Alguns encontros mudam vidas. O encontro do jornalista Tom Junod com o apresentador Fred Rogers levou à construção de uma amizade inesperada e mudou a forma como Junod enxergava o mundo a sua volta, acontecimento que ele tão especialmente registrou no perfil publicado pela revista Esquire em 1998. É a partir desse artigo que a diretora Marielle Heller conta uma história de amizade, perdão e aprendizados em Um Lindo Dia na Vizinhança (A Beautiful Day in the Neighborhood, 2019).
No longa, Tom Junod é representado por Lloyd Vogel (Matthew Rhys), jornalista premiado, de postura cética, e conhecido pela acidez com a qual escreve. Vogel frustra-se ao receber como pauta o perfil sobre Fred Rogers (Tom Hanks), para uma edição especial sobre heróis. Mr. Rogers, famoso apresentador do programa infantil Mister Rogers’ Neighborhood, que foi ao ar entre 1968 e 2001, é uma figura idolatrada por muitos estadunidenses, mas que, inicialmente, não consegue atravessar a camada de desconfiança do jornalista. A existência de alguém tão positivo e gentil quanto Rogers seria realmente possível?
É esse o questionamento revelado na expressão do jornalista. Enquanto entrevista o apresentador, Lloyd Vogel demonstra-se desconfortável, relutante, e, finalmente, enfurecido. Aos poucos, com gigante paciência e muita atenção, Fred Rogers parece adentrar o subjetivo de Vogel, conforme tenta entender as angústias dele e ensinar um pouco sobre sua maneira tão singular de lidar com a vida.
De forma didática e criativa, Marielle Heller estrutura a narrativa de Vogel como mais um episódio do programa de Rogers. Através de suas marionetes, canções, e palavras acalentadoras, o generoso senhor introduz a história de seu novo amigo para os espectadores do filme como se o fizesse para as crianças que são seu público usual: trata sobre temas importantes e difíceis com leveza e muita empatia.
Para o público brasileiro, o filme não tem o mesmo peso, já que Mr. Rogers não é uma personagem que faz parte de nossa cultura. No entanto, essa questão não prejudica a experiência cinematográfica em momento algum — Um Lindo Dia na Vizinhança é, acima de tudo, uma história sobre a vida.
Apesar de contar uma história real, o filme não chega a se enquadrar como cinebiografia. O foco do enredo é a vida de Lloyd Vogel e seus dramas familiares. O jornalista tem de lidar com a aparição de seu pai ausente, enquanto aprende a ser um marido melhor e bom pai para seu bebê. Rogers entra em cena ensinando o jornalista a canalizar sua raiva e atentar à forma como projeta seus sentimentos negativos nos outros.
Com a mesma linguagem que utiliza em seu programa infantil, Rogers conversa com o novo amigo e, logo, com os espectadores, valorando nossos sentimentos e angústias. Ele mostra que a dureza da vida existe, sim, mas que manter certa doçura não é impossível. É uma prática diária. Rogers não é retratado como um herói inalcançável, é apenas uma pessoa comum que escolhe viver a bondade.
Tom Hanks consegue intimidar o espectador da mesma maneira que faz com Vogel: num primeiro momento, gera descrença e irritabilidade, para, em seguida, despertar compreensão e admiração. Justamente pela sensibilidade com a qual interpreta Rogers, é difícil imaginar alguém que encaixaria tão bem no personagem quanto Hanks. Por essa atuação, o ator foi indicado ao Oscar de melhor ator coadjuvante. Também foi indicado às categorias correspondentes de outros importantes prêmios do cinema (Globo de Ouro, BAFTA e Critics’ Choice).
Um Lindo Dia na Vizinhança é um clássico filme emocionante para se ver com a família. O longa-metragem não chega a ser inovador ou surpreendente, mas funciona bem em sua proposta de ser leve e acolhedor, um respiro dentre as densas produções disponíveis no mercado.
O filme estreia dia 23 de janeiro no Brasil. Confira o trailer: