Duro, do começo ao fim, Nada a Dizer (Companhia das Letras, 2010) é narrado por uma mulher traída universalmente. O marido, Paulo, traiu suas convicções, suas verdades cotidianas, seu amor e sua confiança.
A trama nos submerge numa reflexão sobre a significação da traição e dos relacionamentos sérios e longos. Partidária do amor livre, mãe solteira e revolucionária (todos no passado), a narradora demora a enxergar a presença de N. na vida do marido e, consequentemente, na sua vida. A história é contada de maneira cronológica e começa com o gatilho de todas as traições de Paulo: uma viagem ao Rio de Janeiro. Paulo gostava de manter uma distância segura de suas amantes e o avião que o separava de São Paulo era o bastante para esquecer da mulher e trepar com N. Pela frieza das conversas ao telefone com a narradora aos finais de dia, ficamos nos perguntando como ela não descobriu a infidelidade antes.
Adianto aqui que Nada a Dizer é um daqueles livros que te faz querer que a sua estação no metrô não chegue, que te faz ficar com os fones de ouvido mesmo depois que a playlist acabou e que te tira da sua série preferida. A narrativa fluída de Elvira nos aprisiona no lugar de uma mulher que se sabe traída, mas ainda não descobriu qual a traição.
A narradora descobre a presença de N. num escorregão de Paulo. Começa a refletir o quanto essa descoberta não foi planejada e calculada por Paulo, que não aguentava mais a distância que o adultério criava entre ele e sua vida cotidiana. E assim vai, o livro todo. Elvira não deixa passar um detalhe sem questionar e modificar algumas vezes a significação do ato, da fala ou da ausência desses. Um fato curioso sobre a narrativa: nossa narradora não tem um nome, nem a amante de Paulo. Além disso, não existem descrições físicas daquela que nos conta a história. Se você, assim como eu, gosta de visualizar as personagens quando lê um livro, poderá encaixar qualquer mulher na voz principal de Nada a Dizer.
Não espere um livro com um final previsível e confortável. A narrativa é dura, suas reflexões são viceralmente sinceras e só vislumbram o final aqueles que entenderam que relacionamentos não podem ser colocados em caixinhas de modus operanti. Elvira Vigna deve ser uma daquelas amigas nas quais você busca afago e encontra verdade. Nada a Dizer é uma história real sobre como nossas convicções pessoais, relacionamentos e verdades cotidianas são instáveis. As impressões finais, assim como tudo no livro, passam longe do maniqueísmo. Românticos e céticos ficarão satisfeitos e caçarão outras obras de Elvira Vigna assim que fecharem o livro, como eu mesma fiz.
Por Natália Belizario
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