Jornalismo Júnior

logo da Jornalismo Júnior
Generic selectors
Exact matches only
Search in title
Search in content
Post Type Selectors
Generic selectors
Exact matches only
Search in title
Search in content
Post Type Selectors

Por que as mulheres não se tocam?

As dificuldades que as mulheres enfrentam para conhecer o próprio corpo e como isso afeta sua sexualidade

Era um momento qualquer de procrastinação quando vi, no YouTube, o título Tour pelos meus vibradores, da Luiza Junqueira. Era um vídeo muito informativo e interessante. Acho incrível ver mulheres falando sobre sua sexualidade abertamente ainda mais quando é para ajudar outras a explorar a própria sexualidade também. Fiquei muito empolgada com a ideia do vídeo. Mas, ao mesmo tempo, agora saindo da bolha do feminismo, fiquei triste por já imaginar as críticas que a youtuber receberia. Provavelmente, seria ridicularizada e xingada. 

Eu não sei se isso aconteceu, mas só de pensar, me deixou triste. Afinal, o que tem de tão sujo e errado em uma mulher se masturbando? 

A resposta é fácil: nada. Não tem nada de errado em se descobrir e gostar de si mesma. No entanto, muitas pessoas pensam o contrário e acham que mulheres não devem expressar sua sexualidade. Desde criança, aprendemos que meninas não devem sentar de pernas abertas e não devem encostar em suas genitais. Karen, que hoje tem 20 anos, conta que, na infância, recebia chamados de sua mãe ao olhar as partes íntimas no espelho. “Eu olhava por curiosidade mesmo, não era nem por maldade, até porque eu era criança. E minha mãe ficava tipo: ‘fecha essas pernas’, ‘não pode fazer isso’, ‘senta direito.’ E isso fazia eu inconscientemente me retrair.” Assim, por algum tempo, Karen se sentia culpada ao ter prazer e vontades. Segundo ela, muito disso estava ligado à religião e à educação que recebeu de seus pais.

A atitude da mãe de Karen é apenas uma das formas comuns de repressão da sexualidade feminina, que faz com que as mulheres não conheçam o próprio corpo. Segundo a Mosaico 2.0, pesquisa de 2017 feita na Universidade de São Paulo (USP) e liderada pela psiquiatra e sexóloga Carmita Abdo, 40% das mulheres não se masturbam. Isso mesmo, quase metade. 

Masturbação feminina ainda é tabu
Masturbação feminina ainda é tabu [Imagem: reprodução]
De acordo com Gabriela Daltro, formada em psicologia pela Pontifícia Universidade Católica (PUC) e especializada em sexualidade pela USP, outro dos motivos para isso é o fato de que a mulher não recebe nenhuma informação direta sobre masturbação em praticamente nenhum canal nem na família, nem na escola, nem na mídia. Isso é a repressão indireta da sexualidade feminina. Afinal, como a mulher vai se masturbar se ela não sabe como?

Parei para pensar, e faz sentido. Eu mesma demorei anos para descobrir o que era masturbação, e ainda mais tempo para descobrir o que é o orgasmo feminino o que não significa que eu não tinha. Foi difícil porque eu não sabia para quem perguntar, e na internet é difícil achar esse tipo de conteúdo fora da pornografia. Nesse contexto, a série Explicando, da Netflix, tem um episódio muito esclarecedor sobre orgasmo feminino.

Enfim, fui começar a entender melhor sobre isso no fim da minha adolescência, quando eu já, inclusive, tinha relações sexuais. E, até então, me sentia anormal. Eu achava que era incapaz de gozar. Agora, alguns anos depois, Gabriela Daltro me falou que isso acontece bastante. Ela disse que, realmente, não se conhecer leva muitas mulheres a se sentirem inadequadas, culpadas, esquisitas, anormais. E isso gera uma série de problemas emocionais e problemas de relacionamento. 

No fim das contas, eu não era anormal. Eu era como grande parte das mulheres: não possuía informação o suficiente a respeito, pois dificilmente se fala sobre sexualidade feminina. E, na verdade, nem dá para culpar as mulheres por isso. Quando uma fala, é massacrada. Fica mal vista entre os conhecidos, é mal falada e duramente criticada como se uma mulher que fala abertamente sobre sexo e sexualidade estivesse se oferecendo para os outros. Isso me lembra de quando conheci o canal da Dora Figueiredo. Ela fala sobre sexo, com um conteúdo voltado para ambos os gêneros. A Dora tem vários vídeos de dicas sobre masturbação, sexo e relacionamento que são realmente muito informativos. Mas nos comentários de seus vídeos, ela era tratada como uma atriz pornográfica, com insinuações sexuais e dizeres desagradáveis. Esse tipo de coisa faz com que as mulheres não se sintam à vontade para falar de sua sexualidade.

O grande problema de não falar é que essa falta de informação sobre o corpo feminino faz com que a gente tome como referência o corpo masculino, que é totalmente diferente.  Bruna*, que tem 19 anos, conta que, quando criança, mesmo nas aulas da escola sobre sexualidade, nunca se falava sobre masturbação. E ela só foi descobrir o que é isso quando os meninos começaram a comentar. Ela disse que, já no quinto ano do ensino fundamental, os amigos falavam abertamente sobre como se masturbavam e tinham orgasmos. Mas, quando Bruna tentava conversar sobre masturbação com suas amigas, na maioria das vezes elas ficavam constrangidas. Assim, tudo que ela sabia sobre o assunto vinha dos meninos.

Isso é bem comum, na verdade. A psicóloga e sexóloga Daltro fala sobre: “Como o corpo e a sexualidade da mulher são sempre comparados à sexualidade masculina, o jeito como o sexo ocorre no corpo do homem e como ele funciona para o homem costuma ser a referência das mulheres. E o corpo feminino funciona de uma forma completamente diferente para sexualidade e para o prazer.”

Por isso muitas meninas, na adolescência, acham que não são capazes de gozar. Assim como eu e Bruna pensávamos há alguns anos, muita gente acha que o orgasmo está diretamente relacionado com um líquido branco sendo expelido do órgão genital, que é o que acontece no orgasmo masculino. Na mulher, na maioria das vezes isso não acontece.

Mas as dificuldades vão muito além disso. Mesmo as meninas que entendem que há diferenças entre sexualidade masculina e feminina têm dificuldade para se masturbar e compreender a sua sexualidade. Marina*, na pré-adolescência, ficava com a calcinha molhada ao assistir pornografia, mas não entendia o que era aquilo. “Eu ficava pensando, ‘será que eu fiz xixi?’”, conta. Alguns anos depois, Marina tentou se masturbar pela primeira vez, mas não deu muito certo porque não fazia ideia da função do clitóris.

“Você não ouviu falar sobre o milagre da masturbação?”
“Você não ouviu falar sobre o milagre da masturbação?” [Imagem: reprodução]
Quem nasce menino não costuma ter grandes dificuldades a respeito de sua sexualidade nesse sentido. Ela é, pelo contrário, cobrada dos homens. Alice* tem 18 anos e conta que, apesar de ninguém da família falar sobre nada relacionado à sexualidade com ela, com seu irmão, que é seis anos mais novo, o pai fala. Por isso, Alice só tinha uma pessoa com quem podia conversar sobre masturbação: sua melhor amiga. Mesmo assim, era esquisito.

Segundo Daltro,  a sexualidade masculina é tratada com permissão e estimulada no seu desenvolvimento e a sexualidade feminina é tratada com repressão ou silêncio, sendo desestimulada. Enquanto espera-se do homem a virilidade, no caso das mulheres, existe sempre uma busca pela docilidade, pela não manifestação da sexualidade. 

Daí surge o dito de que a mulher tem mais dificuldade para alcançar o orgasmo, que Daltro afirma não ser totalmente verdadeiro. Ela diz que são caminhos diferentes, não uma questão de ser mais fácil ou mais difícil. A psicóloga ainda acrescenta que a mulher é muito mais orgásmica que o homem, pois pode ter orgasmos mais longos, mais intensos e em quantidade muito maior do que eles. 

Para a sexóloga, esse dito só é verdadeiro no sentido de que a mulher não ensina o próprio corpo a sentir e, por isso, ela acredita que seja importante se masturbar. Mas ressalta que a construção social de que o corpo feminino é mais difícil não é verdade. Daltro afirma que, na realidade, ele é menos explorado, menos investigado e, inclusive, menos pesquisado cientificamente. Pensando nisso, ela criou o movimento Amo Como Sou, levando conteúdo de qualidade para mulheres sobre relacionamento, auto-estima e sexualidade.

A não-exploração do próprio corpo é muito prejudicial para as mulheres. De acordo com Daltro, a mulher que não se toca e não se conhece tem menos probabilidade de sentir prazer na relação sexual, de ter orgasmo, e de sentir desejo. Quem não estimula o próprio corpo e não descobre suas zonas erógenas terá muito mais dificuldade para ter prazer no futuro.

Além disso, a mulher que não se toca fica muito mais suscetível a mitos e tabus, segundo a sexóloga. Assim, ela tende a acreditar mais no que outros falam sobre seu corpo, já que mal o conhece.

A mulher precisa se explorar e se conhecer, tanto quanto o homem. Eu, Karen, Bruna, Marina e Alice tivemos um final parecido: a gente aprendeu a se tocar. E, para todas, foi libertador.

“Eu assumo para todo mundo: bato siririca mesmo e é necessário. Eu acho que se eu não tivesse me tocado, se eu não tivesse me conhecido, eu não ia conseguir ensinar para outra pessoa os meus caminhos, sabe?  Na minha cabeça, ninguém vai fazer do jeito que eu gosto de fazer, que é o melhor para mim. Mas pode chegar perto, e a masturbação é um ponto muito chave para isso.” afirma Karen.

"À masturbação"
“À masturbação” [Imagem: reprodução]
*Nome fictício.

 

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Rolar para cima