Este filme faz parte da 39ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo. Para conferir a programação completa clique aqui
Medo que morra.
É este o único instinto mais prevalente que o instinto dos amores inalienáveis. À altura das primeiras cenas de Minha Irmã Magra (Min Lilla Syster, 2015), correndo ofegante atrás de sua irmã mais velha, Stella, há tão pouco tempo criança, ainda não tinha chegado a essa conclusão. Defronte dela, com a graça disciplinada duma patinadora de gelo, a primogênita Katja leva o passo firme; mas a obsessão de seu ritmo só há de nos apelar os sentidos mais tarde.
Antes disso, aos olhos de Stella, existe algo de infalível ou, pelo menos, de inspirador em Katja. Como ela pôde, então, enfiar o dedo na garganta para regurgitar a comida do estômago? Ainda tateando o mundo, Stella se perturba. Disputa, contesta, ameaça. É a única que vê. Mas, sob as intimações inclementes da irmã, a caçula negocia sua obstinação. O que sobra, depois, é a consciência – nossa e dela – de que o acordo foi infame.
A verdade preliminar a tudo isso, porém, é que existe uma diferenciação simbólica repetidamente marcada entre Stella e Katja; e todos os fios da película, nalgum momento, voltam a se embaraçar nessas mesmas contradições. É a disciplina áspera de Katja retrucando o esforço desajeitado de Stella; é a brutalidade histérica do distúrbio defronte à incompreensão ingênua da inexperiência; é o corpo desobrigado sem entender a rijeza do corpo doente.
Eis que vem o corpo, afinal: no qual a anorexia encampa suas garras – e onde a própria película lastra a materialidade de suas representações. A despeito disso, Minha Irmã Magra não é sobre o transtorno de imagem de Katja; é, por outro lado, sobre a sensibilidade aterradora de Stella. É sobre seus olhinhos irrequietos, suportando, em silêncio, assistir ao concerto anoréxico de sua irmã.
Pois se Stella não vai dizer palavra sobre a condição que engole Katja aos bocados, sua mudez – assim como seu dilema – é uma prova de amor. O ponto de inflexão é, então, até onde ela vai resistir em lealdade. Afinal, à parte de sua madureza emocional, Stella é apenas uma menina, ainda tentando desbravar os becos mal iluminados da adolescência.
Mas não há pressa: cada gesto é meticuloso. O roteiro, cheio de sobriedade, não perde a estribeira em nenhum instante. A película sabe de si, e não se desfibrila ao desenvolver a anorexia de sua personagem. Não sobra excesso no destempero de Katja, como tampouco será possível desacreditar da angústia de Stella.
Quando a primogênita resguarda sua obsessão ao tempo em que sua irmã mais nova a resguarda, há aí uma obra que extrapola a representação pura dum transtorno alimentar. Minha Irmã Magra é mesmo um retrato de amores inalienáveis. Observá-lo por muito tempo pode doer. Mas há de valer a pena sustentar o olhar.
Confira o trailer: