O São Paulo é o atual líder do Campeonato Brasileiro e surge como um dos principais candidatos ao título, o que encerraria um jejum de quase 8 anos sem conquistas e 12 anos sem levantar o troféu do campeonato nacional.
Apesar da euforia de um provável novo título, o torcedor são-paulino tem outro motivo para celebrar e relembrar um dos principais feitos da história do clube: a conquista do tricampeonato Mundial de Clubes no Japão em 2005, que comemora 15 anos neste dia 18 de dezembro.
A reconstrução rumo ao Japão
A derrota na final da Libertadores de 1994, contra os argentinos do Vélez Sarsfield, fez com que o sonho do tricampeonato da competição tivesse de ser adiado pelos tricolores. O que não se esperava era que o clube passaria por um momento turbulento e, durante dez anos, não frequentaria a principal competição do continente.
Michael Serra, historiador oficial do São Paulo, aponta algumas causas para o não protagonismo do clube entre as décadas: “Nesse período, o São Paulo sofria para reformular o time, com a saída do Telê [Santana, técnico bicampeão mundial pelo tricolor paulista em 1992 e 1993], com obras de reforma do Morumbi. Foi uma fase um pouco difícil, porque o São Paulo teve que se reconstruir e investir muito dinheiro no estádio”.
Após o terceiro lugar no Campeonato Brasileiro de 2003, o clube retornou à Libertadores no ano seguinte, e a expectativa era muito grande por uma boa campanha. Chegou até às semifinais, quando foi eliminado pelo Once Caldas, da Colômbia, que viria a ser campeão em 2004.
No elenco tricolor já estavam presentes peças importantes das futuras conquistas:: o meia Danilo, o zagueiro Fabão e o atacante Grafite, trio proveniente do Goiás, que havia sido a sensação do campeonato nacional de 2003. Além disso, o jovem Cicinho e o experiente Júnior foram contratados para tomar conta das laterais.
Em 2005, com o time novamente classificado para o torneio sul-americano, a dupla de volantes Mineiro e Josué, contratados do São Caetano e Goiás, respectivamente, e o artilheiro Luizão (que ficaria até o final da Libertadores) eram pontos-chave que faltavam, juntando-se aos líderes do elenco Rogério Ceni e Diego Lugano. Com eles, o São Paulo inicia o ano sendo campeão paulista e, posteriormente, da Libertadores.
Durante essa campanha, o clube teve uma mudança no comando técnico: Emerson Leão, após a conquista do regional, foi treinar o Vissel Kobe, do Japão, e Paulo Autuori assumiu o time. Para Serra, a manutenção do espírito do time foi fundamental para as conquistas, e isso foi auxiliado por um 5 a 1 logo nos primeiros jogos do treinador pelo Brasileirão: “Um clássico com o Corinthians, fora de casa, e o São Paulo atropelou. Isso serviu para que a confiança dos atletas com um novo treinador não abalasse em nada aquilo de bom que já haviam estruturado”.
Durante a competição sul-americana, por sua vez, mais uma contratação fundamental aconteceu: o atacante Amoroso chegou na reta final, fazendo gol nas semis contra o River Plate e na decisão contra o Athletico Paranaense. Mas o time do Morumbi queria conquistar o Mundial e, por isso, contratou o destaque dos paranaenses na competição, Aloísio Chulapa, para o lugar de Luisão.
Por conta desse objetivo, o Brasileirão foi deixado um pouco de lado. “Nas primeiras rodadas do Brasileiro, ainda concomitantemente à Libertadores, o São Paulo valorizou a competição sul-americana; nas rodadas seguintes ao título, jogou ‘de ressaca’ alguns jogos”, relembra o historiador. Ele ainda explica que, mais próximo do Mundial, o foco foi total para o Japão e, por isso, Paulo Autuori rodou o elenco e deu oportunidades a jogadores menos utilizados e da base. Dentre eles, dois se destacariam nas futuras conquistas nacionais: Richarlyson e Hernanes.
O novo e traiçoeiro Mundial de Clubes
O tricolor paulista estava de volta ao Japão, após onze anos, para a disputa do campeonato mundial. Depois dos espanhóis do Barcelona e dos italianos do Milan, a esperada final seria contra os ingleses do Liverpool. O time da terra dos Beatles havia sido campeão da Liga dos Campeões da Europa em um jogo dramático contra o Milan, e vinha com moral para a “Terra do Sol Nascente”. Com uma forte defesa, que chegou à competição sem levar um gol nos dez jogos anteriores (que se tornaram onze, com o decorrer do campeonato), e jogadores extremamente técnicos, como o inglês Steven Gerrard e o espanhol Luis García, os Reds eram favoritos para a conquista.
Apesar do grande adversário europeu no possível caminho, a esperança são-paulina era latente, sobretudo por parte da torcida. Além dos mais de 8 mil torcedores que atravessaram o mundo para acompanhar o time, a festa no embarque dos jogadores foi grande. A torcida tomou o saguão do Aeroporto de Cumbica, em Guarulhos, para desejar sorte, confiantes de que o clube retornaria com o título na bagagem, assim como nas conquistas anteriores.
No documentário Soberano 2 – A Heróica conquista do Mundial de 2005, Lugano aponta que essa recepção fez o time ter ainda mais confiança em trazer o caneco para casa: “Esse é um momento que marca a grandeza de um time. Eles estavam exigindo, mas também estavam desejando o melhor, estavam torcendo. Foi um momento muito lindo que transmitiu muita responsabilidade, mas também muita força e vontade”.
A partida contra os ingleses, no entanto, ainda não estava garantida. Diferentemente dos títulos de 1992 e 1993, que aconteceu em apenas uma partida, essa seria a primeira vez que o Mundial contaria com os campeões de todos os campeonatos continentais, se enfrentando em modelo eliminatório. Dessa forma, além dos sul-americanos e dos europeus, ainda participaram Al Ahly (Egito), Al Ittihad (Arábia Saudita), Deportivo Saprissa (Costa Rica) e Sydney (Austrália).
Por serem as principais potências do campeonato, São Paulo e Liverpool entraram somente nas semifinais, cada um de um lado da chave, para que a final esperada não acontecesse anteriormente. Assim, o Al Ittihad venceu o Al Ahly, sendo o adversário do time brasileiro, enquanto os ingleses jogariam contra o Deportivo Saprissa, que venceu o duelo contra o Sydney.
Às vésperas do jogo foram recheadas de polêmicas: um possível pré-contrato de Amoroso para deixar o clube após o campeonato, discussões sobre a premiação dos jogadores em caso de vitória e brigas internas entre jogadores e diretoria. Os atletas fizeram questão de se unir e contradizer publicamente essas notícias que veicularam na mídia, e então o time pôde se dedicar ao futebol
O jogo antes da final, apesar de ser contra um adversário relativamente mais fraco e de menor expressão mundialmente, poderia impedir o sonho da conquista do título mundial, como viria acontecer posteriormente com os brasileiros do Internacional, em 2010, e do Atlético Mineiro, em 2013 (quando gaúchos e mineiros foram eliminados pelo Mazembe, do Congo, e Raja Casablanca, do Marrocos, respectivamente).
Michael Serra conta que, mesmo com esse favoritismo contra os sauditas, os jogadores são-paulinos tinham noção da dificuldade daquele jogo: “Serviu para despertar mais a atenção do São Paulo, porque eles sabiam o quanto seria negativa a repercussão no brasil caso eles perdessem para o Al Ittihad. Eles sabiam disso, então não houve ‘oba-oba’ em nenhum momento”.
Do equilíbrio ao sufoco e o heroísmo de Ceni
Após passar pelo Al Ittihad por 3 a 2, o São Paulo chegou à tão esperada final contra o Liverpool. Apesar do receio de jogar contra um rival superior no papel, Rogério Ceni assumiu seu papel de capitão e motivou o elenco. Ceni afirmou que para ter o devido reconhecimento como campeão do mundo teriam de enfrentar o melhor time do mundo, e por isso o Liverpool era o adversário ideal.
Na partida final, os ingleses começaram superiores, mas ao decorrer do primeiro tempo o jogo se equilibrou: “Eu estava lá, e [no início] pensei ‘o que vier é lucro’. Com o andar do primeiro tempo, o São Paulo jogando bem e encarando normalmente o adversário, com chances nossas e chances deles. Aí eu percebi que o jogo estava parelho”, afirma Michael.
Até que aos 26 minutos do primeiro tempo o cenário mudou: Aloísio deu a assistência para o gol do volante Mineiro, que abriu o placar para o time brasileiro. Além de pôr fim à marca do Liverpool de 1.041 minutos sem sofrer gols, o placar favorável ao tricolor mudou o equilíbrio do jogo e os ingleses recuperaram a superioridade. “Depois do 1 a 0 o jogo foi outra coisa. Parece até que foi exatamente pensando como um roteiro de filme para ser perpetuado na história, um conto épico de como que o São Paulo se defendeu heroicamente e foi campeão do mundo”, completa o historiador.
O Liverpool pressionou a defesa do São Paulo, acertou bola na trave e chegou a marcar três gols, que foram anulados — um deles aos 44 minutos do segundo tempo — pelo bandeirinha. Os números ao final da partida demonstram a superioridade: 21 chutes a gol do Liverpool, contra quatro do São Paulo e 83% da posse de bola para os ingleses. No entanto, o sistema defensivo da equipe brasileira foi impecável. E quando a bola passava pelos defensores, encontrava um paredão: Rogério Ceni, o herói da partida.
As grandes defesas de Ceni foram essenciais para segurar o resultado e garantir o título para o tricolor paulista, que passou a ser tricampeão mundial, o primeiro — e único — brasileiro a alcançar tal feito. O São Paulo igualou o número de títulos dos gigantes Real Madrid (Espanha), Milan (Itália) e Boca Juniors (Argentina). Não à toa, Ceni foi eleito como melhor jogador da partida e também de todo o campeonato.
O que aconteceu com os times depois da competição
De volta ao Brasil, jogadores e comissão técnica foram recebidos por uma grande festa: “A recepção no Brasil foi uma das maiores da história. Foi algo de outro mundo que ficou documentado tanto em vídeo como em fotos. O São Paulo paralisou a cidade por muito tempo, e quando os jogadores chegaram no destino final eles já não tinham mais pique para comemorar”, afirma Michael Serra. Além disso, a conquista foi importante para retomar o espírito vitorioso e orgulhoso dos são-paulinos. “2005 foi um banho para lavar a alma e os são-paulinos expuseram bem isso na recepção do time e na chegada do da delegação do Japão”, completa Michael.
Após a conquista, o São Paulo sofreu com a despedida de peças importantes, como o técnico Autuori e os jogadores Amoroso e Cicinho. Mesmo com as baixas, o novo técnico Muricy Ramalho conseguiu manter a qualidade do time, que chegou novamente à final da Libertadores em 2006. Porém, o tricolor foi superado pelo Internacional após falha de Ceni e amargurou o segundo lugar na competição.
Apesar do desânimo, o clube — e o goleiro — deram a volta por cima e retomaram o caminho da glória ao conquistar o Campeonato Brasileiro de 2006. Dois anos depois da conquista do Mundial, as principais peças da conquista tricolor começaram a deixar a equipe, que precisou se reconstruir. Ainda assim, o São Paulo conseguiu alcançar o tricampeonato nacional ao vencer também em 2007 e 2008, último título nacional do clube.
A conquista de 2005 serviu para consolidar o líder e ídolo Rogério Ceni e marcar mais uma vez a soberania do tricolor no cenário nacional e mundial. Pouco tempo depois, tanto São Paulo quanto Liverpool amarguraram períodos de jejum em competições nacionais e internacionais. Os ingleses voltaram para o Mundial somente em 2019, quando venceram o Flamengo no Catar, e à conquista nacional em 2020 com o título da Premier League após 30 anos de hiato. O São Paulo parece encaminhar o título brasileiro. Resta saber quando será a volta do tricolor ao mundial.