Por Diego Coppio (diegocoppio@usp.br)
A Copa do Mundo de 2023 teve um final precoce para o Brasil. Apesar do jogo impecável contra o Panamá, a queda de rendimento nas partidas contra a França e a Jamaica sepultou as esperanças da Seleção em avançar de fase. É a terceira vez que o Brasil é eliminado na fase de grupos. A primeira foi em 1991, em derrota para a Suécia — com gol de Pia Sundhage, hoje no comando técnico brasileiro — e a última em 1995, após derrota para a Alemanha por 6 a 1.
Como chegaram?
O mata-mata começou mais cedo para o Brasil na Copa, que precisava vencer a Jamaica para avançar às oitavas de final. Apesar de não ser o cenário desejado, passar em segundo lugar era o esperado em um grupo com a França, algoz da seleção na Copa do Mundo de 2019.
O que muitos não contavam era com o empate entre Jamaica e França na estreia. Na época, pareceu uma boa notícia para o Brasil, mas o desenrolar das partidas fez com que as jamaicanas chegassem à última rodada com um ponto a mais que a Seleção. Daí a necessidade de vitória para avançar de fase.
Para isso, Sundhage escalou Marta como titular pela primeira vez nesta Copa, apostando no um contra um, na criação de espaços e na quebra de linhas que a veterana poderia proporcionar contra uma Jamaica que entrou compactada e jogando pelo empate.
A decisão de Sundhage dividiu opiniões entre analistas e torcedores nas redes sociais e nas transmissões da partida. Marta vinha de uma lesão grave no joelho que a afastou dos gramados por um ano, e pouco tempo depois de voltar, em maio de 2023, teve nova lesão no bíceps femural. Chegando na Austrália, ainda sofreu um edema na coxa durante os treinos. A camisa 10 da Seleção atuou por cerca de vinte minutos na Copa, começando como reserva nas primeiras partidas.
Para Belle Suarez, comentarista da CazéTV, a titularidade de Marta agregaria mais articulação ao meio campo e mais qualidade no último passe. Além disso, Suarez destacou a importância anímica que a presença e a experiência da atleta trariam ao Brasil. Juliana Cabral, ex-jogadora da Seleção e atualmente colega de Suarez no canal, enxergou a entrada de Marta como uma decisão tomada às pressas e sem convicção, destacando a preocupação com as lesões recentes da atleta.
Histórico do confronto
Essa foi a terceira vez que Brasil e Jamaica se enfrentaram na história. A primeira vez foi no Pan-Americano de 2007, com vitória brasileira por 5 a 0. Em 2019, as seleções se reencontraram na Copa do Mundo, novamente com vitória do Brasil, que contou com um hat-trick de Cristiane para vencer por 3 a 0.
Escalações
O Brasil foi a campo com o 4-2-2 usado anteriormente, com Adriana e Ary pelos lados do ataque, tornando o time bastante ofensivo no papel. Sundhage escalou Lelê no gol; Tamires, Rafaelle, Kathellen — de volta ao time no lugar de Lauren — e Antonia na defesa; Adriana, Luana, Kerolin e Ary Borges no meio; e o ataque com Debinha e Marta. Bia Zaneratto e Geyse, titulares nos jogos anteriores, começaram a partida no banco.
A Jamaica também entrou com mudanças em relação ao jogo anterior. Wiltshire e Matthews retornaram ao time titular nos lugares de Cameron e Carter, respectivamente. Além disso, a capitã e principal jogadora jamaicana, Khadija “Bunny” Shaw retornou após cumprir suspensão depois de ser expulsa na estreia contra a França.
Assim, as jamaicanas entraram escaladas no 4-1-4-1, com a goleira Spencer; a defesa com Blackwood, as irmãs Allyson e Chantelle Swaby, e Wiltshire; Sampson, J.K. Brown, Spence, Primus e Matthews no meio; e a centroavante Shaw.
Primeiro tempo de esperanças
Como era de se esperar, o Brasil tomou a iniciativa na construção de jogadas e a Jamaica se armou na retranca desde o começo do jogo. As brasileiras concentraram suas ações pelo lado esquerdo, com boas trocas entre Adriana, Debinha e Marta, que finalizou aos 4’ e aos 11’, sem levar perigo à goleira.
A Rainha não se escondeu do jogo, mas não conseguiu superar as jamaicanas [Reprodução/Twitter @SelecaoFeminina]
O Brasil teve um ímpeto ofensivo longo, mas pouco eficaz. A tão falada “pressão inicial” do time que precisa construir o resultado rapidamente perdurou durante os primeiros trinta minutos, com jogadas construídas pelo meio e finalizações de Adriana e Tamires. Para Juliana Cabral, o Brasil precisava definir logo as jogadas, sem confundir paciência com lentidão. Aos 24’, Ary subiu livre de marcação após cruzamento de Tamires e cabeceou por cima do gol, na melhor chance do jogo até o momento.
A partir dos 30’, os erros de passe brasileiros ficaram mais frequentes. A Seleção aparentou estar mais desconcentrada e ansiosa, errando em diversas tomadas de decisões. A Jamaica, inexistente no jogo até então, começou a preservar mais a posse quando recuperava a bola, ameaçando jogadas de contra-ataque com mais frequência. A última jogada de perigo do Brasil ocorreu aos 39’, após belo toque de Ary para Tamires na área, que chutou de primeira para a defesa da goleira Spencer.
Segundo tempo: brasileiras ansiosas e desorganizadas
O Brasil voltou do intervalo com Bia Zaneratto no lugar de Ary. Com a mudança, Adriana passou a cair mais pela direita e Bia pela esquerda, posição na qual a centroavante não se encontrou durante a partida.
Ao contrário do primeiro tempo, em que o Brasil trabalhou as jogadas de ataque pelo meio, o time concentrou as ações nas pontas com cruzamentos para a área — o famoso chuveirinho.
A Seleção ainda mantinha o controle, recuperava a bola rapidamente, mas os mesmos erros do primeiro tempo se intensificaram, com o time encontrando dificuldade para finalizar. Conforme o cronômetro avançava, as brasileiras pareciam cada vez mais ansiosas, facilitando a recuperação da posse pela Jamaica. A partir dos 70′, a Jamaica conseguiu segurar mais a bola e levá-la para o campo de ataque. O primeiro chute perigoso do segundo tempo veio do lado jamaicano com Shaw, aos 81′, em bola por cima do gol de Lelê.
Partindo para o “tudo ou nada”, a técnica Pia Sundhage colocou Andressa Alves, Geyse e Duda Sampaio no lugar de Marta, Antônia e Luana, aos 80’, montando uma linha de três na defesa e o resto do time no ataque. Aos 82’, o Brasil chegou na área com Geyse, após boa jogada de Debinha e Bia, mas o chute foi para fora. Aos 90’, Kerolin sofreu falta na entrada da área, mas Andressa Alves chutou nas mãos de Spencer. O Brasil ainda teve a última chance em bate e rebate após cobrança de escanteio, aos 94’. A bola sobrou com Debinha, que cabeceou direto nas mãos da goleira.
Destaques
As brasileiras não fizeram por merecer a classificação para as oitavas de final. O único momento em que se classificaram foi dos 2’ aos 21’, quando o Panamá esteve à frente do placar contra a França.
O primeiro tempo do Brasil foi de um time que entendeu sua situação na competição e conseguiu controlar a posse e finalizar com certo perigo, principalmente pela esquerda. Destaque para Rafaelle e Kerolin, que tiveram bons desempenhos e não se omitiram da partida.
A chave para entender a eliminação está no segundo tempo. A entrada de Bia Zaneratto pela esquerda desorganizou o setor ofensivo, que ainda mantinha a posse, mas sem conseguir concluir as jogadas. O time deixou a ansiedade tomar conta e passou a errar com mais frequência, optando por bolas alçadas na área de forma afobada em vez de construir jogadas pelo meio, como fez no primeiro tempo. As substituições realizadas não apresentaram alternativas ao que estava sendo apresentado no jogo, deixando a Jamaica confortável na segunda etapa.
A técnica Pia Sundhage disse no final da partida que o Brasil criou chances usando toda a extensão do campo, mas não foi capaz de ultrapassar a defesa, valorizando também o trabalho jamaicano.
A goleira Rebecca Spencer foi o grande destaque do confronto [Reprodução/Twitter: @TeamJA876]
A partida foi a última de Marta nas Copas. Assim como a canadense Christine Sinclair, a brasileira foi eliminada sem conseguir marcar em seis Copas, com uma despedida amarga e melancólica. Na zona mista, Marta agradeceu o apoio da torcida e valorizou a estrutura e o investimento realizado na seleção feminina, pedindo para que continuassem apoiando as atletas para o desenvolvimento da modalidade.
O jogo também foi histórico para a Jamaica, mas de forma positiva. O país, que fez sua estreia na última Copa do Mundo terminando em último no grupo com três derrotas, 12 gols sofridos e um marcado, conseguiu se classificar para as oitavas de final nesta edição de forma invicta em um grupo com França e Brasil. Méritos para a defesa jamaicana, principalmente à goleira Spencer, que conseguiu segurar o ataque brasileiro com facilidade.
Enquanto o Brasil contou com o apoio, estrutura e investimento de suas entidades esportivas na preparação para a Copa, a seleção jamaicana existe hoje graças ao investimento feito por Cedella Marley, filha de Bob Marley, em 2014. Para ter estrutura na Copa do Mundo de 2023, o time precisou recorrer à campanhas na internet para arrecadar fundos, o que torna a classificação da Jamaica um feito ainda mais histórico.
Próxima fase
A Jamaica terá um duelo americano nas oitavas de final contra a Colômbia. O jogo acontecerá dia 8 de agosto, às 05h00 do horário de Brasília, no Melbourne Rectangular Stadium. Caso avance de fase, enfrentará Nigéria ou Inglaterra.
Ficha técnica
Brasil: Lelê; Antônia (Geyse), Kathellen, Rafaelle, Tamires; Luana (Duda Sampaio), Kerolin, Ary Borges (Bia Zaneratto), Adriana; Debinha, Marta (Andressa Alves).
Jamaica: Spencer; Wiltshire, A. Swaby, C. Swaby, Blackwood; Sampson, Matthews (Cameron), Primus, Spence, Brown (Washington); Shaw.
*Imagem de capa: [Reprodução/Twitter @jff_football]