David Farrier é um jornalista e documentarista neozelandês que consagrou sua carreira investigando casos inusitados na Nova Zelândia e ao redor do mundo. Por acaso, um dia ele encontra um vídeo curioso: um grupo de jovens, todos homens e vestidos com roupas esportivas, participando de uma competição de cócegas. É nesse cenário que Farrier baseia sua nova matéria e, a princípio, seu novo documentário, Tickled (Netflix, 2016).
Uma jornada inesperada
O jornalista inicia suas buscas e encontra, na rede social Facebook, a empresa responsável por organizar as competições. Então, envia um e-mail marcando uma reunião com os administradores, imaginando que a entrevista pudesse solucionar algumas de suas dúvidas. Entretanto, o que acontece, e essa marca a primeira de muitas reviravoltas que permeiam o documentário, é que David recebe ameaças de uma das funcionárias da página do Facebook, que recusa agressivamente o pedido de entrevista, e solicita que ele pare suas pesquisas imediatamente. Assim, incentivado não só pela estranheza do vídeo, mas também pela forma com que foi respondido, Farrier contata seu amigo, e co-produtor do documentário, Dylan Reeve, e ambos iniciam sua jornada em busca de respostas.
Durante a investigação Farrier entrevista um antigo participante da competição de resistência de cócegas, e descobre que o jovem também foi ameaçado pela organização do evento ao pedir que seu vídeo competindo fosse retirado do Youtube, já que o contrato que havia assinado previa a não divulgação do conteúdo. Além do relato anterior, o jornalista conta, também, com a entrevista de um produtor de vídeos de cócegas e de um antigo recrutador de jovens para a realização das gravações, e ambos descrevem que foram coagidos, dessa vez por uma mulher para quem trabalhavam.
Nesse momento da trama, um padrão é traçado: todos os entrevistados, assim como o próprio David Farrier, sofreram ameaças e tiveram suas vidas alteradas após entrarem em contato com o universo das cócegas. Dessa forma, o que se iniciou como o desejo, por parte do jornalista, de entender melhor essas competições, torna-se uma análise das relações opressivas de poder entre os organizadores e seus participantes.
Um universo (intrigante) descoberto
Indicado ao Sundance Film Festival e vencedor em melhor edição de documentário no New Zealand Film and Tv Awards (II), Tickled é intrigante, chocante e, de certa forma, sombrio. A busca de David Farrier e Dylan Reeve conta com relatos fortes e pouca participação por parte de pessoas que, de alguma forma, foram prejudicadas por indivíduos com influência no meio das cócegas. O espectador pode sentir a tensão entre os produtores do documentário, focados em receber respostas, e a pouca flexibilidade dos organizadores do evento, que fazem de tudo para barrar a investigação.
O que deixa o documentário ainda mais interessante, além das inúmeras reviravoltas e do tema pouco convencional, é a determinação de Farrier em conseguir respostas. Mesmo depois de intimado, ameaçado e humilhado, o jornalista não deixa de ir atrás de sua história, e é possível que o espectador sinta seu desejo de sucesso, mesmo por meio das telas. É inevitável não torcer para que ele consiga chegar em algum lugar, ainda que sua trajetória seja penosa, e o resultado final não seja aquilo que era esperado.
Durante 1 hora e 32 minutos, o documentário, que está disponível na plataforma Youtube com legendas em inglês e em espanhol, é capaz de transportar o espectador para um universo até então pouco explorado, e pouco convencional, das competições de resistência de cócegas, e todo o submundo que o permeia. É possível se encantar e, ao mesmo tempo, se assustar com todas as reviravoltas e descobertas de David Farrier e Dylan Reeve. É uma ótima dica para quem se interessa por histórias de cunho investigativo, por narrativas incomuns e para aqueles que se interessam por mudanças repentinas no roteiro, ou, simplesmente, para quem é curioso.
Com certeza vale a pena a experiência porque, definitivamente, Tickled não é o que parece.
[Imagem de capa: Reprodução/YouTube/Tickled]