Jornalismo Júnior

Generic selectors
Exact matches only
Search in title
Search in content
Post Type Selectors
Generic selectors
Exact matches only
Search in title
Search in content
Post Type Selectors

Sonhando com Elena

“Tô dançando com a Lua”, diz a garota que nasceu atriz. Dança, dança sempre. Em um dos vários vídeo caseiros, ela gira. Gira sem parar, dança para ela mesma. Elena, tão jovem, entra para o teatro, e se torna mulher. Mergulha nas cordas que enlaçam seu corpo num palco só dela. E quer mais. E …

Sonhando com Elena Leia mais »

“Tô dançando com a Lua”, diz a garota que nasceu atriz. Dança, dança sempre. Em um dos vários vídeo caseiros, ela gira. Gira sem parar, dança para ela mesma. Elena, tão jovem, entra para o teatro, e se torna mulher. Mergulha nas cordas que enlaçam seu corpo num palco só dela. E quer mais. E vai de encontro, de corpo e de alma, à cidade que tudo oferece: Nova York.

Vinte anos mais tarde, é a irmã, diretora e atriz, Petra Costa, quem visita a cidade americana para se encontrar com a Elena de antigamente. Uma vez lá, vai descobrindo uma nova. Elena (Brasil, 2013) é o documentário mais íntimo que já vi. Toda sua estética: desde a câmera solta e participativa, o foco que vem e vai conforme ela anda, as várias texturas e qualidades de imagem, passando pela música suave e muitas vezes melancólica de um piano fluido, até a voz suave de Petra que nos emerge em suas sensações; tudo isso forma uma verdadeira dança. Uma dança intimista que nos encanta e nos deixa tão próximos de alguém sobre quem nada sabíamos antes do início da projeção.

“Eu ando tanto nas suas palavras, que começo a me perder em você”, diz a Petra-irmã. O documentário soa como uma carta à Elena. Endereçada a um lugar em um plano acima das percepções terrenas, dado o forte cunho emocional e a atmosfera etérea que nos faz experimentar os sentimentos mais puros em forma de imagem e som. Percebemos uma espécie de fusão entre duas almas. Elena torna-se uma viagem de descobertas para a diretora, na qual esta se despe de todas as amarras que em geral nos censuram e impedem que expressemos o que sentimos. A montagem final parece uma passagem, uma marca de que aquilo que foi dito ali está eterno, e pode então vaguear pelo plano dos sentimentos e das palavras, para sempre.

O filme fala da jornada das três mulheres: as duas irmãs e a mãe. As reflexões e declarações partem do material de arquivo que mostra as várias fases de Elena: desde sua animação e alegria com o que via pela frente, até sua melancolia e angústia diante do que encontrou. Como é lindo, puro e ao mesmo tempo doloroso! Mas o trilhar continua num filme de gradações sentimentais que fecha um ciclo. É um filme-poesia que vai da vida à vida. Parte da vida e alegria, passa pela morte, a dor e o medo e depois renasce. “As dores viram água. Viram memória”. A menina Petra descobre a verdadeira história da sereia, mas com ela aprende a bater sua cauda, e nadar. O filme é outra concha; desta vez dada por Petra. Se colocarmos essa concha na alma, ouviremos as tantas outras presentes nele.

 O Cinéfilos esteve presente durante a conversa que sucedeu o filme, e a questão resultou em uma reflexão bem interessante, que nos apresentou tanto a visão de de Petra Costa, quanto a do psicanalista Pedro Santi.

Cinéfilos: Você falou primeiro do sonho, e o filme todo tem um aspecto bem onírico. Ele é denso, ao mesmo tempo leve. Parece que você flutua durante o filme. Gostaria que você falasse um pouco sobre a escolha desse formato de Elena. Ao mesmo tempo em que é um documentário, e sabemos que o que está ali aconteceu de verdade, também parece uma ficção. Ele foge do formato padrão de um documentário.

Pedro Santi: O filme tem uma textura na realidade. A câmera, a lente. Ele realmente tem uma delicadeza e uma textura melancólica, introspectiva. Eu já ouvi a Petra falando sobre as lentes que ela usou e os recursos de Super8. Esse ambiente de sonhos nos traz mais para essa visão introspectiva dela e para a nossa. Se for um sonho, que sonho duro também! Saímos do outro lado, mas realmente saímos com um aperto muito grande junto dele. É um filme sensível. É um documentário, mas como você falou e concordo cem por cento, ele é uma narrativa que já se transforma em ficção, porque ele é construído. Essa textura afetiva do filme é dada pela lente, pela edição, pela narrativa.

Petra Costa: Eu achei interessante que você falou “sonhos” e “flutua”. Um livro que me inspirou bastante para o primeiro vídeo que eu chamei a Caru (Carolina Ziskind) a trabalhar comigo, chama-se “A Água e os Sonhos”, do Bachelard. E eu achei esse livro porque eu já tinha essa obsessão por Ofélia. Fui procurar na internet e vieram referências a esse livro. Ele fez vários livros sobre os todos quatro elementos: fogo, água, terra e ar. Teve a psicanálise do fogo, e ia ser a Psicanálise da Água, mas a água é tão ligada aos sonhos que acho que ele resolveu chamar de “A Água e os Sonhos”. Eu acho que a minha atenção aos sonhos e essa atenção à água são inconscientes, mas o livro me ajudou a entender de uma forma mais clara as conexões que já estavam dentro do meu inconsciente. Para mim, essa ideia do espelho esteve presente desde o começo. De me olhar no espelho e ver no espelho a Elena. Então ele fala que “o poeta que começa pelo espelho deve terminar na água da fonte se quiser transmitir sua experiência poética completa”. Eu acho que o filme fala um pouco disso. Começou na relação do duplo. De ver na Elena um duplo que me encantava e me assustava, para achar a água que esse duplo dissolvia no infinito, no nada. A água tanto como fonte de vida, como um lugar da morte, onde todos se desaguam. No livro ele fala que por muito tempo tem-se o hábito de jogar os mortos nos rios. Ele fala também da conexão entre a Ofélia e a lua, que eu não sabia. Os dois já eram elementos muito fortes, porque a Elena, não sei se o filme fala isso, mas ela morreu em uma lua cheia. E foi muito sofrido para gente tirarmos uma linda da minha vó falando que a Elena tinha morrido em uma lua cheia. E eu descobri no material de arquivo a Elena filmando a lua. Ela fala “põe uma música”, alguém coloca uma música e ela fala “Tô dançando com a Lua”. Então eram muitos elementos que já estavam nas imagens de arquivo, que estavam nos meus sonhos, na literatura, e que deram belas coincidências, se entrecruzaram.

Por Sofia Calabria
sofiacalabria@gmail.com

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Rolar para cima