Por Fernanda Giacomassi
O Tênis de Mesa é um dos mais tradicionais esportes paraolímpicos, tendo representantes desde os Jogos Paraolímpicos de Verão de 1960, que aconteceram em Roma. Desde lá, a modalidade esteve presente em todas as edições dos jogos com algumas alterações no sistema de disputa, que só iriam de estabilizar no ano de 1992, em Barcelona.
No Brasil, o esporte começou a ganhar formatos oficiais a partir da década de 70, quando a Associação Nacional de Desporto para Deficientes (ANDE) organizou as primeiras competições regionais e nacionais. A companhia realizou ainda os primeiros Jogos Parapan-americanos do Rio de Janeiro, colocando o tênis de mesa de uma vez por todas no circuito para-esportivo.
Com o aumento expressivo do número de atletas e de entidades criadas para alavancar o esporte paralímpico, o tênis de mesa conseguiu finalmente formar uma seleção brasileira, estreando nos Jogos Paraolímpicos de Seul (1988) com os atletas Mário Lúcio Câmara Pires, Paulo Fernandes Marinho e Keike Shimomaebara. A partir de 1995, com a criação do Comitê Paraolímpico Brasileiro (CPB), os paratletas de tênis de mesa participam de todas as competições internacionais sob a responsabilidade do Comitê.
Os praticantes desta modalidade paralímpica são divididos de duas formas: andantes (jogam em pé) e cadeirantes (em cadeira de rodas). Atletas com paralisia cerebral, amputados ou deficientes físicomotores e mentais disputam os torneios do esporte. A entidade responsável pelo gerenciamento da modalidade é o Comitê de Tênis de Mesa Paraolímpico Internacional (IPTTC), do qual mais de 80 nações são filiadas.
Brasil: Um Gigante Paralímpico
Hegemônico no continente americano, o Brasil encerrou os Jogos Pan-americanos de Toronto (2015) com 257 medalhas, sendo que destas 109 são de ouro, bem a frente de potências como o Canadá e os Estados Unidos. O Tênis de Mesa ficou em terceiro lugar no ranking de esportes brasileiros que mais conquistaram vitórias: foram 31 medalhas, sendo 15 de ouro.
Um convênio entre o Ministério do Esporte e a Confederação Brasileira de Tênis de Mesa propiciou R$ 2,37 milhões em investimentos para o tênis de mesa paralímpico. Os valores foram utilizados para equipar os CTs de Brasília (cadeirantes) e Piracicaba (andantes). Há ainda um outro convênio, de cerca de R$ 1,49 milhão, para viagens. Além disso, os seis mesatenistas da equipe paralímpica permanente de Brasília recebem Bolsa-Atleta ou Bolsa-Pódio do Governo Federal. Esse incentivo faz parte da proposta brasileira de achar, a cada dia mais, novos talentos para o esporte a fim de potencializar a seleção para a disputa das Olimpíadas Rio 2016.
De olho no Cristo
Um dos atletas que compõe a seleção brasileira de tênis de mesa paralímpico é Paulo Salmin, que aceitou conversar com o Arquibancada. O Jauense de 22 anos é dono de dois dos ouros brasileiros de Toronto e treina agora em Piracicaba sonhando com os jogos olímpicos da cidade maravilhosa.
Arquibancada: Segundo uma entrevista, você nasceu sem o fêmur da perna direita. O que teve que ser feito? Você amputou a perna ainda criança?
Salmin: Isso mesmo, minha patologia é fêmur curto congênito. Minha mãe não quis saber meu sexo quando engravidou e, por isso, não soube da deficiência antes do parto. Assim que descoberto, fui encaminhado para AACD [Associação de Assistência à Criança Deficiente] e todo meu processo de reabilitação foi feito lá. Até uns 12 anos de idade.
A: Que classe da divisão paraolímpica de mesa-tenistas você está?
S: É um pergunta curiosa, por que muitas matérias que sou classe 8. Na verdade já fui até setembro de 2013, depois passei por uma reclassificação funcional na Republica Tcheca e desci para Classe 7.
A: Quando, onde e por que você começou a praticar este esporte?
S: Comecei a praticar em Jaú, na cidade que cresci. Fazia aulas extras de futsal a noite no colégio e nesse tempo, dividíamos a quadra com o pessoal que treinava tênis de mesa. Em um desses encontros a técnica Daniela Bassi me convidou e fui lá conhecer. Nunca mais parei.
A: Quais caminhos você seguiu para conseguir uma vaga na seleção brasileira, e com quantos anos?
S: Fui meio precoce, pulei algumas etapas para chegar na seleção. Em 2008 por exemplo eu era campeão da copa do brasil logo na minha estreia. Não havia ganhado nenhum título paulista ainda como jogador. Ingressei na seleção brasileira com 15 anos, no ano de 2009 e a partir disso nunca mais sai desse seleto grupo.
A: Quais campeonatos e vitórias foram mais importantes na sua carreira?
S: Olha, eu costumo dizer que minha principal vitória será a próxima, sem dúvida. Sou vítima do processo que me trouxe e me colocou nesse lugar. Mas claro não podemos deixar de lembrar dos títulos parapan-americanos e o quinto lugar no último mundial da categoria na China.
A: Quantas vezes você treina por semana, dia?
S: Treino de segunda à sexta. Os treinos técnicos são divididos em 9 sessões semanais – duas vezes ao dia, com uma folga – e ainda temos o apoio de uma equipe multidisciplinar que tem um papel muito grande em nossas conquistas.
A: Você recentemente trocou sua prótese. Você sentiu mudanças no seu rendimento como atleta?
S: Sem dúvida. Peguei essa prótese de carbono, igual dos corredores, em janeiro desse ano. Foi um período árduo de adaptação, porém agora os resultados estão consequentemente vindo, e meu nível de movimentação na mesa é outro, sem dúvida.
A: Você recebe alguma bolsa do governo para representar a seleção? Você vive do esporte?
S: Vivo sim, hoje me dedico única e exclusivamente ao tênis de mesa, alimentando esse sonho Rio 2016. Recebo salário da seleção e algumas bolsas, além de patrocínios.
A: Qual é seu maior objetivo, sonho como mesa-tenista?
S: Parece clichê, mas, hoje, o que nos alimenta e está muito brilhante nos nossos sonhos se chama Rio 2016. Vai ser um marco na história do país, provavelmente nós não veremos mais um jogos olímpicos em casa. Poder disputar um campeonato dessa magnitude e ainda em casa, vai ser uma experiência absurda.
A: Como você enxerga, hoje, o esporte paralímpico brasileiro?
S: Hoje o Time Brasil Paraolímpico é muito, mas muito forte. Brigamos contra potências que já estão nesse patamar a muito tempo. Temos uma leva extremamente talentosa e que vem se reciclando e se aprimorando a cada prova. E uma molecada que se bobear pega nosso lugar. Que bom que é assim!
A: Qual é a sensação de ganhar um ouro pelo Brasil?
S: Acho que o símbolo disso tudo é ouvir o Hino do Brasil tocando por sua causa, não existe que não se amoleça, não tem que não se emocione. Uma história passa, tudo que você lutou e deixou pra trás pra poder passar por aquele momento único: dores, vontade de parar, família, dinheiro, pressão e muito mais coisas que só quem está la dentro vê.
A: O que você diria para alguém que está começando agora em um esporte e sonha em ser da equipe brasileira?
S: Olha, a seleção brasileira só tem monstro. Todos nós chegamos aqui deixando família em casa, tomando vários “nãos”, mas nunca deixando de acreditar em nós mesmos. Hoje somos nós e amanhã podem ser vocês.