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Manic Pixie Dream Girl: ficção que invade a realidade

por Juliana Lima juslimas@gmail.com Nos últimos anos houve um aumento considerável de debates sobre assuntos sociais como, por exemplo, a desigualdade de gênero. E a sétima arte, claramente, não poderia ficar de fora. Um tópico muito discutido no mundo cinéfilo é o termo Manic Pixie Dream Girl, que designa um esteriótipo de personagem feminina adorável, …

Manic Pixie Dream Girl: ficção que invade a realidade Leia mais »

por Juliana Lima
juslimas@gmail.com

Nos últimos anos houve um aumento considerável de debates sobre assuntos sociais como, por exemplo, a desigualdade de gênero. E a sétima arte, claramente, não poderia ficar de fora. Um tópico muito discutido no mundo cinéfilo é o termo Manic Pixie Dream Girl, que designa um esteriótipo de personagem feminina adorável, mas que não possui uma história narrativa própria.

A MPDG é uma garota bonita (mesmo que sem esforço ou intenção para tanto), mas não hipersexualizada, embora geralmente seja bem resolvida sexualmente. Ela é, antes de tudo, um espírito livre e misterioso, que desperta a atenção do personagem central masculino. Esse, por sua vez,  é um homem passando por dificuldades e dúvidas sobre a própria vida – mesmo que no começo não tenha noção disso. Então, surge a garota para salvá-lo de sua infelicidade ou para ensiná-lo alguma lição valiosa sobre o mundo. Nem sempre o romance entre esses personagens é perfeito ou dura para sempre, mas o homem sempre tem sua vida modificada e a mulher permanece como mistério.

a manic pixie dream girl de Kristen Dunst
A personagem de Kristen Dunst em ‘Tudo Acontece em Elizabethtown’ foi a primeira Manic Pixie Dream Girl. Foto: Reprodução

O termo, que em tradução livre significa “garota fada maníaca dos sonhos”, foi criado pelo crítico Nathan Rabin em 2007 para descrever a personagem Claire Colburn (Kirsten Dunst) de Tudo Acontece em Elizabethtown (Elizabethtowm, 2005). Sobre esse tipo de personagem, Rabin disse: “existe unicamente na imaginação febril de roteiristas e diretores sensíveis para ensinar jovens homens profundos, cismados e sentimentais a aproveitar a vida e seus infinitos mistérios e aventuras”.

Em Tudo Acontece em Elizabethtown (Elizabethtown, 2005), Drew Baylor (Orlando Bloom) acaba de ser demitido por causar um prejuízo estimado em 1 bilhão de dólares para a empresa em que trabalha e pretende cometer suicídio quando recebe a notícia da morte de seu pai. Em uma viagem à cidade Elizabethtown para buscar o corpo do falecido, Drew conhece Claire Colburn, uma comissária de bordo cheia de opiniões que o ensina a encarar a vida de uma outra maneira. Claire é completamente idealizada e está ali apenas em função de Drew, pois pouco sabemos sobre sua vida pessoal.

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Outro filme citado pelo crítico Nathan Rabin é Hora de Voltar (Garden State, 2004). O longa conta a história de Andrew Largeman (Zach Braff), um ator depressivo que volta à cidade natal para o enterro de sua mãe. A visita revela os fantasmas de seu passado e a relação problemática que mantém com o pai. É então que conhece Sam (Natalie Portman), uma mentirosa compulsiva, na sala de espera de um consultório médico. Os dois automaticamente se dão bem e ao final do filme estão apaixonados e enfrentando as dificuldades da vida (de Andrew, é claro) juntos. Apesar de Sam também possuir problemas, os dela parecem ser muito menores e é ela quem muda a vida de Andrew.

Rabin criou o termo Manic Pixie Dream Girl para criticar o sexismo presente em filmes e o termo viralizou. O assunto passou a ser muito discutido, com o surgimento de diversas listas sobre personagens que se encaixam no modelo. Entretanto, o termo também foi mal compreendido e passou a ser encarado de forma positiva e as MPDG passaram a ser adoradas.

Em 2014, o crítico escreveu um texto se desculpando por ter criado o termo pois não imaginava que ele seria interpretado assim e que ganharia a força que ganhou. No mesmo artigo, Nathan diz que não deseja que o termo continue sendo usado, principalmente de forma positiva, pois esse é um esteriótipo que não deveria mais existir no mundo cinematográfico.

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Nesse sentido, há alguns filmes que buscam quebrar o clichê. Um exemplo é o filme As Vantagens de Ser Invisível (The Perks of Being a Wallflower, 2012) baseado no livro homônimo de Stephen Chbosky. O enredo gira em torno de Charlie (Logan Lerman), um garoto depressivo e com poucos amigos. Na escola, faz amizade com os irmãos Patrick (Ezra Miller) e Sam (Emma Watson) e acaba se apaixonando por Sam. Por um momento, Charlie idealiza a garota mas ela se recusa a ser alvo de seu sonho juvenil. A relação dos dois só melhora quando ele passa a vê-la como uma pessoa real como ele e ao final do longa, ambos ainda possuem a vida e os problemas próprios.

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Outro filme que vai nessa direção é Cidades de Papel (Paper Towns, 2015) baseado no livro homônimo de John Green. Nesse caso, o autor do livro admitiu que seu intuito era, de fato, fugir e quebrar o esteriótipo da Manic Pixie Dream Girl. Na história, Quentin Jacobsen (Nat Wolff) é apaixonado por sua vizinha Margo Roth Spiegelman (Cara Delevingne). Ele é um garoto tímido com poucos amigos e ela é popular por ser aventureira. Quando Margo desaparece, Quentin e seus amigos embarcam em uma viagem pelo país para achá-la. Entretanto, os planos de Quentin não saem como o esperado e ele percebe que ele e todos os outros não conheciam a verdadeira Margo, mas apenas uma idealização que faziam da garota.

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Há alguns filmes, entretanto, que não deixam essa fuga tão clara. Em Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças (Eternal Sunshine of the Spotless Mind, 2004) é mostrado o relacionamento de Joel Barish (Jim Carrey) e Clementine Kruczynski (Kate Winslet). Em determinada cena, a mulher diz não ser um conceito e não estar em função de nenhum homem, ao contrário do que muitos acreditam. Apesar disso, a personagem é idealizada tanto por Joel como por Patrick (Elijah Wood) – outro personagem apaixonado por ela – além de ser a única capaz de tirar Joel de seu tédio e infelicidade. Mesmo assim, o longa é muito querido pelo público, assim como Clementine.

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Outra personagem querida pelo público é Summer Finn (Zooey Deschanel) de (500) Dias com Ela ((500) Days of Summer, 2009). O filme apresenta uma narrativa não-linear sobre os 500 dias em que Summer esteve presente na vida de Tom Hansen (Joseph Gordon-Levitt): o dia em que se conhecem, a amizade, o namoro, o término, a superação. Desde o começo, o homem idealiza a misteriosa mulher e não entende seu comportamento, como os motivos que a fizeram não se apaixonar por ele da forma que ele se apaixonou por ela. Mesmo os defeitos de Summer são idealizados e Tom, depois de sofrer teatralmente pela garota, consegue superá-la para então conhecer outra garota, Autumn (Minka Kelly).

Esse apego que a sociedade demonstra ter por longas e personagens assim mostra como a problemática das Manic Pixie Dream Girl não é levada a sério. Essas figuras são bem recebidas por sua estética ou por parecerem inteligentes e questionadoras do universo, mas são apenas coadjuvantes de personagens masculinos. Tal centralidade nos homens pode parecer inocente ou coincidência, mas reforça a ideia de superioridade do homem sobre a mulher e um ideal de beleza e comportamento pouco provável de ser alcançado.

Uma mulher deve ser protagonista de sua própria história, com seus próprios problemas, alegrias e conquistas. Um homem também deve ser protagonista de sua própria história mas sem esperar uma mulher para ser, obrigatoriamente, sua salvadora e coadjuvante. A ficção pode ser fantasiosa mas a sétima arte não pode continuar fortalecendo ideias que prejudicam a vida de pessoas reais. Claires e Summers não devem se tornar objetivos de mulheres e desejos de homens, porque não são reais. O cinema precisa apresentar uma maior representatividade do mundo real, mesmo em suas ficções.

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