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Exposição e excessos – O Círculo e as inconsistências da identidade digital

Os limites do compartilhamento, a necessidade de privacidade e a possibilidade de alcance da perfeição humana – tudo isso é posto em voga em O Círculo (The Circle, 2017), filme de James Ponsoldt, baseado no best-seller de Dave Eggers, de 2013. Nos cenários deslumbrantes de São Francisco, viabilizados pelos passeios de caiaque de Mae Holland …

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Os limites do compartilhamento, a necessidade de privacidade e a possibilidade de alcance da perfeição humana – tudo isso é posto em voga em O Círculo (The Circle, 2017), filme de James Ponsoldt, baseado no best-seller de Dave Eggers, de 2013. Nos cenários deslumbrantes de São Francisco, viabilizados pelos passeios de caiaque de Mae Holland (Emma Watson) sob a ponte Golden Gate, a narrativa nos introduz a um futuro não tão distante em que uma empresa – o Círculo – reúne toda a tecnologia que conhecemos e se torna a maior corporação de tecnologia de ponta do mundo.

Mae, uma jovem de classe média, inicialmente trabalha para um companhia de água e lida com atendimento aos clientes, tentando “acalmar pessoas nervosas o dia todo”, como a própria diz no longa. Com a ajuda de sua amiga Annie (Karen Gillan), Mae consegue um trabalho no Círculo, e resume diversas vezes o sentimento de finalmente poder canalizar seu potencial em projetos que possuam relevância – empolgação. Empolgados também estão seus pais, interpretados pelos atores Glenne Headly e Bill Paxton, deixando escapar que a filha deles “trabalha pra melhor empresa do mundo”.

A vida dos Holland, entretanto, é permeada pela doença do pai, que sofre de esclerose múltipla. A angústia de Mae é frequente e muito bem exposta por Emma Watson, que consegue transmitir num discurso sem palavras toda a preocupação com a condição do pai, já que o plano de saúde não cobre os custos do tratamento e o quadro deste só piora. Em um dado momento, isso se apresenta muito claramente: após um incidente num jantar em família, o pai repele a tentativa ajuda de Mae e se irrita, envergonhado por saber que sua filha o viu daquela maneira. O enfoque no rosto de Emma Watson nos diz tudo o que Mae cala: a angústia, a preocupação, a sensação de impotência e a vontade de ajudar são todos trazidos à tona através de seu rosto contorcido. O trabalho no Círculo, então, parece ser um bote salva vidas: além de contribuir com um melhor salário, Mae ainda consegue incluir os Holland no seu seguro de saúde.

O emprego é verdadeiramente dos sonhos: Mae exerce uma função que já tinha experiência prévia, e seu desempenho é exemplar. O campus, com inspiração no da Google, contém grandes áreas arborizadas de habitação, escritórios com cinco computadores num ambiente iluminado por luz natural e revestido de vidro, diversos prédios espelhados, e milhares de funcionários. Ainda, promove diversos eventos de interação pros seus funcionários, como festas, shows e palestras, essas últimas em grandes auditórios como as do TED Talks, em clima descontraído e de trocas. A grande intenção da empresa é criar uma comunidade, sob a luz do lema “compartilhar é cuidar”, com adesão total e integral dos funcionários em todos os eventos que a empresa promove, até aos finais de semana. A ambiciosa Mae fica encantada com aquela nova experiência, tão diferente do trabalho anterior, e até diz: “não quero trabalhar em nenhum outro lugar”.

O Círculo é uma empresa de tecnologia e inovação, que reuniu em sua interface toda a atividade que realizamos online hoje, como por exemplo a troca de emails, as redes sociais e as operações bancárias. Durante o longa, são apresentados por seu diretor – Eamon Bailey (Tom Hanks) – os novos produtos tecnológicos que acabaram de ser desenvolvidos. Entre eles está a SeeChange, câmera de fácil instalação e sem fios que transmite informações em tempo real sobre o ambiente em que está, como, por exemplo, a qualidade do ar e o trânsito. De qualidade impecável, as imagens são disponíveis à todos que pertencem ao Círculo, já que seus membros consideram “egoísmo” não compartilhar aquilo que se vê.

Outro grande lema da empresa é “saber é bom, mas saber tudo é melhor”. Sob este espectro, desenvolvem-se inovações tecnológicas, com a intenção de ampliar os limites do conhecimento e de desafiar o paradoxo espaço-tempo, num grande sistema de rede de compartilhamento, de conexão e de comunidade. A aniquilação da privacidade e o transpasse da delimitação ética dos compartilhamentos também são objetivos da empresa, justificando que quando estamos sendo vigiados nos comportamos melhor. Justifica-se, também, que a sociedade perfeita é passível de ser alcançada com a premeditação de sequestros, estupros, assassinatos e atividades terroristas, dada as novas ferramentas do Círculo, que apresentam resultados satisfatórios nesse quesito.

Há uma evidente contradição na postura que a empresa assume. Por um lado, vemos um ambiente moderno, de alta tecnologia, do qual emana familiaridade, inclusão e altruísmo, ditando as regras do presente e do futuro. Por outro, vemos a busca desenfreada do lucro, a manipulação de informações, a obstrução de dados e o desejo de controle do mercado. Apontando tais incoerências, apresenta-se o personagem Ty (John Boyega). Membro antigo da empresa, Ty tenta ajudar Mae a compreender a complexidade do que está sendo criado, a hipocrisia que vara dentro da corporação, as consequências da total transparência proposta e o que acontece com os dados armazenados nos sistemas do Círculo. O conhecimento absoluto, para Ty, é falho e nos coloca numa posição de vulnerabilidade. Nessa mesma linha encontra-se Mercer (Ellar Coltrane), amigo de infância de Mae, que é a representação do garoto rústico que valoriza sentimentos verdadeiros, não transpassados pelo filtro da digitalização.

A nova era civilizacional proposta pelo filme assume tom de comicidade quando caminhamos em sua direção. Com as stories, os daily vlogs, as transmissões ao vivo e tantas outras formas de compartilhamento instantâneo, os limites da vida privada passam a ser questionados. Há uma perda da convivencialidade, dos sentimentos naturais, do introspectivo e do íntimo, expondo a plasticidade da necessidade de aprovação, que fervilha com a criação das identidades digitais. O Círculo levanta bem a questão dos excessos do digitalismo e da exposição pessoal, nos fazendo indagar sobre os limites da tecnologia e da nossa serviência à essa esfera online. Peca, porém, ao dar o desfecho – terminamos sem saber exatamente o que se procede, não há precisão e especificidade quanto ao destino de Mae. É o fim de uma era e início de outra? Não há como saber exatamente. Não há também uma lição ou ensinamento final, e fica um aroma de debate incompleto, interrompido. Tantas faces de um mesmo problema são tratadas durante o longa e, em nenhum momento, se propõe uma solução. Fica evidente apenas que aquele estilo de vida tem consequências irreversíveis e não é o ideal a ser buscado.

O longa acerta ao transgredir o oversharing e tratar também do embate moral que fomenta deste ambiente. A visão não simplista não se limita a criticar a reverência à tecnologia, apontando as falhas da digitalização e criando um dilema ético ao nos fazer questionar se os malefícios deste novo formato de vida são compensados pelos benefícios. Quais as razões para preservarmos nossa privacidade? Quais os limites do compartilhamento? Até que ponto devemos deixar a tecnologia reger nossas vidas? Todas estas são questões que O Círculo discute. Tão atuais e oportunas, não é tão fácil visualizar uma resposta à elas. O debate, pelo menos, foi mais uma vez levantado, e nas condições que nos encontramos hoje, não deve nunca ser esquecido.

 

O Círculo estreia nos cinemas dia 22 de junho. Assista ao trailer legendado abaixo:

https://youtu.be/yI_av33WY8k

por Giovanna Jarandilha
giovannajarandilha@gmail.com

 

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