Rafael Ciscati
Bem-Vindo é um filme feito às avessas. No sexto longa do francês Philippe Lioret a história só surgiu depois que o local das filmagens havia sido escolhido: Calais, cidade no norte da França, destino dos imigrantes que planejam ir para a vizinha Inglaterra.
É na pálida e fria cidade que encontramos Bilal, um garoto iraquiano de 17 anos, que espera cruzar o canal da Mancha para encontrar a namorada em Londres. Quando sua primeira tentativa dá errado, o rapaz decide enfrentar o mar a nado. Para isso, falta apenas aprender a nadar.
Na história de Bilal não há nada de inverossímil: foi entre os voluntários que servem comida aos imigrantes que Lioret conheceu casos semelhantes, matéria-prima para o enredo. São nesses relatos que o diretor calca sua crítica contundente à política migratória francesa. Sua câmera mostra, sem disfarces, as agressões sofridas pelos imigrantes – espancados, humilhados e marcados nas mãos com números de identificação (herança dos anos 30?). Nada é gratuito – o trecho em que Sarkozy aparece no telejornal não foi posto ali por acaso.
Mas o governo não é o único a ser alfinetado. A indiferença de boa parte da população é duramente questionada: “Começa assim, e você sabe como termina. Quer que eu te de um livro de história?”, irrita-se Marion, ex-esposa de Simon (o veterano Vincent Lindon). É para impressioná-la que ele aceita ajudar aquele garoto curdo que um dia aparece na piscina em que dá aulas, querendo aprender a nadar. A amizade entre Bilal e Simon, então, evolui a um nível paternal.
Sem pedantismo, Lioret humaniza as estatísticas: saber, pelo jornal, que imigrantes morrem durante sua deportação pode chocar e revoltar. Mas a história de Bilal o faz como só a ficção poderia. Ela não serve como mera ilustração para um problema: aqui, a crítica social e o enredo estão no mesmo patamar.
Premiado na mostra Panorama do Festival de Berlim 2009, Bem-Vindo é daqueles filmes que te deixam com um nó na garganta. A triste ironia do título traz um necessário questionamento: queremos fazer da solidariedade um valor, ou apenas letras no capacho?