Por Amanda Nascimento (amanda_nascimento@usp.br), Lorenzo Souza (lorenzosouza@usp.br) e Maria Luiza Negrão (marialuizacnegrao@usp.br)
Rafael Nadal, um dos maiores nomes do tênis mundial, anunciou na última quinta-feira (10) sua aposentadoria do esporte. O anúncio ocorreu por meio de um vídeo postado nas redes sociais do atleta. No pronunciamento, Nadal disse, em tradução livre do inglês, que “nessa vida, tudo tem um começo e um fim e eu acho que este é o momento apropriado para finalizar uma carreira que foi longa e muito mais bem-sucedida do que eu jamais poderia imaginar”.
Nadal também dedicou alguns segundos do pronunciamento para agradecer à indústria do tênis — inclusive a seus “grandes rivais” —, a seu time, a sua família e a sua esposa. A despedida oficial do tenista espanhol deve ocorrer na fase final da Copa Davis de Tênis, que será entre os dias 19 e 24 de novembro, na Espanha.
Após iniciar sua carreira profissional em 2001, com apenas 15 anos de idade, o primeiro título de Rafael Nadal veio em 2004, em Sopot, na Polônia. No ano seguinte, conquistou seu primeiro Grand Slam — nome que se dá aos quatro maiores torneios do tênis mundial — as quadras de Roland Garros, na França. Obteve também dois ouros olímpicos: um em 2008, em Pequim, na disputa simples, e outro em 2016, no Rio, pela competição em duplas, ao lado de Marc Lopez. Nadal deixará as quadras não “apenas” com 92 títulos individuais e 17 em duplas ou equipes, mas também com um grande legado na história do esporte.
A tríade das raquetes
Além do legado como atleta consagrado, seus embates contra os rivais eram representações máximas do ápice do tênis masculino. Junto de Roger Federer e Novak Djokovic, formava o chamado Big Three — alcunha dada ao trio dos maiores tenistas de todos os tempos. Dentre suas conquistas lendárias estão centenas de troféus de todos os torneios do Grand Slam e do ATP Open — uma tour final após o Grand Slam, cujos atletas são apenas os oito mais bem classificados durante a temporada. Além disso, durante 18 anos, entre 2004 e 2023, a posição de número um do mundo foi ocupada por um dos três tenistas.
O Big Three do tênis, respectivamente: Roger Federer, Rafael Nadal e Novak Djokovic [Imagens: Reprodução – Wikimedia Commons]
Novak Djokovic foi o rival mais proeminente de Nadal e contra qual duelou mais vezes dentro dos campos. Ao todo, tiveram 60 partidas oficiais. Uma das mais emblemáticas foi durante a final do Australian Open de 2012, em que o duelo durou cerca de 5 horas e 50 minutos, ao todo. Após o embate, o jornalista Brian Phillips escreveu para Grantland, da ESPN, que assisti-los fazia-os parecer “essencialmente invencíveis”. Além disso, para ele, o modo de jogar de Nadal é como se o atleta lutasse contra “gigantes”. “Quando Nadal cai, ele torna a partida em vida ou morte. Fica irritado. Hesita menos. Bate a bola mais forte. Ele não parece triste ou assustado. Ele parece insolente, e ele joga como se estivesse possuído”, contou o jornalista.
Rafael Nadal e Novak Djokovic, para além dos diversos encontros na tour final do Grand Slam, tinham grandes semelhanças na habilidade técnica dentro de campo. De acordo com Àlex Corretja, ex-tenista e atual comentarista da Eurosport, “ambos são lutadores. Eles sempre dão 100% de si, e você sabe que, até o fim da partida, eles conseguem dar a volta por cima. É muito difícil conseguir os pontos”. Em entrevista ao Globo Esporte, Nadal já disse que Djokovic é seu maior rival. Na mesma medida, Djokovic declarou em 2021 que respeita muito Rafael. “Ele é o maior rival que tive em minha vida”.
Roger Federer também foi um dos grandes rivais de Nadal no Grand Slam e nas tours finais das últimas décadas. Quando Nadal revelou sua aposentadoria, Federer declarou no Instagram: “Sempre esperei que este dia nunca chegasse. Obrigado pelas memórias inesquecíveis e por todas as incríveis conquistas no jogo que amamos. Foi uma honra absoluta”. Federer e Nadal tiveram, ao todo, 40 partidas oficiais. Em seu primeiro embate, Nadal, aos 17 anos, conseguiu vencer o suíço — à época, o número um do mundo.
Nadal é o segundo esportista da tríade a encerrar a carreira, 2 anos depois de Roger Federer [Imagem: Reprodução – Wikimedia Commons]
Os dois tenistas compartilham diversos recordes. Dentre eles, estão as nove finais consecutivas que os atletas compartilharam em Roland Garros e Wimbledon. Entre 2006 e 2008, foram os únicos que se enfrentaram nas finais de ambos os torneios. A relação entre eles sempre foi competitiva e boa. Apesar de um início com algumas críticas — após a derrota de Federer no Wimbledon de 2008, ele declarou que não gostava de partidas em que você cria esperanças e, com o passar do jogo, descobre que não vai ganhar —, ambos sempre tiveram uma boa relação, recheada de conquistas e jogos acirrados.
Resiliência em cada set
A carreira do Rei do Saibro não é estranha à obstáculos. Desde seu início no profissional, aos 15 anos, Nadal sofreu com lesões regulares que forçaram sua retirada das quadras. A primeira delas, em 2003, veio após o jogador sofrer uma queda e lesionar o ombro. A contusão adiou a estreia do espanhol no Torneio de Roland Garros, o aberto da França, onde ele viria a ganhar 14 títulos — mais do que qualquer jogador da história.
O restante da década revelou ainda mais problemas para Nadal. Em 2004, o atleta perdeu os torneios franceses e ingleses, além das olimpíadas de Atenas, por conta de uma fratura por estresse no tornozelo. A temporada 2005-2006 foi encurtada devido a uma lesão em seu pé esquerdo, que o tirou de atividade por três meses. Desconforto no antebraço, tontura, inflamação no joelho e tendinite foram complicações relatadas nos anos seguintes, inclusive em 2010, quando foi eleito melhor jogador do ano.
Uma ruptura no tendão da patela obrigou Nadal a desistir das Olimpíadas de Londres, onde era esperado que ele defendesse seu ouro conquistado em Pequim na disputa simples. O ano mais difícil de sua carreira, no entanto, ainda estava por vir. O tenista começou 2014 ferindo seu pulso durante o treino e, no mês seguinte, precisou de uma cirurgia no apêndice. A maior tragédia aconteceu no Aberto dos Estados Unidos em que, disputando a final com Stan Wawrinka, dores nas costas o tiraram da disputa.
Rafael Nadal, apesar de destro, joga com a mão esquerda. Seu tio, Toni, vendo-o treinar com as duas mãos, incentivou Rafael a desenvolver a habilidade, para que o jovem ganhasse distinção no esporte [Imagem: Tanya Cicconte/Flickr]
O ouro olímpico no Rio foi um triunfo meio a dores no punho. Os aborrecimentos cessaram até 2021, quando a Síndrome de Mueller-Weiss afetou seu pé esquerdo. A condição é uma doença degenerativa, crônica e incurável que atinge os ossos do pé e provoca dores na região, o que contribuiu para a derrota de Nadal contra Djokovic em Roland Garros.
Uma injúria no iliopsoas, músculo responsável pela flexão do quadril, fez o ex-número um do mundo se ausentar da temporada de 2023. Mesmo com a volta às quadras no início deste ano, Nadal desistiu de participar de 3 Grand Slams — Austrália, Wimbledon e EUA — e não subiu ao pódio nas Olimpíadas de Paris. No total, a série de contusões privaram sua participação em 18 Grand Slams.
Gracias, Rafa
O mundo dos esportes tem prestado suas homenagens à lenda do esporte desde o anúncio do dia 10. Inúmeras palavras de carinho foram compartilhadas via redes sociais, algumas delas vindas de figuras importantes na carreira de Nadal. Djokovic escreveu no Instagram: “você inspirou milhões de crianças para começarem a jogar tênis e eu acho que essa é a maior conquista que um pode desejar. Seu legado viverá para sempre”. O tenista sérvio terminou a postagem dizendo que estará presente na última partida do espanhol na Copa Davis.
O atual número um do mundo, Jannik Sinner, descreveu Rafa como “uma verdadeira lenda do jogo, que abriu o caminho e ensinou muitos de nós como ser jogadores e pessoas”. Carlos Alcaraz, medalha de prata na disputa simples em Paris, expressou seu choque com a aposentadoria do ídolo e disse que seu legado é inimitável. Nadal e Alcaraz representaram a Espanha no torneio de duplas nos jogos olímpicos deste ano, mas foram eliminados nas quartas de final pelos norte-americanos Austin Krajicek e Rajeev Ram.
Fora do universo das raquetes, Cristiano Ronaldo, Ronaldo Nazário, Marcelo, Vinícius Júnior e Kylian Mbappé manifestaram admiração pelo Rei do Saibro, com destaque para Nazário que escreveu “Rafa, você é um verdadeiro fenômeno, dentro e fora de campo”.
Para aqueles que acompanharam de perto a jornada de Nadal, vê-la chegar ao fim tem sido complexo. Hippolyte, dono do perfil @rafael_nadal_by_hippo nas redes sociais, acompanha o tenista desde seus cinco anos e relata, em entrevista ao Arquibancada, sua história com Nadal. “As cores de sua camiseta e sua bandana primeiro me fizeram pensar que ele era um pirata”, brinca.
Hippolyte conta que sabia que o anúncio da aposentadoria estava próximo, mas isso não diminuiu sua dor quando o momento de fato chegou. Em contrapartida, o fã acredita que essa foi a decisão certa, no momento certo. Ao ser questionado sobre o legado que o ídolo deixa para o esporte, ele acredita que, além de títulos e recordes, “Nadal sai com todos os valores que compartilhava em quadra — como sua paixão, determinação e fair-play — e também seus valores como uma pessoa boa — como sua bondade, humildade e generosidade”.
A Academia Rafa Nadal by Movistar, centro de treinamento para jovens tenistas criado em 2016, é outro indicador da herança deixada pelo atleta ao esporte. Com a intenção de desenvolver as habilidades de seus estudantes dentro e fora das quadras, o nome de Rafael Nadal promete reverberar ainda por muitos anos, influenciando uma nova geração de atletas.