“O futebol é um espaço das mulheres, é protagonizado
por elas e [elas] merecem essa celebração”
Silvana Goellner
Em ano de Copa do Mundo Feminina, o Museu do Futebol recebe a exposição temporária Rainhas de Copas, que proporciona ao visitante uma viagem no tempo para conhecer a história dos mundiais femininos, destacando as participações da Seleção Brasileira de Futebol Feminino na competição. A mostra expõe histórias até hoje pouco conhecidas, como o Torneio Experimental de 1988 ou o protesto na final de 2007 por maior apoio do público e das organizações de futebol.
Silvana Goellner, ativista do futebol de mulheres e uma das curadoras da exposição, disse em entrevista à Jornalismo Júnior que a mostra busca explorar e celebrar a trajetória das mulheres no futebol, a fim de expor que elas sempre estiveram presentes no esporte. “A gente quer mostrar que o futebol é um espaço das mulheres, é protagonizado por elas e que [elas] merecem essa celebração”, comenta. Além dela, participaram da curadoria Aira Bonfim, Lu Castro e Juliana Cabral (ex-zagueira da seleção).
A participação de Juliana contribuiu para a exposição ter um ar intimista, o que faz o visitante imergir no mundo do futebol feminino. [Imagem: Acervo Pessoal/Miriã Gama]
Localizada no Museu do Futebol no Estádio do Pacaembu (Praça Charles Miller, s/n), a exposição ficará disponível até 27 de agosto de 2023, com funcionamento de terça a domingo, das 9h até às 18h – com entrada permitida somente até 17h. Os ingressos custam R$20 (inteira) e R$10 (meia), com gratuidade às terças-feiras para o público geral e todos os dias para crianças de até 7 anos.
DNA da realeza
Para contar o início da história da seleção feminina, estão expostos diversos textos sobre o primeiro torneio feminino, que ocorreu em 1988 e foi chamado pela FIFA de “Torneio Experimental de Futebol Feminino”. Devido à descrença no potencial do campeonato e ao baixo investimento feito pelos organizadores, essa competição não foi televisionada e ocorreu precariamente, o que a faz ser pouco conhecida até hoje.
A exposição disponibilizou uma cópia do telegrama recebido pela jogadora Márcia Honório que convidava a seleção brasileira a participar do Torneio Experimental [Imagem: Acervo Pessoal/Luíse Silva]
Graças a repórter Cláudia Silva, que ainda era estagiária na época, há registros fotográficos dessa seleção pioneira. As fotos estão em exibição na Rainhas de Copas.
Além de todo o preconceito que enfrentaram na época, as jogadoras tiveram que passar também pelo menosprezo por suas capacidades físicas. Antes do torneio, cogitou-se a substituição da bola tradicional por uma de tamanho menor, indicada para praticantes de 8 a 14 anos. Apesar dessa ideia ter sido descartada, as jogadoras não escaparam da subestimação e jogaram apenas 80 minutos — dez a menos do que o normalmente praticado.
Jogadoras da seleção feminina que participaram do Torneio Experimental de 1988 [Imagem: Acervo Pessoal/Luíse Silva]
Três anos depois, em 1991, foi realizada oficialmente a primeira Copa Mundial de Futebol Feminina, apesar da relutância da Federação Internacional em dar esse nome. A equipe brasileira caiu na chave com as seleções do Japão, Suécia e Estados Unidos e foi eliminada ainda na fase de grupos. Em 1995, ocorreu a segunda edição oficial do torneio, oficialmente nomeado como “Copa do Mundo FIFA”.
A exposição também dá destaque para a Copa de 2007, na qual o Brasil ficou em segundo lugar. As jogadoras Marta, Sissi, Formiga e Cristiane, grandes nomes daquela edição, marcaram a história da modalidade. Na mostra, estão colocadas placas que contam as grandes conquistas delas e a trajetória individual de cada uma no futebol. Além disso, recursos de vídeo mostram o histórico gol de Marta na semifinal da copa de 2007.
Equipe participante da terceira edição da Copa do Mundo, que aconteceu nos Estados Unidos [Imagem: Acervo Pessoal/Luíse Silva]
“Brasil, precisamos de apoio”
A melhor marca da seleção feminina em Copas permanece sendo a final da Copa do Mundo de 2007, na China; campanha que não foi marcada apenas pelo jogo bonito, mas também pelo protesto das jogadoras brasileiras durante a premiação do campeonato. Em um improviso, a simples fronha de hotel se tornou uma faixa e um recado direto foi escrito nela: “Brasil, precisamos de apoio!”
Num misto de emoção e revolta, a luta das atletas por mais investimentos e atenção ganharam os holofotes da final [Imagem: Acervo Pessoal/Miriã Gama]
Essas quatro palavras repercutiram entre a imprensa e esquentaram o tom do embate entre a seleção feminina e a Confederação Brasileira de Futebol (CBF), mesmo que a faixa tenha sido uma reivindicação geral por apoio, muito direcionada ao público, não somente à entidade. Como um dos reflexos do protesto e da conquista do vice-campeonato, veio o primeiro torneio oficial de futebol organizado pela CBF para as mulheres: a Copa do Brasil de Futebol Feminino realizada de 2007 a 2016.
Numa análise geral, o futebol feminino sempre esteve atrasado quando comparado a modalidade masculina. Olhando apenas para a Copa do Mundo, 61 anos separam o primeiro mundial deles, em 1930, e a primeira edição oficial delas, que ocorreu somente em 1991. Essas seis décadas de atraso prejudicaram a disseminação da modalidade, os investimentos por parte das entidades de futebol e contribuíram para o machismo e o preconceito contra as jogadoras.
No Brasil, enquanto os homens já haviam disputado diversas copas e eram tricampeões mundiais, as mulheres ainda eram impedidas por lei de jogar futebol – devido ao decreto 3.199, de Getúlio Vargas, que esteve vigente de 1941 até 1979. Para as mulheres, nem sempre o Brasil foi o país do futebol.
Recursos do espetáculo
Um dos grandes destaques da exposição é uma novidade inédita: painéis interativos com informações sobre todas as jogadoras do Brasil que já participaram de copas, uma verdadeira bibliografia digital da seleção. É possível fazer a busca pelo estado de nascimento da atleta ou escolher uma edição e ver as participantes, tendo informações estatísticas e curiosidades sobre a jogadora selecionada.
A ferramenta tecnológica ajuda a conhecer melhor quem sempre representou tão bem o país [Imagem: Acervo Pessoal/Miriã Gama]
Além disso, existem também painéis em retângulo e rodas interativas que mostram as fotografias das seleções e chamam a atenção dos visitantes, que ficam encantados com as fotos exclusivas que estão no museu. Tudo isso serve para realçar a riqueza das seleções femininas, que muitas vezes são apagadas por conta dos estigmas presentes na sociedade.
Painel interativo que muda as imagens quando a pessoa mexe nele, exibindo imagens da seleção feminina [Imagem: Acervo Pessoal/Miriã Gama]
Austrália e Nova Zelândia estão logo aí!
Pautas como equidade de gênero e direito das mulheres estão sendo defendidas como prioridade no torneio que será realizado este ano, na Austrália e na Nova Zelândia, o que une atletas, técnicas e torcidas de várias nacionalidades na luta pelo avanço da modalidade.
Réplica da taça da Copa do Mundo Feminina FIFA de 2023 chama a atenção e é queridinha entre os visitantes [Imagem: Acervo pessoal/Miriã Gama]
Para o visitante já começar a sentir o clima da Copa de 2023, a exposição reserva uma parte linda e super especial, com direito a réplica da taça da competição. Com o aumento das equipes de 24, em 2019, para 32, esse ano, e o torneio se estendendo por quatro semanas (entre 20 de julho e 20 de agosto), essa edição confirma mais uma vez a força que o futebol de mulheres possui.
Esquema da divisão dos grupos da Copa Feminina. [Reprodução / Instagram @fifawomensworldcup]
Através da visibilidade e do alcance global deste torneio, espera-se que ele ajude a impulsionar o crescimento e o desenvolvimento contínuo do futebol feminino em todo o mundo. Será uma oportunidade para criar um legado duradouro, promovendo investimentos no esporte, aprimorando a infraestrutura e proporcionando oportunidades igualitárias para as mulheres no futebol.
A Copa Feminina de Futebol de 2023 será uma celebração do poder do esporte como um veículo para a inclusão, o empoderamento e a igualdade de gênero. Será uma oportunidade para que as jogadoras mostrem suas habilidades, inspirem o mundo e deem um passo significativo em direção a um futuro mais igualitário no esporte.
Que matéria maravilhosa! É extremamente importante que o esporte feminino seja reconhecido ❤️