por Flávio Ismerim
flavio.ismerim@gmail.com
Este filme faz parte da 39ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo. Para conferir a programação completa clique aqui
Foi extremamente confortante encontrar o documentário 82 minutos (82 minutos, 2015) na seção nacional da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo esse ano. É bastante significativo que um filme cuja temática é popular e protagoniza o esforço de uma comunidade esteja seja veiculado em alguns dos cinemas mais cults do circuito paulistano, sem dúvidas. Talvez essa sensação de deslocamento e não pertencimento é que tenha feito com que a sala em que assisti à produção estivesse tão vazia.
O quinto documentário de Nelson Hoineff arrisca ao expor sua proposta de abordagem ao espectador logo no início. Como de peculiar em sua obra, Nelson pretendia apresentar o processo de construção de um desfile de escola de samba de dentro para fora. Sem depoimentos, sem tomadas históricas, a ideia era construir uma ideia de real embasada na ampla cobertura filmográfica de todo o modus operandi de uma escola.
Depois de passar pela São Clemente, Mocidade e Salgueiro, Nelson escolheu a Portela. E lá acompanhou desde a escolha do samba até a apuração do resultado do carnaval de 2015. Foi um achado bastante perspicaz, já que a comunidade de Oswaldo Cruz e Madureira vinha forte na briga pelo título depois de anos enfrentando problemas estruturais. Outra característica que colaborou para um entendimento mais profundo sobre a essência e a cultura do carnaval é o fato de que a Portela é uma escola tradicionalíssima, e seus componentes herdam o amor por ela de seus pais há décadas.
O longa mostra ensaios de diferentes seguimentos da escola, o que corresponde a uma boa parte das 6 mil pessoas que construíram aquele desfile. Bateria, comissão de frente, casal de mestre-sala e porta-bandeira, alas coreografadas, alas de passistas e equipe de barracão intercalam-se na tela ao reforçar a mensagem de que, para além do oba oba, carnaval é trabalho e dedicação.
Os aspectos formais do filme não constituem uma unidade estruturada a ponto de um espectador reconhecê-lo como conjunto, e talvez nem seja essa a intenção de Nelson. A tela mostra uma mistura bastante intrigante de momentos poéticos e momentos frios mais peculiares ao formato de documentário. Mesclam-se cenas nas quais a câmera está no chão como o sambar dos passistas ou o forjar das pequenas peças de metal que juntas formarão uma alegoria gigantesca, com instantes nos quais o foco é privilegiar o caráter técnico de se tocar um tamborim, por exemplo. A alternância desses momentos não se dá de forma natural e fluida, definitivamente.
Como o filme faz questão de frisar, o desfile de escola de samba é uma manifestação única de arte. Ele é um espetáculo feito por milhares de pessoas, chega a custar 10 milhões de reais a uma escola e não permite erros ou vacilos porque não há repetição. Essa adrenalina é o que mantém o amor de figuras tão tradicionais ao carnaval e que não foram esquecidas na construção do filme. Aparecem (e são dignos de louvor) Noca da Portela, Tia Surica, o mestre Nilo Sérgio, Nilce Fran, Wander Pires, Falcon, Wantuir, Dani Nascimento, Ghislaine Cavalcante e Alex Marcelino.
Jogando com a realidade e tendo ela como objetivo, 82 minutos mostra o suor e a alegria de uma comunidade. Contudo, ao contrário do habitual, essa cobertura não se restringe ao dia do desfile. A câmera foi convidada pela exuberante Nilce Fran a conhecer a Portela de dentro, e dá visibilidade àqueles que realmente constroem esse espetáculo. Após a apuração e a derrota dura e sofrida, a comunidade certamente ergueu a cabeça e já se apronta para mais um espetáculo em 2016. “Quem ousa, vence” está cravado em suas paredes não à toa.
Confira o trailer: