Até os dias de hoje histórias de terror que beiram o folclore são contadas no estado de Massachusetts, nos EUA, relembrando o assassinato da família Borden, que ocorreu em 1892. Craig William Macneill foi uma das crianças que ficavam aterrorizadas com os relatos sobre a jovem Lizzie Borden, que em plena Era Vitoriana protagonizou um crime à la Suzane von Richthofen.
Com o tempo o medo se transformou em curiosidade, a criança virou cineasta e produziu Lizzie (2018) para tentar explorar as circunstâncias psicológicas que levaram a protagonista a cometer esse ato. Mesmo contando com ótimas atrizes na sua linha de frente, o roteiro não colabora e o filme se perde ao tentar dar profundidade ao caso.
Para tentar atingir a abordagem psicológica pretendida, Macneill posiciona cronologicamente sua obra no período de 6 meses que antecedem o crime até suas consequências imediatas. Depois de um breve olhar na cena do assassinato, somos bruscamente jogados para a perspectiva do flashback. Passamos então a conhecer o cotidiano da residência dos Borden, e ali a narrativa principal que nos dispomos é a perturbada relação de Lizzie (Chloë Sevigny) com seu truculento pai Andrew (Jamey Sheridan).
Antes que nós consigamos assimilar direito a dinâmica da relação familiar ali posta, somos apresentados a mais uma personagem: a jovem criada Bridget (Kristen Stewart), que passa a morar na casa. Cria-se ali um ambiente hostil devido aos enfrentamentos entre Lizzie e seu pai, que a subjuga não apenas pelo fato de ser mulher como também por seus problemas de saúde, constantemente ameaçando interná-la. Ao passo que os desentendimentos escalam, Lizzie e Bridget começam a construir uma relação de confiança que logo evolui para uma relação amorosa.
Quando tenta criar a tensão entre os abusos do pai, os diálogos fracos e rasos acabam servindo de elemento anticlimático, e cenas como quando Lizzie leva um tapa na cara em plena mesa de jantar acabam perdendo seu peso. O filme se esforça em criar os traumas psicológicos na relação pai-filha no que diz respeito desde às liberdades pessoais mais simples de Lizzie, como sua criação de pombos ou idas ao cinema.
Enquanto isso, o diretor deixa de mergulhar em pontos que se abordados por mais algumas cenas teriam um potencial muito maior para criar o suspense e sensação de consequência irremediável do crime. Como por exemplo os momentos em que Bridget é abusada por Andrew, fato que até ganha destaque no filme, mas a questão de como ele afetou o psicológico de Lizzie é explorada muito brevemente.
Apenas quando finalmente chegamos no momento do assassinato lembramos que o filme não é um drama, mas sim um suspense/terror. Mas depois de tanto drama apático, e com a construção de cores dando tom de filme antigo à obra, é difícil chegar no final sem pescar de sono algumas vezes. São poucos os sobreviventes na sala de cinema que ainda reagem com surpresa e espanto ao assassinato do pai e da madrasta.
Lizzie surgiu na tentativa de dar uma dimensão além da brutalidade a um crime histórico, mas no anseio de tentar produzir o drama com a complexidade psicológica da protagonista, esquece do suspense, ignora elementos importantes e perde o espectador no meio do caminho.
Lizzie estreia dia 3 de janeiro nos cinemas. Assista ao trailer abaixo:
por Léo Lopes
leo.lopes@usp.br