Em 30 de junho deste ano, o quinto filme da franquia Indiana Jones chega aos cinemas, e, apesar de não contar com o retorno de Steven Spielberg na direção, uma outra figurinha carimbada continua marcando presença na saga, John Williams. Com 53 indicações ao Oscar, a música deste compositor supera a posição de apenas uma trilha sonora cinematográfica e faz parte do imaginário nostálgico de uma geração inteira.
O nascer de um compositor
Filho de um percussionista, John Towner Williams nasceu em 8 de fevereiro de 1932, em Nova Iorque, e desde cedo teve contato com a música. Aprendeu piano ainda criança e, quando se mudou para Los Angeles, já na adolescência, decidiu seguir na carreira musical. Estudou música na Faculdade Comunitária de Los Angeles e na Universidade da Califórnia (UCLA) antes de ser recrutado para a Força Aérea Americana. Em seus três anos de serviço militar, começou sua carreira como condutor e arranjou algumas músicas para bandas. Em 1954, deixou a Força Aérea e estudou piano em Julliard, escola de Ensino Superior referência na área da música, enquanto também trabalhava como pianista em clubes de jazz e gravadoras.
Ainda antes dos anos 1960, voltou para a Califórnia, onde iniciou seus trabalhos em Hollywood ao tocar piano em estúdios para filmes como Quanto Mais Quente Melhor (Some Like It Hot, 1959) e O Sol É Para Todos (To Kill a Mockingbird, 1962). Além de trabalhar na indústria cinematográfica, John Williams compôs para televisão em séries e nos filmes para TV Heidi (1968) e O Destino de uma Paixão (Jane Eyre, 1970), os quais garantiram seus primeiros prêmios: dois Emmy Awards.
Mas foi com sua trilha sonora adaptada para o filme O Vale das Bonecas (Valley of the Dolls, 1967) que Williams iniciou sua longeva lista de indicações ao Oscar, e, em 1972, o compositor conquistou sua primeira de cinco estatuetas da Academia, pela sua adaptação musical em Um Violinista no Telhado (A Fiddler on the Roof, 1971). Durante a década de 1970, ele ainda ficou conhecido como o “Rei das Trilhas de Catástrofe” por ser o responsável pelas trilhas de longas como O Destino do Poseidon (The Poseidon Adventure, 1972) e Terremoto (Earthquake, 1974).
Uma parceria de sucesso
Em meio a sua ascensão em Hollywood, John Williams chamou a atenção de um novato diretor em meados dos anos 1970. Preparando-se para seu primeiro trabalho de direção de longas, Steven Spielberg conheceu o trabalho do músico e propôs que ele compusesse a trilha sonora para seu filme Asfalto Quente (The Sugarland Express, 1974). Nasceu, então, uma parceria que mudaria a história do cinema.
A dupla conta com diversos filmes em conjunto, sendo que apenas três das produções dirigidas por Spielberg não contaram com uma trilha sonora composta por Williams. Para Fábio L. Francener Pinheiro, professor do curso de Cinema da Universidade Estadual do Paraná (Unespar), pensar nas produções do diretor de Tubarão (Jaws, 1975) sem a música do amigo compositor “é a mesma coisa que pensar nos westerns de Sergio Leone sem a trilha do Ennio Morricone. A obra autoral do Spielberg é construída em cima da colaboração musical do John Williams”. Ainda de acordo com Fábio, que analisou os filmes de Steven Spielberg em sua tese de doutorado, o sucesso dessa parceria entre diretor e compositor “tem a ver com o quanto o John Williams consegue fazer a tradução em termos musicais das imagens do estado emocional do que o Spielberg cria. A contribuição do John Williams é valorizar esse estado emocional e intensificá-lo.”
Em entrevista ao jornalista Stephen Colbert, Steven Spielberg disse: “Ao ouvir a trilha sonora de John no filme Os Ratoneiros (The Reivers, 1969), eu disse a mim mesmo que se eu um dia tiver a chance de dirigir filmes, eu quero que essa pessoa componha as trilhas para todos eles.” Completando 50 anos de amizade neste ano, e 29 filmes depois, os dois nunca tiveram uma briga e, segundo o diretor, tudo que o compositor produziu serviu como uma luva para a sua filmografia. “Eu consigo fazer com que o público encha os olhos de água, mas a música de Johnny [apelido de Spielberg para John Williams] faz as lágrimas escorrerem”, afirmou o cineasta.
A colaboração dos dois não encontra restrições. No blockbuster Tubarão, que garantiu outro Oscar a Williams, três notas musicais foram capazes de fazer Spielberg rir de tamanha simplicidade para uma trilha sonora e, ao mesmo tempo, assustar gerações. Em E.T. – O Extraterrestre (E.T. – The Extra-Terrestrial, 1982), bicicletas voadoras se tornaram ainda mais mágicas graças à trilha vencedora do Oscar de Williams, enquanto em Jurassic Park – Parque dos Dinossauros (Jurassic Park, 1993) a primeira aparição dos dinossauros na tela é imediatamente acompanhada por sua composição memorável. Mas John Williams também deixou sua marca em dramas históricos de guerra, como A Lista de Schindler (Schindler ‘s List, 1993), que conta a história marcante do esforço do alemão Oskar Schindler em ajudar judeus perseguidos pelo nazismo, e O Resgate do Soldado Ryan (Saving Private Ryan, 1998), o qual retrata a tentativa de recuperar um soldado em território inimigo durante a Segunda Guerra Mundial.
A mais recente colaboração entre compositor e diretor, Os Fabelmans (The Fabelmans, 2022), conta uma história semi biográfica de Steven Spielberg e marca os 50 anos da amizade dos artistas. Durante a promoção do filme, Spielberg disse: “John reescreve meus filmes musicalmente. Se eu tenho seis rascunhos de um roteirista de um filme, John é o sétimo e último rascunho, e este é o rascunho com o qual eu trabalho.”
Para Fábio, essa dupla é mais do que bem sucedida, é genial. “Ele [Steven Spielberg] sempre vai ser uma referência e, sempre que se falar dele, vai se falar do John Williams.” E reforça: “Esse tipo de cooperação, de um traduzir em termos musicais o que o outro concebeu em termos imagéticos, é uma referência para todo mundo que estuda e faz filmes.”
Do renascimento orquestral ao sucesso mundial
Com tantas produções de cinema e trilhas sonoras, a música de John Williams ganha destaque. Parte disso se deve ao fato de ele reacender uma tradição: a trilha musical orquestral. O professor Eduardo Vicente, do Departamento de Rádio e Televisão da Escola de Comunicação e Artes da USP, explica: “O cinema norte-americano, até o começo dos anos 1960 desde pelo menos a década de 1930, é um cinema muito marcado pelo uso de uma trilha musical orquestral. Mas, no começo dos anos 1960, isso começa a cair em desuso nos Estados Unidos com a influência do cinema europeu e a força da contracultura. As pessoas queriam fazer um novo cinema.” Com isso, o uso da orquestra na trilha sonora de um filme se torna sinônimo de velho, e então, o rock e as músicas populares ganham força junto a esse cinema alternativo.
Porém, acontece uma espécie de renascimento das antigas tradições, como afirma Eduardo: “Uma segunda geração dessa nova Hollywood vai se reconectar com esse passado e trazer de volta essa tradição instrumental da trilha sinfônica orquestral, mas num contexto diferente do que era o cinema antes.” Dentro deste grupo se encontra John Williams que, como complementa o professor, “de alguma maneira reacende essa tradição e revaloriza o uso da orquestra no cinema, o que permanece até hoje. Todos esses compositores que vieram depois, como Hans Zimmer, que hoje talvez seja o grande nome da música de cinema norte-americana, são compositores que de alguma maneira estão seguindo a tradição do John Williams.”
Além do compositor e do já mencionado Steven Spielberg, esta geração renascentista conta com o cineasta George Lucas, diretor e criador do universo de Guerra nas Estrelas (Star Wars, 1977). Junto com Lucas, John Williams popularizou novamente a trilha sonora épica e tornou a trilha sonora instrumental do filme protagonizado por Mark Hamill, Carrie Fisher e Harrison Ford a mais vendida de todos os tempos. O trabalho garantiu outro Oscar ao compositor, além de mais cinco indicações ao longo da saga de filmes. Quando, então, John Williams, Steven Spielberg e George Lucas uniram-se, o mínimo que os fãs esperavam era uma obra-prima, e eles não desapontaram. Dirigido por Spielberg, co-escrito por George Lucas e com a trilha sonora de John, Indiana Jones e os Caçadores da Arca Perdida (Raiders of the Lost Ark, 1981) se tornou um clássico e rendeu quatro sequências até 2023.
O sucesso das trilhas sonoras do compositor não é por acaso, como explica o professor Eduardo: “Elas são marcantes porque o John Williams trabalha com leitmotif, ou seja, com motivos condutores, temas para cada personagem. Então são músicas que voltam sempre com aquele personagem, marcam a presença dele na tela”. E complementa: “Ele tem esse talento de fazer melodias que chamam a nossa atenção, de colocar instrumentos para tocar que fazem aquilo soar muito bem, de fazer arranjos com orquestra, mas que num certo sentido soam de forma simples e se ligam em você e ajudam a valorizar o filme, atuando como personagens a mais dentro da obra.”
Fugindo das colaborações com Spielberg e Lucas, John Williams ainda criou outras trilhas clássicas como para os filmes Superman (1978), Esqueceram de Mim (Home Alone, 1990), JFK (1991) e a série de filmes Harry Potter (2001). Sem contar suas composições fora das telas de cinema, como a Olympic Fanfare and Theme das Olimpíadas de Los Angeles em 1984, conduzida por Williams na Cerimônia de Abertura dos Jogos Olímpicos.
Em 2022, John Williams havia afirmado que Indiana Jones e o Chamado do Destino (Indiana Jones and the Dial of Destiny, 2023) poderia ser seu último projeto como compositor de trilhas, mas parece ter voltado atrás. Em janeiro de 2023, ao lado de seu amigo e colaborador de longa data, Steven Spielberg, em uma celebração do Sindicato de Roteiristas dos Estados Unidos (Writers Guild of America), Williams afirmou: “Não se pode se aposentar da música. É como respirar. É sua vida. É minha vida. Um dia sem música é um erro.”
Aposentando-se ou não, uma coisa é certa: John Williams é um dos maiores compositores da história. Com suas trilhas sonoras para filmes, séries e olimpíadas cravadas na memória de quem cresceu ouvindo sua música, é difícil discordar de Steven Spielberg: “Sem John Williams, bicicletas não voam realmente, nem vassouras em partidas de Quadribol, nem homens de capa vermelha. Não há Força, dinossauros não andam na Terra. Nós não imaginamos, nós não choramos, nós não acreditamos.”