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Consequências do garimpo ilegal na Amazônia impulsionam a proliferação da malária

Produtos das áreas de garimpo afetam a fauna e flora amazônica, facilitando a proliferação da doença entre garimpeiros e populações indígenas
Anopheles stephensi mosquito transmissor da malária
Por Lorenzo Souza (lorenzosouza@usp.br)

Pesquisa publicada em 24 de junho na Revista da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical analisou a influência de áreas de garimpo e suas consequências ambientais – como o desmatamento – no aumento dos casos de malária. Como comprovado pela pesquisa, a proliferação da malária nessas áreas tem forte relação com a atuação do garimpo na região amazônica, e atinge, além dos garimpeiros, povos indígenas.

Intitulada “Malaria in areas under mining activity in the Amazon: A review”, a revisão de artigos focou na relação entre a malária e os diferentes focos de garimpo na região amazônica do continente americano, na interação entre esses ambientes e o desmatamento, na maior propensão à casos de malária em territórios indígenas e nos diferentes modos de intervenção possíveis nos locais afetados.

Parasita, mosquito e homem

Os ambientes de garimpo ilegal são, em suma, pontos de alta proliferação da malária. O biólogo, mestre em Ecologia e também pesquisador do artigo, Pablo Sebastian Amaral, explica as características que tornam esse ambiente propenso à doença. “A malária ocorre em três partes. Você precisa ter um mosquito, um parasita e a pessoa, o homem. Diferente da dengue, em que o mosquito já nasce com o vírus, na malária, o mosquito precisa picar uma pessoa doente para transmitir o plasmídeo para outra.”

Dada a degradação do ambiente, as condições insalubres de vida e a falta de moradia adequada torna a população local mais vulnerável, e, consequentemente, mais propensa a adoecer. Além disso, o pesquisador explica que a degradação da fauna e flora pelos processos de mineração e a influência de outros produtos do garimpo aumentam a proliferação do mosquito, aumentando também a incidência da doença.

No Brasil, a malária é uma doença que ocorre principalmente na região amazônica e com pouca frequência em áreas urbanas. O mosquito vetor da doença — o Anopheles darlingi — é comum na Amazônia, e o parasita que ele carrega (Plasmodium vivax) se aproveita do contexto do bioma, dos hábitos do inseto e das condições climáticas para ter uma maior proliferação na região de mata. Pablo complementa que, “se olhar para o número de casos de malária no restante do Brasil, Rio, São Paulo, vai ter dois ou três casos nestas regiões”.

Os locais afetados

A pesquisa constatou ainda que o ambiente da Amazônia Legal é o mais afetado pela incidência da doença em comparação com outros países da América Latina que também estão imersos na floresta. A extensão territorial é o principal fator para essa diferença. Segundo Pablo: o levantamento que a gente fez observou os casos de garimpo em todos os nove estados da Amazônia Legal. Então, é uma extensão muito maior, com proporcionalmente mais casos e mais áreas de garimpo, por isso o maior número”.

Área de garimpo
Área de garimpo ilegal na Terra Indígena Mundurucu, no Pará, deflagrada em operação do Ibama. [Imagem: Ibama/ Wikimedia Commons]

Ainda assim, nem todos os casos de malária tem origem no Brasil. De acordo com a pesquisa, cerca de 16.2% de todos os casos relacionados ao garimpo que foram utilizados na análise tinham origem em outros países do continente, sendo 97.5% deles provenientes da Guiana Francesa, Venezuela e Guiana.

O trânsito entre países é comum para diversos garimpeiros da área amazônica. O principal fator que os leva a empenhar viagens tão grandes é a questão dos boatos. Pablo Amaral explica que, com o surgimento de novos boatos sobre pontos de garimpo, ou com ações da polícia que desmobilizam garimpos pré-existentes, esses trabalhadores vão migrar para novos espaços. Além disso, a procura por atendimento médico também tem influência nesse trânsito.

“Como no Brasil a gente tem um sistema, o SUS, que acolhe 100% das pessoas, independente da atividade, da ilegalidade e da condição, muitas vezes eles atravessam a fronteira buscando por atividade garimpeira e pela medicação, por tratamento no país. Por isso, o número de casos é tão grande.”

Territórios indígenas

Além dos próprios ambientes de garimpo, outros locais extremamente afetados pela malária são os territórios indígenas. De acordo com o artigo, o garimpo ilegal é peça-chave na proliferação da malária dentro dessas áreas.

reserva amazonia
Foto panorâmica de áreas de garimpo em território de reserva ecológica, na região de Madre de Dios, no Peru. [Imagem: Coordenação Geral de Observação da Terra/ Wikimedia Commons]

Em 2022, 30% de todos os casos de transmissão local da doença ocorreram em terras indígenas. Pela maior presença em áreas rurais e de mata, as populações indígenas e ribeirinhas são naturalmente mais afetadas pelo parasita. O artigo indica ainda que esses grupos são duas vezes mais suscetíveis à malária do que qualquer outro. Apesar desse risco, em 2021, as áreas de garimpo ilegal dentro de territórios indígenas aumentaram 102.5%, em comparação com o ano de 2018.

Pablo explica que, com o aumento dos garimpos e da degradação ambiental, a proliferação do parasita logo aumenta. “Muitas vezes, esses garimpos estão próximos a essas áreas indígenas, próximos das aldeias, até mesmo dentro das áreas dessa população. Por isso também essa população acaba mais afetada.”

A pesquisa destacou que crianças são o grupo mais suscetível à doença. Indivíduos de 0 a 9 anos de idade somavam 37% de todas as vítimas da malária nos territórios indígenas. “O que os estudos sugerem é que, devido à dinâmica e à ecologia no mosquito, seu hábito de picar a pessoa e ir descansar na parede [de casas] para, posteriormente, sair, provavelmente leva as crianças a serem mais afetadas.” O pesquisador argumenta que, pelo fato desse grupo ficar mais perto das habitações, eles acabam ficando mais sujeitos ao mosquito.

Métodos de controle da doença

O malakit é um método de controle da malária explorado na Guiana Francesa que gerou frutos consideráveis no combate ao parasita. Destacado na pesquisa, esse método consiste no ensino de saúde aos garimpeiros. “Você explica, ensina para o garimpeiro como ele pode fazer um teste rápido e como ele pode se medicar. Se deu positivo, ele toma a medicação, recebe ali um tratamento e também um mosquiteiro.”

Por conta da insalubridade do trabalho e da dificuldade de acesso ao local, a população garimpeira é de difícil contato. Mesmo com a abrangência do SUS (Sistema Único de Saúde), as dificuldades no acesso a esse grupo impedem que os procedimentos corretos do tratamento tenham o efeito adequado. “Os garimpos são locais no meio da mata, que você precisa muitas vezes de cinco, seis dias a pé ou de barco para chegar. E o custo para esse garimpeiro sair e buscar tratamento também é muito alto”, explica Pablo.

teste rápido de malária
Exemplo de kit de teste rápido da malária. [Imagem: Adoscam/ Wikimedia Commons]

O malakit é distribuído por grupos especializados nas bases de apoio dos garimpeiros. Esses locais servem como ponto de passagem dos trabalhadores entre os países imersos na Amazônia. Formados com diversas barracas, esses espaços servem como bares, hotéis e lojas, para que garimpeiros possam trocar seu ouro e adquirir ferramentas para novas operações.

Os resultados do uso do malakit diminuíram a incidência da malária em 42.9%. Pela sua eficácia, a iniciativa começou a ser implementada no Suriname. Além disso, o projeto CUREMA (Radical CURE for MAlaria among highly mobile and hard-to-reach populations in the Guiana Shield) foi implementado em 2022, com duas frentes interligadas: de um lado, um foco na cura da malária em indivíduos assintomáticos que possam estar carregando o parasita Plasmodium vivax, e, de outro, a distribuição do malakit após treinamento efetivo dos garimpeiros. Ainda não há previsão para a inserção em território brasileiro desse método de tratamento no combate à doença.

No Brasil, o tratamento ainda é considerado a forma mais urgente de intervenção médica no contexto da malária. “Existe um guia de tratamento da doença do Ministério da Saúde, que é o tratamento com cloroquina e primaquina, no caso da malária vivax, que é a nossa principal. Pablo Amaral explica que essa é a principal forma que o país controla a doença, por meio de diagnóstico e tratamento imediato. “Ao diagnosticar e tratar, você corta a cadeia de transmissão. O mosquito precisa de uma pessoa doente para picar e sair infectando outras pessoas”.

Imagem de capa: Jim Gathany/ Wikimedia Commons

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