A cantora colombiana-estadunidense Kali Uchis resgata suas origens latinas no novo álbum Sin Miedo (del Amor y Otros Demonios) ∞ (2020), que é totalmente gravado em espanhol, diferente de seus outros trabalhos. A cantora conta uma história de amor da modernidade, que retrata uma mulher protagonista que não teme seu parceiro, tampouco seus demônios internos. A própria capa do álbum já revela isso: em tons de rosa, um anjo com asas deslumbrantes protagoniza a imagem. Sua força interna vence todo o mal.
Kali mostra que evoluiu musicalmente desde seu último álbum, Isolation (2018), no qual conta sobre uma mulher que busca uma vida melhor em outro país, e precisa enfrentar muitos desafios, como o machismo, a solidão, os amores ruins e a frustração. Isolation conta a ida e a vinda de uma mulher que passou por uma mudança interna e se tornou mais forte. Agora, em Sin Miedo (del Amor y Otros Demonios) ∞ ela está em casa, vive sua realidade e se apaixona pelos outros, mas também por si mesma.
A abertura se dá pela faixa la luna enamorada, que é uma canção originalmente gravada pelo grupo cubano Los Zafiros, na década de 1960. Ela entoa: “Y tú que pensaste? Que yo me iba a echar a morir, la venganza es dulce, ¿sabes?” (E o que você achou? Que eu ia morrer? A vingança é doce, você sabe). Mas, doce mesmo é a voz de Uchis ao embalar esse bolero romântico e vingativo, que dá o tom da bravura romântica do álbum.
Ainda resgatando o passado, Uchis faz um tributo à cantora La Lupe no bolero que te pedí. A canção é uma carta romântica para um amor perdido, que é cantada com a elegância e emoção do verdadeiro soul latino. Outra faixa que traz esse romantismo à tona é a cinematográfica vaya con dios, entoada com todo o afeto que um amante pode oferecer ao outro: “En un mundo tan falso, digo tu nombre rezando, Tú mi ángel y mi santo, No sé si lo volveré a ver, vaya con Dios” (Em um mundo tão falso, eu digo seu nome em oração, você meu anjo e meu santo, não sei se voltarei a vê-lo, vá com Deus).
No álbum Kali mostra sua verdadeira dinamicidade, e passa por diferentes ritmos, como o bolero, o soul latino e o reggaeton. As músicas saem do sentimentalismo romântico e migram para um ritmo dançante e sensual, com a voz de Uchis que se destaca em todas as faixas e se equilibra perfeitamente com as batidas ao longo do álbum. Nessa linha, a faixa te pongo mal (prendelo) traz o ritmo do reggaeton e o vigor da paixão efêmera que acontece na pista de dança.
Durante todo o álbum Kali mostra sua autoconfiança, ela não teme a solidão e sabe que se um parceiro for embora, tem outro à sua espera. O single ¡aquí yo mando! é o marco da sua supremacia feminina. Aqui é ela que dá as cartas, que toma as decisões e escolhe os rumos da relação. Ela canta isso de forma envolvente em um beat que é difícil não sentir vontade de dançar.
A autoridade de Uchis é sensual. Isso é evidente no single la luz (fín): “Tú, o si no, soy yo, Vamo’ a apagar la luz, Y vamo’ a hacer de to’” (Você, ou se não, sou eu, vamos apagar a luz, e vamos fazer de tudo). Além do deleite auditivo da música, que traz como featuring o cantor de trap latino Jhay Cortez, a faixa conta com um vídeo muito bem produzido.
Sin Miedo (del Amor y Otros Demonios) ∞ é um compilado de força, amor próprio e beleza, atributos tão necessários para superar a angústia vivida neste ano de pandemia. O álbum é finalizado com a esotérica ángel sin cielo, que costura a narrativa construída pela colombiana e deixa sua mensagem: sou um anjo sem céu, tenho que viver sem medo, a vida é uma só e eu não devo nada a ninguém. Precisamos de coragem para amar e viver sem medo.
[Imagem: Reprodução/EMI INTERSCOPE]