Algo notável na história da humanidade é a sua procura por fontes energéticas cada vez mais eficientes, cujo alto rendimento possuísse a menor quantidade de contrapartidas possíveis. De primeira, o motor das coisas era a força muscular, que logo se provou insuficiente diante das ambições humanas. Desse modo, algumas sociedades caminharam em direção ao carvão, cujas utilidades foram descobertas na 1ª Revolução Industrial, e seguiram pela grande participação do petróleo. Com a 3ª Revolução Industrial surgiu a modalidade da energia atômica, obtida pela fissão nuclear, a qual consiste no bombardeamento de uma molécula instável de urânio por um nêutron. No entanto, esse modal ainda apresenta questões bastantes problemáticas, como o lixo atômico extremamente radioativo, o que resulta em uma larga acumulação desses resíduos ao longo do tempo.
O próximo passo na busca da eficiência somada à não liberação de gases poluentes da atmosfera e à menor radioatividade, é a reação contrária a fissão nuclear: a fusão. Nela, por meio da junção de dois núcleos de Hidrogênio, é liberada muito mais energia do que qualquer uma das fontes até então utilizadas. Por isso, 35 países se envolveram com o Iter (Reator Termonuclear Internacional Experimental), um projeto de 20 bilhões de euros, cujo propósito é provar a viabilidade da fusão atômica em larga escala com o intuito de fornecer energia elétrica. União Europeia, Japão, Rússia, China, Estados Unidos, Coreia do Sul e Índia assinaram o contrato em 2006, no qual se comprometeriam a dividir os gastos do projeto, bem como seus frutos. A sua construção teve início em 2010 na França, e a previsão para que ele funcione pela primeira vez é o ano de 2025.
Os tokamaks, como o Iter, são máquinas que têm por objetivo “criar os parâmetros necessários para se obter a reação de fusão”, como explica o professor do Instituto de Física (IF-USP) José Helder Severo, responsável pelo laboratório de fusão nuclear. Eles tentam imitar as condições existentes nas estrelas, onde se tem hidrogênio aquecido a altas temperaturas, de 15 a 20 milhões Kelvin. Nos núcleos estelares, a matéria atinge o seu 4º estado físico, chamado de plasma.
À grosso modo, pode-se dizer que o plasma é um gás ionizado. E, justamente por conta de suas cargas elétricas, a 4ª fase possui interessantes propriedades eletromagnéticas. “Quando esses campos são aplicados em um gás neutro, ele continua do jeito que está, ao passo que as partículas que constituem o plasma começam a responder a esse sinal”, aponta Vinícius Duarte, pós-doutorando da Universidade de Princeton, cujas pesquisas vêm se destacando no esclarecimento desse tipo de material. É por não ser neutro que esse gás diferencia-se do restante do usual estado gasoso, “as moléculas têm tanta energia que os elétrons começam a se desprender do átomo”.
O professor José Helder conta que, por conta dessa propriedade eletromagnética, o plasma possui comportamento em grupo, as partículas interagem umas com as outras. Da mesma forma que ocorre em uma bacia contendo água, a qual, quando uma de suas regiões é agitada, todo o líquido sente, quando se interfere em uma partícula plasmática, toda a região sofrerá perturbação e são formadas ondas.
Além de responderem a campos eletromagnéticos, quando as partículas do plasma entram em movimento, elas são capazes de produzir seu próprio campo magnético. Isso porque ele é gerado pelo movimento ordenado das cargas, já que elas possuem comportamento em conjunto. Disso surge uma corrente elétrica que, por sua vez, dá origem ao campo magnético.
Segundo Helder, para se obter esse tipo de estado físico são necessárias duas condições: temperatura e confinamento. No caso das estrelas, o último elemento é feito mediante à força gravitacional que, somada às altas temperaturas, provoca o rompimento das forças repulsivas entre as cargas. A partir daí, a distância é pequena para que as interações fortes, responsáveis por manter as partículas unidas, se encarreguem de unir os átomos, na já mencionada fusão.
Naturalmente, os tokamaks não possuem gravidade, de modo que, para confinar o gás, é usado um campo magnético. Diferentemente dos corpos estelares, a temperatura para se obter plasma nos laboratórios gira em torno de 100 milhões K. Esse valor muito maior do que os 15 milhões K das estrelas, cresce porque o campo magnético é a mais cara instalação dos reatores, de modo que se usa a temperatura para compensar a disparidade entre os campos gravitacionais e magnéticos.
No Instituto de Física da Universidade de São Paulo, ainda está o primeiro tokamak da América Latina exposto logo na entrada do prédio Tokamak. Esse exemplar fica em uma em cima de uma mesa, algo que seria bem improvável para o outro reator das USP que está realmente em funcionamento, dado o seu tamanho. Esse último veio de uma doação da Suíça (que adquiriu um maior). Há pouco tempo atrás, ele era considerado de porte médio, porém agora já está quase fazendo parte do grupo dos pequenos. Isso porque a tendência é que essas máquinas aumentem cada vez mais.
Todavia, o crescimento desses reatores também significa um crescimento de problemas a serem resolvidos. Nesse sentido, já pode se ter uma noção da complexidade da construção do Iter, em que qualquer imprecisão milimétrica pode comprometer o funcionamento da máquina. Outra questão enfrentada nesse projeto é o fato dele ser dividido entre países diferentes, o que pode ser um empecilho na hora da comunicação. Afinal, são um total de 40 línguas. O inglês é o idioma oficial, mas apenas 15% das pessoas envolvidas na empreitada têm ele como língua nativa.
Nas palavras de Vinícius Duarte, “o Santo Graal da pesquisa em plasma é gerar energia de uma forma limpa, não exaurível e ilimitada”. No entanto isso não impede que ele tenha diversas outras aplicações, cujo material se encontra em diferentes densidades de plasma mais fáceis de serem obtidos do que na fusão. Por exemplo, a TV de plasma não possui esse nome por uma mera coincidência: seu funcionamento depende da resposta eletromagnética do plasma. Também possui utilidades médicas, no tratamento de úlcera, pele (impedindo formação de radicais livres) e tratamento dentário. As próprias lâmpadas fluorescentes são constituídas pelo plasma. Ele também está presente na natureza. Na aurora boreal e austral são as partículas carregadas que respondem ao campo magnético terrestre; e nos relâmpagos o ar é ionizado, levando-o ao 4º estado físico da matéria.
Não obstante, isso não é nada se comparado a presença do plasma intergaláctico, que compõe 99% da massa do universo conhecido, uma vez que as maciças estrelas constituem as maiores massas. Nesse meio, o tipo de 4ª fase encontrado é bastante rarefeito. Dessa forma, há uma gama de plasmas que se diferenciam e possuem diferentes propósitos, de maneira que aquele existente nas TVs, lâmpadas ou na atmosfera terrestres não estão aptos para sofrerem a fusão que ocorre nas estrelas. A densidade e temperatura de elétrons e íons são parâmetros macroscópicos para a descrição desse tipo de gás. Essas medidas podem ser obtidas pela quantidade de luz emitida, já que o plasma é um gás brilhante, inclusive, é por causa desse brilho que nos é possível ver as estrelas de tão longe.
Mesmo que o Iter só entre em funcionamento em 2025 e demore mais algumas boas décadas para, de fato, poder ser feita energia elétrica, é preciso lembrar que toda energia da Terra proveniente do Sol vêm da reação de fusão. Ou seja, já utilizamos o 4º estado da matéria como fonte de energia, e sua importância remonta, não da invenção da TV de plasma, mas sim desde a criação de toda a vida na Terra ou até da preparação do planeta para ela.
Bibliografia:
Brasil Escola (1ª Revolução Industrial)
Brasil Escola (2ª Revolução Industrial)