“Minhas Duas Meninas tem a objetividade de uma obra jornalística e a sensibilidade de um romance literário”. Essa é a promessa intrigante da autora na orelha do livro que, admiravelmente, é contemplada na leitura. Isso só é possível por se tratar da jornalista Teté Ribeiro no papel de mãe e não o contrário: não do relato de uma mãe sobre sua experiência, mas de uma jornalista registrar seu caminho pedregoso a caminho da maternidade.
Teté escancara sua vida e intimidade com a transparência característica de uma reportagem, sem ambiguidades, sem rodeios. “Ter um bebê é uma ideia que passa pela cabeça de quase toda mulher. Com mais ou menos vontade. Com mais ou menos repulsa”. Ela gostaria de ter filhos, mas haviam sonhos mais urgentes, ganhar seu próprio dinheiro, morar fora, viver suas aventuras. Tenho uma postura tão próxima que essa poderia vir a ser minha própria história. “A questão estava resolvida: sim, teria, mas não tão cedo”.
A diferença crucial nesse ponto é que nasci quase trinta anos depois. Eu já estudei a reprodução nas aulas de biologia do colégio com o adendo de que o auge de fertilidade da mulher se dá perto dos 25 e decai drasticamente após os 35. Pra quase todas as mulheres. E esse “quase” já me fará congelar óvulos ou considerar a possibilidade de adoção. Por precaução. Por conforto. Teté não acreditava estar inclusa nesse grupo. Quando adolescente engravidou duas vezes sem querer, enquanto fazia uso de pílula e DIU, sua fertilidade tinha que ser imbatível. Mas não era.
“Em 2006, eu estava casada havia seis anos e preparávamos nossa mudança pra Washington. Já tinha morado na Austrália na adolescência, e em Nova York e na Califórnia naquela década. Ia mudar de novo de cidade, já tinha escrito três livros, inúmeras reportagens, trabalhado em TV e revista. Já sabia que era mais do frio que do calor, mais de gatos que de cachorros, conhecia um bom pedaço do mundo. Tinha chegado minha hora. Ia ser tão fácil que dava frio na barriga. Em menos de um ano estaria tudo diferente. Só não era a diferença que eu tinha antecipado”.
Na tentativa de engravidar manteve seu corpo em forma, fez retiros, meditação, se agarrou a superstições e mitos científicos. Quando finalmente procurou um médico, foi alertada sobre a dor nesse caminho para o casal: a certa altura um dos dois se descobriria responsável pela gravidez não estar acontecendo e o outro teria de ser muito generoso para não sentir raiva. Era o seu útero o responsável: ele não tinha a aderência suficiente. Mesmo depois dos fortíssimos tratamentos com hormônio. Mas seu casamento sobreviveu, firme e forte.
Sua solução acaba sendo um pouco imprevisível pra nós leitores. Teria suas gêmeas em uma barriga de aluguel na Índia. O país tinha uma legislação favorável, o custo benefício era melhor e em uma visita, gostara do que vira na clínica de fertilização e na Casa das Grávidas da Dra. Nayana. Assim, comemorou os embriões de suas meninas com uma taça de champanhe quilômetros distante.
Só retorna a Índia pro nascimento das meninas, que acaba perdendo por terem nascido prematuramente. Assim, é obrigada a permanecer um tempo internada com as bebês para que ganhem o peso necessário para voltar ao Brasil. Seu marido as encontra e lá vivem semanas de isolamento e adaptação a rotina de pais de gêmeas.
O relato de sua relação com filhas, do susto inicial de carregar pela primeira vez duas meninas desconhecidas (que eram suas) ao prazer de vê-las ficarem grandes demais pro macacão de prematuros, é tocante. É definitivamente a tal da sensibilidade de um romance literário que se entrelaça com suas descrições detalhadas do ambiente, a pesquisa sobre a cultura da Índia, o sistema de castas, a religião, a legislação sobre as barrigas de aluguel e a história de Vanita, a que carregou por nove meses suas duas meninas. Temos, então, uma obra jornalística.
A leitura desse livro é tanto uma jornada de autoconhecimento, em que me reconheci frequentemente na autora, como a jovem que não se negaria a fazer um aborto em defesa do futuro que planejou pra si e pra quem isso não significava não querer ser mãe; como de conhecimento de um país exótico, suas pessoas, vestes e crenças. Teté Ribeiro foi jornalista do primeiro parágrafo ao último ponto final, permeando o texto com estilhaços da maternidade.
Por Aline Melo
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