O diretor Sebastian Borensztei construiu seu nome sob o feel good movie Um Conto Chinês (Un Cuento Chino, 2001) ― filme misto de entretenimento e reflexão. Seu novo longa Kóblic (Kóblic, 2016) parte dessa premissa, que junto à bela fotografia de Rolo Pulpeiro, parece delinear um modo de fazer cinema típico de Borensztei. Ainda que o estilo se faça presente em Kóblic, sua estética é valorizada pela predominância da excepcional paisagem dos Pampas Argentinos. Cenas de cores pouco vivas alternadas com tons intensos de azul são fundamentais para construir a atmosfera de faroeste e suspense que caracteriza o filme.
Ricardo Darín ― expoente do cinema argentino elogiado pelos trabalhos em Relatos Selvagens (Relatos Salvajes, 2014) e o próprio Um Conto Chinês ― estrela na pele do comandante da Armada Argentina Tomás Kóblic. A trama gira em torno de sua atuação e, por isso, já se inicia com Kóblic olhando por uma janela, imerso em um momento de tensão que perpassa a tela do cinema. O olhar transparente de Darín é muito responsável por este efeito, um de seus pontos fortes como ator. Sua aflição está diretamente relacionada à cena que virá: Kóblic entra em um avião como piloto, mas não para um voo cotidiano. Quando o personagem coloca um protetor auditivo, o filme se silencia por completo ― fica claro para o espectador que esta é uma história sob a sua perspectiva.
O voo em questão ocorre em 1977, um dos “voos da morte” que fizeram parte da ditadura militar da Argentina. Neles, opositores ao regime recebiam injeções que os mantinham desacordados e, em seguida, eram arremessados vivos do avião militar. Atormentado por presenciar e se opor a esta prática, o comandante se refugia em um pequeno povoado nos Pampas Argentinos, a Colonia Elena. Lá, se hospeda no hangar de um amigo e tenta esconder o fato de ser um militar, vivendo sob a ameaça da ditadura tanto quanto os suspeitos de oposição ao sistema.
Conforme passam os dias, Kóblic conhece a jovem Nancy ― interpretada com destreza por Inma Cuesta (Julieta, 2016). A atriz desde o primeiro momento transmite o sofrimento da personagem de forma sutil: seja pela expressão facial apreensiva ou pela voz carregada de traumas. Consciente de sua condição de invisibilidade ao lado do namorado machista e violento, a moça vê em Kóblic a possibilidade de uma vida nova, na qual possa fazer valer suas vontades. Os dois logo iniciam um caso, que torna-se o fio condutor do enredo.
Todo o espectro que ronda Kóblic ― tanto em sua condição omissa de militar quanto de suposta força motriz de um adultério ― é logo percebido pelo delegado Velarde, encarnado por Oscar Martínez (também de Relatos Selvagens). A inquietação transmitida por cada decisão tomada pelo autoritário e inescrupuloso delegado é sinal da ótima atuação de Martínez, efetivo ao mostrar o impacto do regime ditatorial no país, até mesmo nas menores instâncias. Misturando questões políticas e assuntos privados, tanto a atuação de Martínez quanto o desenrolar do filme deixam o questionamento: o teor político e histórico da trama poderia ter sido aprofundado ou a obscuridade dos fatos seria um retrato fiel das ações ditatoriais “por debaixo dos panos”?
Frente a um assunto de peso como o regime militar argentino, é certo que uma contextualização histórica mais aprofundada teria sido positiva à narrativa. Longos minutos investidos em detalhar a relação entre Nancy e Kóblic poderiam ter sido utilizados para melhor apresentar o tema central do filme. No entanto, a proposta de tratar o assunto do ponto de vista do opressor é inovadora e importante para humanizar o personagem de Darín ― cuja principal fuga é de sua própria consciência.
Kóblic estreia em 15 de setembro. Confira o trailer: