ministro da Saúde e presidência, o cargo já teve três trocas de titulares, o que gera instabilidade na gestão da crise sanitária. Isso é apenas “mais um sintoma de efeito colateral da parte de um governo que optou deliberadamente por negligências intencionais e, em decorrência, por omissões criminosas”, comenta Miranda.
Ocorreu, ainda, o incentivo de medicações ineficazes como forma de tratamento precoce. Só na divulgação desses remédios, o governo gastou cerca de 23 milhões de reais, segundo documento enviado à CPI, enquanto a propaganda da vacinação intensificou-se apenas em abril deste ano.
E as vacinas?
Em agosto de 2020, 70 milhões de doses da vacina Pfizer foram oferecidas ao Brasil, que recusou a compra. Segundo a farmacêutica, a entrega dessa oferta ocorreria em dezembro, o que permitiria a antecipação da imunização em cerca de um mês.
Para Jair Ferreira, professor de epidemiologia da UFRGS, havia duas possibilidades de erro: comprar e, posteriormente, não ter a aprovação do imunizante ou não comprar e ter um atraso no processo de vacinação. Já para Miranda, a Anvisa deveria ter agilizado as questões burocráticas. Ele explica que, pela análise da mudança do perfil de letalidade em decorrência da cobertura vacinal, é possível dizer que a medida teria evitado milhares de óbitos e contido a circulação de novas cepas. Ele ainda lembra que a falta de aprovação não foi um problema na compra da Covaxin por preço superfaturado.
Em meio a essas questões, um pouco de esperança surgiu entre os brasileiros quando alguns governos estaduais anteciparam a vacinação dos adultos. Entretanto, para Miranda, mesmo que exista uma expectativa quanto ao cumprimento dessa previsão, é preciso ter cautela. Ele explica que o discurso da mídia se baseia nas iniciativas de aquisição, que se diferenciam da real disponibilização, gerando uma falsa impressão de que as vacinas já estão no país.
A imunização ao redor do mundo
Nos EUA, o esforço na busca de um imunizante começou ainda nos primeiros meses da pandemia. O governo de Donald Trump, mesmo desprezando o vírus e descumprindo protocolos de saúde, investiu na descoberta de uma vacina ainda em maio do ano passado. A Operação “Warp Speed”, iniciativa lançada pelo poder federal, repassou bilhões de dólares para empresas do ramo farmacêutico com objetivo de auxiliar em um processo de testagem e manufatura mais dinâmicos.
As primeiras compras de imunizantes ocorreram em julho, quando Trump confirmou a compra de 100 milhões de doses da vacina da Pfizer/BioNTech, antes mesmo da aprovação do profilático. Ao final do ano, já eram 500 milhões de doses adquiridas, entre os imunizantes da Pfizer/BioNTech e da Moderna. A vacinação se iniciou ainda no governo do republicano.
Quando o democrata Joe Biden tomou posse em janeiro, o ritmo da imunização foi acelerado. Repassou-se mais recursos para estados e outros pontos de vacinação foram abertos. O congresso de maioria democrata também aprovou um pacote de medidas estratégicas, o “American Rescue Plan Act”, para direcionar o país na recuperação econômica após a crise.
Outro país que obteve sucesso na vacinação foi Israel. O governo de Benjamin Netanyahu garantiu vacinas da Pfizer/BioNTech antecipadamente ao comprar os imunizantes por preços acima do mercado. Uma medida polêmica adotada pelo primeiro-ministro israelense foi o fornecimento de dados de saúde dos vacinados para estudos da empresa norte-americana. A decisão colocou Israel no topo da lista de prioridades da Pfizer.
O país também contou com seu sistema de saúde universal e integrado para distribuir as vacinas entre a população. A união das entidades de saúde pública israelenses foi determinante para estabelecer um controle sobre os dados de contaminação e vacinação dos israelenses. As eleições legislativas de março deste ano foram a principal razão pelo esforço de Netanyahu na imunização rápida do país.
Na direção contrária de EUA e Israel, e semelhante a situação brasileira, a Índia é um dos países que sofre com a vacinação lenta. O governo de Narendra Modi também menosprezou a Covid-19 e promoveu aglomerações durante os primeiros meses deste ano.
Com o aumento da contaminação, o subinvestido sistema de saúde indiano sofreu para conter a onda do vírus. No país, há apenas 8 leitos para cada 10 mil pessoas. O poder federal adquiriu somente 350 milhões de vacinas até o mês de maio. A população do país é de 1.3 bilhão de indianos.
A situação se agravou quando Modi abandonou os estados para negociar a compra de doses adicionais e permitiu que metade dos imunizantes fosse para hospitais privados. Com a falta de concorrentes na venda, os hospitais cobraram preços até cinco vezes maiores que o da compra. Em maio, adultos entre 18 e 44 anos foram autorizados a se vacinarem, o que causou a escassez de doses.
A solução de Modi para controlar a situação foi o anúncio do dia 21 de junho, de que o governo passaria a financiar a compra de 75% das doses adquiridas pelo país, além de garantir a distribuição gratuita das vacinas. Após a decisão, a Índia bateu o recorde de doses aplicadas em um dia, superando a marca de 8 milhões de imunizações. A compra de mais imunizantes ainda é necessária.
*Imagem de capa: [Reprodução/Pixabay]