Aos 80 anos, Jane Fonda é considerada um dos grandes nomes de Hollywood, além de ser estrela de grandes sucessos do cinema. Um dos mais recentes deles é Jane Fonda in Five Acts (2018), um documentário ovacionado no Festival de Cannes deste ano, que percorre, de forma extremamente sincera, a vida da atriz. Sem esconder os erros que cometeu durante o percurso de sua carreira, o documentário mostra ao público que a história de Jane vai muito além de seus grandes trabalhos na indústria cinematográfica.
Jane Seymour Fonda nasceu na cidade de Nova York, em 1937, filha da socialite Frances Ford Seymour e do ator Henry Fonda. Apesar de ter uma vida socialmente privilegiada, em sua vida pessoal a atriz passou por momentos angustiantes: quando ela tinha 12 anos, sua mãe cometeu suicídio em um hospital psiquiátrico. Além disso, Fonda também foi abusada sexualmente e, em suas memórias, escreve sobre como esse fato afetou a aceitação de seu corpo.
Jane começou a se interessar por atuação em 1954, quando participou de uma performance ao lado de seu pai, mas apenas em 1958 realmente decidiu atuar, após conhecer Lee Strasberg, um grande diretor e técnico de atuação. Jane diz que o encontro mudou sua vida, já que Lee foi a primeira pessoa além de seu pai a dizer que ela tinha um talento real.
Após esse episódio, Fonda iniciou sua carreira no teatro, que lançou as bases para seus trabalhos no cinema a partir dos anos 60. Em 1963, a atriz já recebia seu primeiro Globo de Ouro por sua interpretação de uma prostituta em Pelos Bairros do Vício (Walk on The Wild Side, 1962), porém, foi com o filme Dívida de Sangue (Cat Ballou, 1965) que Jane Fonda foi lançada ao estrelato. Depois disso, vieram papéis como a personagem que dá nome ao filme Barbarella (1968), o qual estabeleceu o status da atriz como sex symbol, o da prostituta Bree Daniels em Klute – O Passado Condena (1971) e a esposa adúltera de um militar em Amargo Regresso (Coming Home, 1978). Os dois últimos lhe renderam o Oscar de Melhor Atriz, bem como o Globo de Ouro na mesma categoria. Jane continuou estrelando filmes, principalmente aqueles que traziam ao público questões sociais importantes, até 1990, quando decidiu se aposentar, dando uma pausa de 15 anos em sua carreira.
Um lado de Jane Fonda que poucos conhecem é o de ativista. Nos anos 60, ela se envolveu com ativismo político em apoio ao Movimento de Direitos Civis nos Estados Unidos, um movimento com o objetivo de assegurar aos negros direitos legais que americanos brancos já possuíam e acabar com a segregação racial do país. Além disso, também passou a fazer parte do ativismo contra a Guerra do Vietnã. Em 1970, a atriz formou, junto de mais dois amigos, o tour FTA (Free The Army, em português “Liberte o Exército”), um show de estrada anti-guerra que passava por cidades militares da costa oeste dos Estados Unidos, com o objetivo de estabelecer um diálogo com os soldados sobre suas próximas missões militares no Vietnã.
No mesmo ano, Fonda também discursou contra a Guerra em um comício organizado pelo grupo Veteranos da Guerra do Vietnã Contra a Guerra (VVAW). Ela também se ofereceu para ajudar a arrecadar fundos para a instituição e, por seus esforços, recebeu o título de Coordenadora Nacional Honorária. Sua polêmica viagem para a cidade de Hanói, no Vietnã do Norte, para ver em primeira mão a situação da guerra com os vietnamitas, rendeu-lhe muitas críticas e o apelido Hanói Jane, após ela ser fotografada sentada em uma arma de defesa antiaérea.
Fonda também é uma ativista passionada pelos direitos das mulheres. Ela afirma que seu passado difícil foi um dos motivadores para isto e que, através de seu trabalho, ela quer ajudar vítimas de abuso a perceberem que o acontecido não é culpa delas. Dessa forma, a atriz é uma apoiadora ativa do V-Day, um movimento global que busca acabar com a violência contra mulheres. Ela também criou o Centro Jane Fonda para Saúde Reprodutiva na Adolescência, na Universidade Emory, a qual busca ajudar a prevenir a gravidez na adolescência. Em 2004, a atriz liderou uma marcha pela Ciudad Juárez, no México, exigindo que o governo providenciasse mais recursos para os oficiais responsáveis pela investigação dos assassinatos de centenas de mulheres na fronteira da cidade.
Atualmente, ela já deu diversas declarações em apoio a causa feminista, além de ser apoiadora do movimento Me Too, o qual luta contra o abuso sexual e o assédio no ambiente de trabalho, e se tornou muito importante na indústria de Hollywood. Em entrevista ao jornal The Guardian em maio deste ano, a atriz afirmou: “Estou muito grata por estar viva para isso. E eu acho que vai continuar, não é só um momento. São todas nós juntas, cuidando uma da outra”.
Em 2005, após ficar 15 anos longe das telas, Jane retornou no filme A Sogra (Monster-in-Law), um sucesso de bilheteria no qual interpreta a ameaçadora sogra da protagonista Charlie (Jennifer Lopez). A atriz também voltou para os palcos da Broadway pela primeira vez desde 1963, recebendo uma nomeação ao prêmio Tony por sua interpretação na peça 33 Variations. Depois disso, estrelou diversos filmes e séries de sucesso, os quais lhe renderam diversas indicações a prêmios, como Emmy e Globo de Ouro.
Atualmente, Jane estrela a série Gracie and Frankie ao lado de Lily Tomlin, sua amiga pessoal desde que estrelaram Como Eliminar Seu Chefe (Nine to Five) juntas em 1980. Da mesma forma em que na época o filme promoveu discussões sobre a forma que as mulheres eram tratadas pelos homens, a série também traz reflexões acerca da velhice na modernidade. Tendo como foco duas amigas improváveis que passam a morar juntas após seus maridos anunciarem que estão apaixonados um pelo outro e vão se casar, o seriado repensa os estereótipos associados a pessoas da terceira idade. Com um casal homossexual de 70 anos se assumindo, e mulheres que já são avós com uma vida sexual ativa, a série propõe uma reflexão em seus espectadores incrivelmente diversos e de todas as idades.
Outra inovação trazida pelo seriado é o fato de suas estrelas serem mulheres com mais de 60 anos. Esse acontecimento rompe com o pensamento de que mulheres mais velhas não têm espaço na indústria por não seguirem os padrões de beleza estabelecidos pela sociedade. Dessa forma, a série abre novas possibilidades para diversas atrizes e mostra para a indústria que uma produção estrelada por mulheres mais velhas pode, e consegue, fazer sucesso.
Afinal, no auge de seus 80 anos, Jane Fonda continua estrelando diversos filmes de sucesso, recebendo prêmios e lutando firmemente pelas causas em que acredita.Assim, ela prova que sua relevância vai muito além de sua beleza e que a velhice é, realmente, apenas mais uma fase da vida.
por Beatriz Crivelari
beatrizcrivelari@usp.br