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Obesidade afeta três em cada dez gestantes brasileiras; 90% consomem ultraprocessados, aponta estudo

Pesquisa realizada no Ceará registrou aumento na incidência de obesidade e no consumo de alimentos ultraprocessados entre grávidas
Por Amanda Yoshizaki (amanda.yoshizaki@usp.br) e Pedro Lukas Costa (pedrolcosta@usp.br)

A obesidade entre gestantes no Brasil mais do que dobrou entre 2008 e 2022, e 90% desse grupo consome ultraprocessados diariamente. É o que aponta um estudo conduzido por pesquisadores da Universidade de Fortaleza (Unifor) e da Universidade Federal do Ceará (UFC), que analisou, ao longo de 15 anos, a evolução do consumo alimentar e da saúde física  das mulheres grávidas brasileiras. 

A pesquisa utilizou dados do Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional (Sisvan), ferramenta do Ministério da Saúde que monitora o estado nutricional da população atendida na atenção primária à saúde. Ao todo, foram analisados mais de 6,5 milhões de registros de peso e altura e mais de 319 mil formulários de consumo alimentar de gestantes adultas e adolescentes entre 2008 e 2022.

O estudo, publicado na Revista Epidemiologia e Serviços de Saúde, buscou compreender a evolução da obesidade na gestação, os padrões de consumo de ultraprocessados e como essas tendências se distribuem entre as regiões do país. Esses alimentos possuem longas listas de ingredientes pouco conhecidos pelo público comum e passam por várias etapas de processamento para se tornarem mais palatáveis e terem maior tempo de validade.

Obesidade e ultraprocessados cada vez mais comuns

Entre 2008 e 2022, a proporção de gestantes brasileiras com obesidade cresceu quase 125%. O estudo identificou uma escalada contínua no excesso de peso: entre mulheres adultas, a obesidade passou de 13,3% para 29,9%, e entre adolescentes, saltou de 4,5% para 10,4%. O crescimento médio anual da obesidade nesses dois grupos foi de 5,2% e 5,9%, respectivamente.

Os resultados demonstram como o estilo de vida da população, a alimentação, comportamentos, rotina e renda, contribuem para o aumento da obesidade durante a gestação. Sthefani da Costa Penha, nutricionista pela Unifor e doutora em Saúde Pública pela UFC, é uma das autoras da pesquisa.“Uma população que passa mais tempo fora de casa, que dedica mais tempo ao trabalho e tem menos tempo para cozinhar procura mais alimentos prontos para o consumo”, relatou em entrevista à Jornalismo Júnior.

“A causa da obesidade é multifatorial”

Sthefani da Costa Penha

A pesquisa também verificou que, durante o período observado, houve um elevado consumo de ultraprocessados, como biscoitos recheados, salgadinhos, macarrões instantâneos e refrigerantes. Ao longo dos 14 anos, a variação anual foi estável, mas 90% das grávidas disseram consumir algum ultraprocessado no dia anterior à coleta dos dados, valor cinco vezes maior que a média brasileira — de 18%.

A pesquisa mostra que os ultraprocessados ocupam cerca de 21% da alimentação cotidiana de gestantes brasileiras [Imagem: Reprodução/Freepik]

A pesquisadora comenta que alguns dos motivos que favoreceram o elevado consumo de ultraprocessados no Brasil são os baixos preços, a propaganda midiática e a pandemia de Covid-19.

Segundo Sthefani, esses alimentos são mais baratos, o que facilita o consumo pelas classes mais baixas — os chamados desertos alimentares, por exemplo, são áreas economicamente vulneráveis onde o acesso a alimentos frescos e saudáveis é limitado ou inexistente, forçando os moradores a dependerem de alimentos de baixa qualidade nutricional. Além disso, a pandemia exigiu que se procurasse por alimentos com maior tempo de validade.

Estratégias de marketing também retratam esses produtos, muitas vezes, como itens de status social para as mães, como é o caso dos queijos petit suisse, popularizados no Brasil pela marca Danone. “Se a mãe podia comprar e disponibilizar esses alimentos para a criança, é porque estava sendo oferecido o melhor. Quando a gente vai ver a composição nutricional, não tem nada de melhor”, explica.

Nordeste lidera, e bebidas adoçadas retraem

O Nordeste foi a região brasileira com maior consumo de ultraprocessados entre gestantes. De 2015 a 2022, o consumo de ultraprocessados salgados, como salgadinhos e macarrões instantâneos, cresceu 1,8% ao ano, e o de doces, como biscoitos recheados, 1,6%. Entre as adolescentes grávidas, houve um crescimento médio de 4,6% ao ano na ingestão de hambúrgueres ou embutidos.

“Embutidos, por exemplo, por um valor bem reduzido comparado às carnes, as pessoas conseguem ter acesso de forma mais fácil e conseguem alimentar uma maior quantidade de pessoas”, pondera Stephani.

Um dado inesperado revelado pela pesquisa foi a redução no consumo de bebidas açucaradas, como sucos com adição de açúcar e refrigerantes, especialmente entre as gestantes adolescentes. Entre 2015 e 2022, houve uma diminuição de 1% ao ano no país, com uma queda ainda mais acentuada no Norte — de 1,6% ao ano. Embora o consumo geral de ultraprocessados permaneça elevado, a redução nesse grupo específico é considerada um avanço relevante para a saúde pública.

Bebidas adoçadas foram único ultraprocessado que registrou queda [Imagem: Reprodução/Freepik]

Segundo Sthefani, esse resultado reflete mudanças no comportamento da população e o impacto de políticas públicas mais recentes. Pesquisas nacionais já mostravam que refrigerantes estavam cada vez menos presentes nos lares brasileiros, e isso se confirma também entre as gestantes. “A conscientização sobre riscos, aliada ao maior preço e à taxação de bebidas adoçadas, contribui para essa tendência”, explica.

Riscos para a mãe e o bebê

O consumo elevado de ultraprocessados e o aumento da obesidade durante a gravidez e no período pré-concepção podem gerar impactos negativos para a gestante e o filho. Devido ao processo de programação metabólica, as condições nutricionais na gestação e nos primeiros meses de vida da criança alteram permanentemente o metabolismo e o risco de doenças futuras do indivíduo.

A alimentação inadequada da gestante propicia diversas complicações: Sthefani destaca a maior probabilidade de diabetes gestacional, hipertensão e parto prematuro. Um bebê que nasce antes do tempo tende a apresentar baixo peso e, nos primeiros meses, passa por um crescimento acelerado para compensar o desenvolvimento interrompido no útero — o que pode gerar excesso de peso e aumento da chance de obesidade futuramente.

“Normalmente, uma criança com necessidade de crescer mais rápido pode ter preferências por alimentos mais palatáveis”

Sthefani da Costa Penha

O Guia Alimentar para a População Brasileira recomenda priorizar alimentos in natura e minimamente processados, como frutas, verduras, legumes, arroz e feijão, e reduzir a presença de produtos processados e ultraprocessados no dia a dia. Sthefani destaca que essas escolhas não dependem de preparações complexas, mas de uma educação nutricional de qualidade. “Quando a gestante entende quais alimentos fazem sentido e por que, ela consegue colocar isso em prática de forma simples, dentro da sua realidade”, ressalta.

Na gestação, uma alimentação composta por alimentos in natura ou minimamente processados contribui para a saúde da mãe e do bebê [Imagem: Reprodução/Freepik]

Apesar de o assunto ganhar espaço nas consultas de pré-natal, Sthefani afirma que um dos maiores riscos é a falta de acesso à informação e ao cuidado personalizado. Gestantes com menor renda e escolaridade enfrentam barreiras para compreender e aplicar orientações alimentares. Para a pesquisadora, ampliar o alcance dessas orientações é essencial. “A linguagem acessível e políticas que ampliem o acesso ao acompanhamento são fundamentais”, afirma. 

Políticas públicas e limitações do estudo

Sthefani acredita que o aumento da obesidade e do consumo de ultraprocessados sinaliza a necessidade de políticas públicas que combatam esses indicadores. Para ela, programas como a Política Nacional de Alimentação e Nutrição e a Rede Alyne — antiga Rede Cegonha —, que promove o planejamento familiar e o cuidado pré-natal, devem ser expandidos nacionalmente. O Bolsa Família, segundo ela, se fortalecido, também facilita o acesso a uma alimentação mais saudável.

O estudo enfrentou algumas limitações metodológicas. Não foi possível estabelecer uma relação de causalidade entre o consumo de ultraprocessados e o aumento da obesidade entre gestantes, mas os pesquisadores acreditam que a condição é reflexo do consumo contínuo desses alimentos, que possuem baixa qualidade nutricional.

Sthefani avalia que dados qualitativos, que não foram considerados na pesquisa, seriam uma fonte de informação útil. “Uma informação que nós sentimos falta são os sentimentos da pessoa no ato de comer, na escolha alimentar”, relata, pois os desejos ligados ao consumo de ultraprocessados ajudariam a compreender melhor as particularidades da mulher gestante.

*Imagem de capa: Reprodução/Freepik

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