Imagem de capa: Letícia Tanaka
Drauzio Varella lançou no começo de 2017 Prisioneiras, livro que fala sobre, as particularidades e a complexidade do cotidiano de um presídio feminino. Este é o último livro de uma trilogia, como o próprio autor diz, composta por Estação Carandiru e Carcereiros.
O terceiro livro segue a mesma estrutura que os dois anteriores, trazendo as histórias de algumas presas, a hierarquia, as relações internas e as dores do cárcere. Tudo isso com uma linguagem simples e sem julgamentos morais, o que torna esse livro tão bom quanto os outros dois. Mas Prisioneiras tem algo a mais, pois a sensibilidade com que o autor trata do universo feminino dentro da cadeia nos mostra a insensibilidade com que ele é tratado fora dela.
O livro começa com a descrição física da cadeia, muito abstrata no início, mas as imagens colocadas em uma sessão separada do livro facilitam a compreensão do que é contado. Mas, além de saciar a nossa curiosidade física de como é uma penitenciária, Dráuzio explicita as relações internas entre as detentas e é isso que prende a nossa atenção.
Prisioneiras, assim como Estação Carandiru, é um relato detalhado de como o PCC se apossou do comando interno das cadeias femininas do Brasil. O médico conta em seu primeiro livro, e retoma no terceiro, que a facção só conseguiu se estabelecer no poder por descaso do Estado. As presas relatam que, antes do Comando se instalar na penitenciária, a paz era impossível. Mortes diárias, esfaqueamentos, brigas, roubos internos, tudo foi amenizado com a entrada da facção no presídio. É mais fácil, como nos mostra, que o indivíduo escolha aquele que pode te ajudar a sobreviver dentro e fora da cadeia.
Entretanto, quem redige a penitenciária feminina não são as “irmãs” (mulheres filiadas ao PCC), elas são apenas mensageiras dos problemas e juízas de primeira instância. A vida das mulheres continua a ser comandada por homens, mesmo em cárcere e, muitas vezes, por homens que as colocaram nesse mundo.
As histórias de mulheres que compõem o livro são um teste para o estômago de qualquer ser humano. São moças de 25 anos que tiveram 8 filhos, mulheres abusadas aos 10 anos de idade por padrastos e avôs, enganadas pelos namorados traficantes, usadas para traficar drogas em cadeias masculinas e depois trocadas por outras. Mulheres que sofreram todo o tipo de machismo e abuso que a vida pode oferecer e que terminaram no mundo do crime por não terem outras oportunidades, não conhecerem outros mundos. As que possuem escolaridade, que tinham apenas curiosidade sobre o mundo do crime ou que cometeram pequenos deslizes, são exceção.
O autor passa grande parte do livro fazendo relações entre o que vê na penitenciária feminina com o que via no antigo Carandiru, para mostrar as semelhanças e diferenças entre eles. O mais marcante é o abandono das mulheres detidas. Segundo Drauzio, a fila de visitantes no presídio masculino era imensa, mais de 75% dos presos recebiam visita de mães, esposas, namoradas, irmãs, irmãos e filhos. Não se sabe ao certo o porquê, mas há especulações de todos os tipos, que podem estar todas certos. Esse abandono torna a vida mais insuportável, assim como a distância dos filhos, as incertezas de onde eles estão, se vão sobreviver sozinhos ou quando a mãe sair da cadeia.
A infância dura, os abusos sexuais e morais, o uso de drogas, a falta de oportunidade, tudo é contado em Prisioneiras, da forma que deveria ser nos noticiários: colocando o fator humano na frente do fator criminal. Dessa forma, no final do livro, Drauzio consegue chegar às reais questões da criminalidade e nos erros do Estado, que viabilizam o aumento da violência ano a ano. O último livro da trilogia de Varella é uma leitura obrigatória para que se possa entender e perceber o quão desumana é a nossa sociedade e o sistema penitenciário brasileiro.
Por Letícia Martins Tanaka
leticiamtanaka@usp.br