Jornalismo Júnior

Generic selectors
Exact matches only
Search in title
Search in content
Post Type Selectors
Generic selectors
Exact matches only
Search in title
Search in content
Post Type Selectors

Quanto custa uma eleição no Brasil?

Os bastidores econômicos da política brasileira e o papel do dinheiro nas urnas, segundo análise de especialista
Por Sofia Matos (sofi.matos@usp.br)

Por trás dos jingles, das cores partidárias e das promessas de campanha, existe uma engrenagem silenciosa, mas determinante: o dinheiro. No Brasil, vencer uma eleição não depende apenas de ideias, carisma ou trajetória política. Depende, também, de recursos. O financiamento de campanhas, seja público ou privado, revela muito sobre quem realmente tem acesso ao poder e sobre os limites da nossa democracia representativa, modelo político em que os cidadãos não decidem as questões públicas diretamente, mas elegem pessoas que tomarão decisões em seu nome. Em outras palavras, a população transfere poder aos seus representantes, que passam a falar e agir pelo coletivo.

Até 2015, empresas podiam financiar candidatos e partidos políticos no Brasil. Esse modelo movimentava bilhões de reais a cada eleição, mas tornou-se cada vez mais questionado por favorecer candidaturas com forte apoio empresarial e ampliar o desequilíbrio entre concorrentes. A situação chegou ao limite durante a Operação Lava Jato, quando ficou evidente como doações corporativas eram usadas, em muitos casos, para comprar influência e garantir contratos públicos.

Diante desse cenário, o Supremo Tribunal Federal decidiu, em setembro de 2015, proibir as doações empresariais, alegando que elas distorciam o processo democrático e abriam espaço para relações indevidas entre grandes grupos econômicos e o Estado. A partir daí, o sistema eleitoral brasileiro passou por uma mudança profunda. 

Com o fim dessas doações, surgiram novas formas oficiais de financiamento: o Fundo Partidário e, principalmente, o Fundo Eleitoral, abastecidos exclusivamente com dinheiro público. Esses fundos se tornaram as principais fontes de recursos das campanhas e abriram novos debates sobre transparência, distribuição de verbas, concentração de poder nas cúpulas partidárias e o papel do Estado no financiamento da política. 

Mais do que discutir cifras, é preciso compreender os bastidores econômicos desse novo modelo: como o dinheiro molda o debate público, define quem aparece e quem fica invisível, e determina, muitas vezes, quem realmente tem chances de vencer. Afinal, o voto é livre quando o poder econômico pesa tanto na balança?

Vitor Peixoto e a relação com o estudo da eleição

Vitor de Moraes Peixoto é doutor em Ciência Política e professor associado da Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro (UENF), onde atua como membro permanente do Programa de Pós-Graduação em Sociologia Política. Atualmente, é também tesoureiro da Associação Latino-Americana de Ciência Política (ALACIP) e autor do livro Eleições e Financiamento de Campanhas no Brasil (2016). Suas pesquisas se concentram na relação entre política, dinheiro e poder, analisando o comportamento eleitoral e os mecanismos de financiamento das democracias contemporâneas.

Em entrevista à Jornalismo Júnior, Vitor Peixoto discute sobre como são feitas as eleições no Brasil hoje.

J.Press – A eleição brasileira é realmente “livre”?

Vitor Peixoto – Sim, em todos os aspectos. Todos os requisitos necessários para que as eleições sejam consideradas livres em um regime democrático são cumpridos no Brasil. Em áreas de alta complexidade social, como favelas e centros urbanos dominados pelo tráfico ou por milícias, ainda há resquícios de violência eleitoral. Mas, em sua grande maioria, as eleições brasileiras são livres sob qualquer parâmetro democrático que se analise.

J.Press – Como o fim das doações empresariais transformou o financiamento das campanhas e quais foram os impactos reais sobre a influência do dinheiro na política?

Vitor Peixoto – O dinheiro continua tendo muita influência, mas ele mudou de mãos. Antes, grandes empresas financiavam campanhas, o que gerava acesso privilegiado ao poder político. Com a proibição das doações empresariais, em 2015, os partidos precisaram substituir esse montante e optaram por criar um fundo estatal. Assim, houve uma estatização das campanhas. Hoje, os líderes partidários concentram o controle sobre os recursos públicos. O lado positivo é a possibilidade de regular o financiamento e destinar verbas obrigatórias a minorias, como mulheres e pessoas negras. O lado negativo é que os próprios políticos definem quanto querem gastar, o que levou o fundo a atingir cifras bilionárias.

J.Press – Há quem defenda a volta das doações privadas em nome da “liberdade política”. Isso representaria um avanço democrático ou um risco de retrocesso na transparência?

Vitor Peixoto – Já tivemos muitos problemas com empresas que, ao financiar campanhas, obtinham acesso privilegiado ao poder. O que faltava, na minha opinião, eram limites muito claros a essas empresas e mais transparência nessas doações pois, tinha muitas empresas fazendo doações muito grandiosas e tendo acesso privilegiado. Foi um avanço ao proibir isso. O erro foi não termos obrigado os partidos a buscarem o financiamento junto às pessoas físicas, fortalecendo os laços com seus eleitores e, obviamente, não onerando os cofres públicos [isto é, não aumentando os gastos do Estado com recursos que saem do orçamento e poderiam ser usados em outras áreas essenciais] com as campanhas de forma tão virtuosa como agora. O ideal seria que os partidos buscassem apoio direto de seus eleitores, criando vínculos reais e reduzindo o peso do dinheiro público nas campanhas.

J.Press – Qual é o papel do Fundo Eleitoral dentro do sistema democrático e quais são seus principais desafios?

Vitor Peixoto – O aspecto positivo é o acesso de minorias a esses recursos, mulheres, pessoas pretas e indígenas, por exemplo. Mas o problema é a falta de limites, os próprios políticos definem o valor do fundo, e isso faz com que ele cresça de forma descontrolada. A ausência de pudor em destinar mais de 4 bilhões [valor definido para o ano de 2026 para financiar as eleições nacionais, retirado diretamente do orçamento público e distribuído aos partidos para gastar com propaganda, viagens, produção de conteúdo e estrutura de campanha] às campanhas é o ponto mais crítico.

O Fundo Eleitoral brasileiro é hoje um dos maiores do mundo, superando o orçamento de campanhas de países europeus inteiros [Imagem: Reprodução/ Wikimedia Commons]

J.Press – De que forma o dinheiro molda o debate público, quem é ouvido e quem fica invisível durante as campanhas?

Vitor Peixoto – Apesar da percepção de que as redes sociais democratizaram o acesso à informação, o dinheiro ainda é determinante. Candidatos sem capital permanecem invisíveis para grande parte do eleitorado. Assim, embora a internet tenha transformado a dinâmica das campanhas, a desigualdade de acesso e a influência do dinheiro continuam sendo fatores centrais, tornando o processo pouco transparente e mantendo barreiras para novos participantes.

“Quem possui recursos financeiros consegue impulsionar sua campanha, garantir presença nas redes sociais e alcançar maior visibilidade.”

Vitor Peixoto

J.Press – Sobre a desigualdade de gênero nas campanhas. A falta de recursos para mulheres e minorias é um problema econômico ou cultural dentro dos partidos? 

Vitor Peixoto – É um problema estrutural que combina as duas coisas. A sociedade brasileira é machista, misógina e patriarcal, e isso se reflete dentro dos partidos. O financiamento de mulheres e minorias ainda enfrenta resistências, e muitos partidos buscam formas de driblar a lei, criando candidaturas falsas ou subutilizando a cota de 30%. Há avanços, mas também muitos subterfúgios, candidaturas laranjas, candidaturas que são para repassar recursos.  Então, os partidos acabam criando um mecanismo para poder burlar a norma que tende a produzir igualdade de gênero.

J.Press – O horário eleitoral gratuito ainda tem relevância diante da força das redes sociais? É possível vencer uma eleição com menos dinheiro, mas mais estratégia digital?

Vitor Peixoto – Inicialmente, acreditava-se que a internet poderia substituir o Horário Gratuito de Propaganda Eleitoral (HGPE) e tornar campanhas mais acessíveis a candidatos com menos recursos. De fato, surgem casos de outsiders que viralizam sem grande estrutura. No entanto, ainda é ingênuo acreditar que a ausência de dinheiro elimina desigualdades. O HGPE continua relevante, especialmente após a fragmentação em spots ao longo do dia [ao invés de um bloco único de propaganda, as campanhas passaram a ser divididas em pequenas inserções de poucos segundos distribuídas pela programação televisiva, aumentando a frequência e a exposição dos candidatos, algo que beneficia quem já possui maior estrutura de comunicação], e o marketing digital ainda depende de investimento financeiro para impulsionamento. Assim, mesmo com a internet, os recursos continuam determinando alcance, visibilidade e sucesso eleitoral.

J.Press – Como o marketing digital redefine o equilíbrio entre poder econômico e influência política?

Vitor Peixoto – A internet não democratizou totalmente o acesso político. O monopólio dos grandes meios de comunicação foi reduzido, mas a visibilidade nas redes depende de recursos financeiros. Grupos econômicos e ideológicos com maior poder de investimento dominam os impulsionamentos e narrativas online, enquanto candidatos sem capital permanecem invisíveis. A internet mudou a forma da campanha, mas não eliminou a influência do dinheiro sobre quem é ouvido e quem permanece à margem.

J.Press – E nas cidades do interior, onde há menor fiscalização, como você enxerga práticas como compra de votos e favores políticos?Vitor Peixoto – Nos pequenos municípios, a proximidade pessoal entre candidatos e eleitores torna práticas como favores e troca de benefícios mais eficazes. A mobilização ocorre por laços familiares e redes de relacionamentos. Embora exista a ideia de que esse fenômeno seja restrito ao interior, grandes centros também apresentam desigualdades, apenas em escala mais impessoal. No interior, é mais fácil encontrar e interagir com políticos localmente, enquanto nos grandes centros esse acesso é dificultado. O desafio maior, atualmente, é garantir liberdade eleitoral nas grandes cidades, em áreas dominadas por milícias e facções.

O tempo de cada partido no HGPE é calculado com base no tamanho de sua bancada no Congresso Nacional [Imagem: Reprodução/ Wikimedia Commons]

J.Press – Se o voto é igual para todos, por que o dinheiro ainda decide quem pode ser ouvido nas urnas?

Vitor Peixoto – Porque o poder econômico facilmente se converte em poder político. Esse é um desafio de toda democracia. O equilíbrio entre igualdade política e desigualdade econômica é frágil e é preciso impedir que os grandes interesses econômicos distorçam a representatividade popular.

J.Press – O “pão e circo”, os favores e os shows ainda são estratégias eficazes para garantir votos?

Vitor Peixoto – Ainda são. Em cidades mais carentes, eventos e promessas imediatas têm forte apelo eleitoral. Mas isso também ocorre em grandes centros, com prefeitos usando grandes shows para justificar gastos sob o argumento de que geram turismo e movimentam a economia. No Rio de Janeiro, por exemplo, o Eduardo Paes é o tempo todo questionado se os shows da Madonna, Lady Gaga e outros também não fazem parte de uma estratégia de pão e circo [expressão que vem da Roma Antiga e se refere ao uso de entretenimento e benefícios imediatos para distrair a população de problemas estruturais], e ele se defende dizendo que movimenta a economia local, que isso traz turismo, isso desenvolve a rede hoteleira, os pequenos comerciantes, produz emprego e muito mais. O pão e circo persiste, só muda de escala.

J.Press – Como o poder econômico local influencia o resultado das eleições em municípios pequenos, onde todos se conhecem?

Vitor Peixoto – No interior, o poder familiar é mais forte que o econômico. As relações de parentesco e proximidade mobilizam o eleitorado de forma intensa. Por isso, o comparecimento é maior nas eleições municipais. Já nas campanhas estaduais e federais, o poder econômico prevalece, o custo de deslocamento, produção e visibilidade é muito mais alto.

J.Press – Muitos eleitores consideram o financiamento público das campanhas um “desperdício”. Como você explicaria esse custo dentro de uma democracia?

Vitor Peixoto – Toda eleição tem um custo, e ele precisa ser dividido igualmente. O problema não é o financiamento público em si, mas o seu tamanho e a falta de limites. O Brasil realiza eleições continentais, com mais de 150 milhões de eleitores, e isso exige uma estrutura gigantesca. O que se tornou desproporcional foi o valor destinado às campanhas, definido pelos próprios políticos, um sistema em que quem decide o orçamento é quem mais se beneficia dele.

A urna eletrônica brasileira não é conectada à internet, por isso, não pode ser hackeada remotamente [Imagem: Reprodução/Wikimedia Commons]

J.Press – É possível pensar em uma democracia real enquanto o voto ainda é tratado como mercadoria nas regiões mais vulneráveis?

Vitor Peixoto – O problema não está restrito às regiões vulneráveis economicamente, a influência do dinheiro permeia todo o sistema político. A compra de votos é apenas uma das faces desse desequilíbrio. A questão central é que o dinheiro ainda dita o ritmo da representação, para garantir uma democracia real, é preciso reduzir essa influência e tornar o acesso político mais equitativo.

J.Press – Afinal, quanto custa uma eleição no Brasil hoje e quem paga essa conta?

Vitor Peixoto – O fundo eleitoral previsto para 2026 é de R$4,9 bilhões, custeado por toda a população. Esses recursos poderiam ser destinados à saúde, educação ou outros serviços. O valor do fundo é definido pelos próprios políticos, concentrando poder e favorecendo aqueles já inseridos no sistema. Quem paga a conta é a população, e o tamanho desses recursos ultrapassa o que seria razoável, mesmo sendo necessário para a organização das eleições.

[Imagem de capa: Reprodução/Wikimedia Commons]

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Rolar para cima