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“Noites brancas”: o onírico em palavras

Imagem: Sofia Aguiar/ Jornalismo Júnior Por Sofia Aguiar (sofia.aguiar@usp.br) São Petersburgo do século XIX. Um homem caminha, solitário, e observa as modificações na cidade. Não sabe direito para onde ir, mas a angústia já consumira seu peito para permanecer acomodado. Entre existencialismo e relato das transformações ocorridas na cidade russa, Fiódor Dostoiévski constrói, no livro Noites …

“Noites brancas”: o onírico em palavras Leia mais »

Imagem: Sofia Aguiar/ Jornalismo Júnior

Por Sofia Aguiar (sofia.aguiar@usp.br)

São Petersburgo do século XIX. Um homem caminha, solitário, e observa as modificações na cidade. Não sabe direito para onde ir, mas a angústia já consumira seu peito para permanecer acomodado. Entre existencialismo e relato das transformações ocorridas na cidade russa, Fiódor Dostoiévski constrói, no livro Noites brancas (Penguin Companhia, 2018) , um breve romance linear e caricaturado, que transpassa ideais da época.

A capital do Império Russo, São Petersburgo, passa por um momento de transformações. Com a implementação do capitalismo, a modernização ocorrida no regime czarista refaz a estrutura da cidade e o dia a dia das pessoas. Prédios começam a surgir e os cidadãos ganham uma nova rotina que, entre migrações e permanência nas cidades, causa um vácuo social no autor.

O narrador anônimo e solitário tinha como pilar de convivência a cidade. Ele não conhecia as pessoas, mas a comunicação com um simples olhar e cumprimento já criava nele a construção de uma relação. Petersburgo, no início do conto, não é apenas o plano de fundo da história, mas o único personagem que dialoga com o autor. No entanto, diante das transformações ocorridas, o abandono instala-se no peito do protagonista, que sente-se abandonado. A melancolia se fixa e ele decide caminhar, sem rumo, até que o vácuo interior diminua.

Em uma ponte, o narrador depara-se com uma mulher chorando, Nástienka. Comovido, ele tenta se aproximar dela. Ambos começam a conversar e a solidão sentida pelos dois se complementa. Nástienka é uma mulher acanhada que, sob restrições de sua avó, compartilha melancolia na vida à espera de uma promessa de um amor feita por um antigo hóspede de sua casa. Já o autor define-se como um homem sem história mas, acima de tudo, um sonhador, que justifica sua melancolia e solidão:

“O sonhador, caso seja uma definição minuciosa para ele, não é uma pessoa, mas sim, sabe, uma espécie de criatura do gênero neutro. Na maior parte do tempo, fica em algum canto inacessível, como se quisesse esconder-se até da luz do dia, e, caso se meta em seu reduto, adere a seu canto da mesma forma que um caracol ou, pelo menos, nesse aspecto, o sonhador se parece muito com aquele animal engraçado, que é animal e casa ao mesmo tempo e que chamam de tartaruga.”

A companhia dos dois exalta compaixão. Ambos solitários e à espera de reviravoltas em suas vidas, percebem uma ajuda mútua de reconciliações individuais, como relata o autor: “Feliz; quem sabe, pode ser que a senhora tenha me reconciliado comigo mesmo, tenha solucionado minhas dúvidas… ”

Os encontros ocorrem por mais três noites que, permeados de ingenuidade, exibem companheirismo mas, também, objetivos adversos. O autor começa a sentir paixão por Nastienka, que ainda assegura-se a um amor prometido.

A leveza do livro e a troca de experiências dos personagens fazem o leitor sentir-se compenetrado no tom de devaneio dos encontros à noite sob o esplendor de névoa branca. O efeito das “noites brancas” refere-se a um fenômeno climático que ocorre na cidade de São Petersburgo em época de verão. O Sol nunca chega a se pôr totalmente e as noites ganham um ar crepuscular sob uma constante luminosidade. O efeito ganha um caráter essencial na obra e a importância de um personagem, em que suscita um tom onírico e irreal, ressaltando o tipo sonhador dos personagens e até mesmo da história.

Apesar de Dostoiévski carregar em seu nome uma força clássica de inúmeras obras renomadas, o receio em ler Noites Brancas se esvai quando a leitura se inicia. A linguagem simples e contínua trazem a grandiosidade do autor a um fácil entendimento na ideia suscitar curiosidade, ansiedade e hesitação ao leitor. O livro incita, mas também faz questionar-se a melancolia interna e solidão do leitor. Será que não temos um pouco do protagonista em nós mesmos, à procura de uma companhia mas relutantes em relação aos desafios e transformações do mundo?

Sob o efeito melancólico e fantasioso de Dostoiévski, “Noites brancas” transpassa ao leitor as sensações de necessidade de ruptura de uma vida passada e devaneios e dúvidas do futuro como algo inerentes ao ser humano. Sob o pilar caricaturado de ingenuidade de um amor à quatro noites, a vida se modifica. E, assim como na obra, ganha um desfecho inesperado.

 

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