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Após a controvérsia do #OscarSoWhite, no ano passado, muitas foram as obras envolvendo questões raciais indicadas esse ano. Infelizmente, por mais relevantes que fossem suas histórias, algumas delas apenas repetiram uma linguagem cinematográfica conservadora, confiando muito ao melodrama para sensibilizar. Embora Loving (2016) – que fez sua estreia no Festival de Cannes, e agora concorre por uma estatueta na categoria de Melhor Atriz – recaia sobre alguns desses vícios, ele felizmente se desvencilha de vários outros junto das eficientes interpretações principais.
Contando a história verídica de Richard (branco, Joel Edgerton) e Mildred Loving (negra, Ruth Negga), cidadãos de uma Virgínia que ainda proibia o casamento interracial, em meados da década de 50, os dois fogem e se casam secretamente em Washington D.C. – onde o casamento já era permitido desde 1868. Ao retornarem, o casal é, sem explicações, preso, sendo ou obrigados a se divorciarem ou a deixarem o Estado por 25 anos. Os Loving – que por si só já é uma grande e bonita ironia –, carregavam um bebê na barriga, decidindo então por voltar à capital, onde passariam mais de dez anos longe da família.
Juntos desde a primeira cena, Negga e Edgerton, mesmo em seus momentos de felicidade, compõem suas personagens de maneira contida. Principalmente após a batida policial, mais do que o amor, o que vemos é o medo. Assim, não são as demonstrações de carinho que atestam o sentimento do casal, mas o apoio que um dá ao outro em situações mais apertadas ou respostas mais pragmáticas, como a alegria que Rick espelha ao falar da casa que irá construir para os dois. Alegria esta que, num sorriso de criança de Edgerton, contrasta todo o laconismo e brutalidade de sua personalidade. Por outro lado, Negga, parece despistar (e logo após, reforçar) parte de sua vulnerabilidade toda vez que procura os olhos do marido – e se houvesse uma categoria para olhos mais expressivos, Negga seria com certeza uma forte candidata de Emma Stone.
O roteiro de Jeff Nichols (que também assina a direção) ainda é inteligente ao não fazer de Rick um homem cegamente bom ou oprimido pelo racismo. Assim, em determinado momento, um dos amigos negros comenta, “você anda com negros, mas quando vai trabalhar, ainda é branco”, afirmando que ele só precisaria se divorciar para se livrar dos problemas. Outro acerto é não romantizar o papel da União Norte-Americana das Liberdades Civis (ACLU), que representa juridicamente o casal. Por mais que a intenção de tornar o caso nacional, forçando uma mudança na Constituição, seja boa, os advogados ignoram a privacidade e as consequências de um possível fracasso. Com isso, mesmo que por um lado o assédio da mídia traga a opinião pública a favor dos Loving, por outro, os deixa expostos à retaliação da comunidade branca que vive nos arredores.
Frente a todo esse cuidado, é desapontante que os temas musicais de David Wingo e Jeff McIlwain sejam tão parecidos de uma cena para outra, que ainda melodramáticos, destoam totalmente da obra sutil que presenciávamos sem ela. Outro elemento que também destoa é a dupla de advogados, que interpretados de forma caricata e inexpressiva, parecem apenas mais uma cópia da ideia que Hollywood tem de um jurista. Às incoerências, ainda é preciso ressaltar uma cafona cena envolvendo um acidente de carro. Ainda assim, a figurinista Erin Benach aplica uma lógica interessante ao constratar as roupas mais leves e despojadas do início do filme, com outras cada vez mais pesadas (ternos, sobretudos e casacos) conforme a perseguição aumenta, como se traduzisse visualmente a insegurança que os faz se esconder dentro de suas vestimentas.
E se Loving se beneficia justamente da sutileza de seus realizadores, a vida também se utilizará infelizmente da mesma para encontrar, em tempos cada vez mais esclarecidos, meios aceitáveis de julgar o amor alheio, de segregar o diferente e de atenuar o preconceito. Se, pelo contrário, estivéssemos procurando formas também pequenas de propagar o amor…
Trailer sem legendas:
por Natan Novelli Tu
natunovelli@gmail.com