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UNASUL, PROSUL, e de volta ao UNASUL?

O Brasil volta à UNASUL e traz de volta à tona a discussão sobre integração regional sul-americana

No dia 6 de maio, um mês após o decreto do presidente Lula, o Brasil oficialmente regressou à União de Nações Sul Americanas, o UNASUL. Formado em 2008, durante seu segundo mandato, a organização teve a participação do Brasil até 2019, quando o então presidente Jair Bolsonaro decidiu retirar o país do bloco. Em seu lugar, o governo decidiu aderir ao novo Fórum para o Progresso e Desenvolvimento da América do Sul, o PROSUL.

Há apenas um ano, o bloco parecia quase completamente abandonado, contando com apenas 4 países-membros remanescentes, dos 12 que inicialmente esbanjaram. Porém, com as recentes mudanças de governo no Chile, Colômbia, Peru, Argentina e, é claro, Brasil, o UNASUL parece capaz de retornar, a algum nível, à sua posição original. Mas essa perspectiva ainda não é certa: apenas o Brasil e a Argentina até o momento decidiram oficialmente retornar ao bloco, e a sua estrutura continua basicamente nula, sem nem mesmo um secretário geral ou presidente estabelecido desde 2019. No fim, é possível que a responsabilidade de reviver essa organização se direcione ao Brasil.

“O futuro da UNASUL vai depender muito de até que ponto o governo brasileiro quer fazer apenas uma imagem, ou quer realmente fazer ações para uma performance melhor pra UNASUL” diz Octávio Neto, professor do Centro Universitário do Vale do Ribeira e Doutor em Relações Internacionais pela IRI-USP, em entrevista concedida à Jornalismo Júnior. “O Brasil precisa realmente abraçar o UNASUL para ele funcionar e crescer”

 O que é o UNASUL e o PROSUL

O UNASUL é uma organização intergovernamental sul-americana, que tinha como objetivo principal a integração de países do continente em volta de diversas questões regionais. O bloco esbanjava de diversos conselhos, que visavam aumentar a comunicação entre as áreas de defesa, energia, saúde, ciência, cultura e integridade eleitoral dos países membros. Além disso, o bloco prometia ainda aumentar sua influência com o tempo, num modelo similar à União Europeia, criando um banco comum sul-americano, um sistema jurídico de resolução de conflitos entre países, e tendo como objetivos eventuais a abertura de um parlamento da UNASUL, com representantes de todos os países membros, e a criação de uma moeda única para todo o continente.

Além disso, o UNASUL se propõe diplomaticamente “pós-hegemônico”, tendo como objetivo expresso a diminuição da influência externa no continente latino-americano, especialmente a dos Estados Unidos, em prol de autonomia regional e relações sul-sul.

O PROSUL, por outro lado, se trata mais de um fórum intergovernamental, criado com o objetivo expresso de substituir o UNASUL, agora com “uma estrutura flexível, leve e barata (…), sem ideologias” de acordo com seu documento de formação. Diferentemente do UNASUL, o fórum não propõe um modelo similar à União Europeia, mas apenas um ambiente de reunião entre presidentes da América do Sul, com uma estrutura consideravelmente menor e menos influente cultural e socialmente que a vista no bloco anterior.

Contexto 

O conceito de unir diplomaticamente ou economicamente a América do Sul ou a América Latina existe há algum tempo, com fóruns e outras organizações multinacionais existindo com alguma força desde os anos 60 (sem contar a Organização dos Estados Americanos, criada em 1948, que inclui os Estados Unidos). Porém, podemos realmente marcar o começo dessa ideia no final dos anos 80, com o processo de redemocratização e liberalização que tomou os países da América Latina como o Brasil, Argentina e Chile neste período. Nesse contexto, nasceu o Mercosul, uma união aduaneira expandida, que tinha como objetivo trazer um fortalecimento econômico e social aos países sul americanos, através do aumento do comércio entre estes – com uma diminuição e regularização de tarifas, por exemplo – e do estabelecimento de regras básicas – como diretrizes de gestão econômica e requerimentos democráticos – para a organização de governos liberais modernos. Suas ações, por design, se restringiam majoritariamente a questões econômicas.

A organização de um bloco como o UNASUL então, que tinha objetivos mais amplos e políticos em natureza, foi apenas concebida com a ascensão de governos de esquerda e centro esquerda no início do século 21. Os presidentes Lula, Kirchner e Chávez, do Brasil, Argentina e Venezuela respectivamente, foram especialmente importantes na formação desse bloco. Em 2011, pode-se dizer que o grupo  havia se estabelecido de fato, com o número suficiente de membros países assinando os tratados principais do bloco para que entrassem em efeito.


Primeiro encontro do UNASUL em 2008. (Imagem: Reprodução/Wikimedia Commons)

Após 4 anos bastante ativos dentro do bloco, era possível ver o início de uma deterioração de suas funcionalidades já em 2014, com o abandono de certos dos órgãos e projetos. A verdadeira crise, porém, veio em 2017, quando um consenso para o cargo de Secretário Geral, um cargo de extrema importância dentro da organização, uma vez que ele executa e monitora diferentes questões da União, não pode ser encontrado. Países ainda com governos mais alinhados à esquerda, como a Bolívia e a Venezuela, recusaram os candidatos propostos por Maurício Macri, Presidente da Argentina e do UNASUL pelo período de 2017-18. 

Ricardo Luigi, professor do curso de geografia da UFF, em entrevista concedida à Jornalismo Júnior, explica que “a UNASUL tem um sistema hiperpresidencialista, com um secretário muito forte e influente, mais até que os presidentes dos países individuais”. Assim, com o cargo de Secretário Geral vago, a organização perdeu grande parte de sua eficácia e legitimidade.

Em 2018, com eleições e trocas de governo no Chile e no Brasil, solidificando uma  nova onda de governos de direita e centro direita na América do Sul, o ponto de quebra chegou. Com a posse de Evo Morales, presidente da Bolívia,  como presidente do UNASUL, uma nova quebra  dos diálogos da organização culminou na decisão de Sebastian Piñera, ex-presidente do Chile, de formar o PROSUL como um substituto à organização. Subsequentemente, metade dos membros do UNASUL se retiraram do bloco, em favor do novo bloco .

A dificuldade da Integração Latino Americana 

O mundo viu durante o período dos anos 1990 a 2010 uma “onda de integração regional”, explica Ricardo Luigi, em que grande parte dos blocos políticos ou organizações supra-governamentais se expandiram. Foram estabelecidos e/ou fortaleceram suas instituições. Notadamente, a União Europeia, a União Africana e a ASEAN, todas viram expansão territorial e/ou de influência política nesse período. Não é uma surpresa assim, ele conclui, que a América do Sul também entraria nessa mesma onda de integração regional, com seu próprio bloco político.

Nos anos 2010, porém, iniciou-se um período de crise na integração regional pelo mundo inteiro, marcado por movimentos nacionalistas e em casos xenofóbicos, tais como o Brexit. De forma geral, viu-se um enfraquecimento e um desinteresse generalizado pela ideia de organizações internacionais influentes que, embora tenham sido fortalecidas novamente com a Pandemia do COVID-19, ainda não retornaram à legitimidade e unidade antes vista. Porém, enquanto dificuldades foram vistas pelo mundo inteiro, apenas na América do Sul houve a verdadeira desintegração do projeto de bloco multinacional. Por que a América do Sul viu essa crise tão profundamente?

“Por a América Latina sempre se encontrar em crise, ela acabou por não se avançar em vários aspectos”, explica o Professor Octávio Neto, “Os estados latino americanos têm medo de perder a soberania, e isso já vem de bastante tempo atrás”. Num contexto de queda da integração regional no mundo, assim, a crise estrutural se misturou a crises conjunturais, como a questão da Venezuela e da ascensão de governos conservadores que tinham como objetivo político a desconstrução de diversos projetos dos governos predecessores, que funcionaram como catalisadores ao colapso. “No momento de crise, em que a integração regional é mais necessária, ela também entra em crise”.

Contudo, mesmo que tenha sido criado em um contexto difícil, o UNASUL em si não se isenta de críticas. Primeiramente, como aponta Octavio Neto, houve um claro problema de comunicação por parte da organização. De acordo com pesquisa do Latinobarômetro, apenas 27% da população sul-americana estava ciente da existência dessa organização em 2010, quando sua formação ainda era novidade, com uma porcentagem provavelmente ainda menor compreendendo de fato sua função. Ecoando este sentimento, o jornalista Jônatas Fuente comenta, “Eu talvez já tenha ouvido esse termo (UNASUL) em noticiários, mas realmente não sei do que se trata”. Em um contexto em que o interesse por integração regional se encontrava em crise, seria essencial a divulgação ampla da importância e do projeto do bloco, algo que nunca foi feito ativamente.

Num âmbito mais institucional, porém, a necessidade de reformas mais profundas entram em questão. Embora seja duvidosa a caracterização do bloco como “profundamente ideológico” e “desnecessariamente caro”, feita por governos como justificativa para a criação PROSUL, é inevitável perceber como disputas e falhas de estratégia, tanto dos países individuais, quanto da organização em si, podem ter ajudado com sua eventual quebra.

“(No Brasil e na América Latina como um todo), olhando até mesmo nos governos locais, não existe direito política de estado, apenas política de governo” aponta Octávio Neto, “é necessário um pensamento de médio ou longo prazo para esse tipo de organização funcionar”. A ação demasiada dos presidentes dentro do UNASUL, assim, com suas próprias agendas políticas de curto prazo, dificultaram sua autonomia institucional e tornaram a organização incapaz de chegar a consensos, especialmente em momentos de crise. Ricardo Luigi explica como na questão da crise da Venezuela, um catalisador para a quebra interna do UNASUL, essas diferenças de política entre governos mostraram uma incapacidade fundamental da organização, “O UNASUL viu dificuldade de se posicionar em casos de crise, agindo muito lentamente, num impasse”.

Porém, se o UNASUL tinha problemas internos que dificultavam a integração regional, o PROSUL não apenas os manteve, mas aprofundou-os. Em sua própria fundação, o novo fórum se propunha como uma resposta direta ao UNASUL, tentando resolver seus vícios e ineficiências. Mas a crítica feita por esses governos acabou revelando-se  majoritariamente vazia e desfocada, enfatizando demasiadamente a “ideologização” e o custo do bloco, ao invés de questões estruturais específicas que mereciam, de fato, a atenção e mobilização estatal. Assim, a estrutura estabelecida para o PROSUL acabou por ser institucionalmente fraca, ainda mais ineficiente que a anterior e menos autônoma como um bloco supra-governamental, funcionando quase exclusivamente na base de encontros entre os presidentes dos países membros, não tendo quase nenhuma autonomia institucional.

“Viu-se uma política de terra arrasada nos últimos anos, uma destruição das instituições anteriores, sem nada para realmente substituí-las”, analisa Ricardo Luigi. 

Por esses motivos , o PROSUL parece não ser verdadeiramente apto para substituir o UNASUL no papel de aumentar a integração regional na América do Sul. Apesar disso, a organização provavelmente continuará existindo; até o momento, apenas o Chile decidiu de fato retirar-se do fórum, com Brasil e  Argentina  mantendo sua participação até o presente momento. Mas é muito difícil ver este bloco ganhando muita influência nos próximos anos, ou de fato atuando como um fator principal na integração sul americana, “O PROSUL vai provavelmente continuar existindo, como mais um fórum internacional. Mas não vejo ela saindo muito disso” explica Neto.

O que deve ser feito com a UNASUL?

Com essa nova guinada a favor do UNASUL, então, há discussão sobre como o Brasil deveria atuar, caso realmente pretenda revigorar a integração regional latino americana como um todo. O UNASUL ainda se trata de uma organização polêmica, com a visão de que a organização era ineficiente, fundamentalmente ideológica e alinhada exclusivamente a governos de esquerda, ainda permeando-a. Para muitos, assim, mudanças serão necessárias.

Para alguns especialistas, como o Professor Ricardo Luigi, há a necessidade de uma reorganização interna da estrutura do bloco, para que este possa agir mais agilmente em futuras crises. “Um vício de origem da UNASUL é a necessidade de que todas as decisões sejam feitas com consenso unânime, (…) mesmo para visões predominantes no bloco, basta o veto de um dos países membros, para que determinadas decisões não sejam tomadas”, em um momento de crise, como na questão da Venezuela e na decisão de um Secretário Geral, o bloco se demonstra incapaz de agir rapidamente, preso pelas visões específicas dos governos atuais. “Se a integração regional não conseguir construir institucionalmente sua autonomia, e ficar dependente da diplomacia presidencial, de ventos favoráveis na política (…) ela estará sempre fragilizada.”

Para outros, porém, como o Professor Octávio Neto, a questão da UNASUL é principalmente uma de imagem e de interesse dos países membros. “A estrutura do UNASUL é bastante usual para blocos de seu tipo pelo mundo. Mesmo antes de sua quebra total, grande parte dos países já não colocava muita fé na Unasul. Os anos 2010 são marcados por crises pela América Latina, e isso afeta o interesse e a fé nessa instituição”. Para ele, o governo brasileiro atual há de tentar provar aos demais países a efetividade e não a “ideologização” da organização, “Para bem ou para mal, é provavelmente necessário o enfoque em temas “não polêmicos”, pelo menos no momento, em que a legitimidade da Unasul está em questão”. Neto adiciona ainda que “o Brasil poderia sempre ter feito muito mais na época em que a Unasul estava mais ativa, e tem que abraçá-la agora para trazer resultados”.

O que parece consenso é que, caso deseje-se que a organização não apenas volte, mas mantenha sua força e legitimidade, mesmo em uma possível próxima onda de governos conservadores no continente, os governos atuais terão de atuar. Mesmo que haja uma expansão, a continuação de seu estado atual significará que qualquer crise no futuro próximo terá o potencial de quebrar a instituição novamente. Esse tipo de instabilidade é completamente incompatível com visões de longo prazo para a integração regional.

Agora que o Brasil oficialmente voltou ao UNASUL, junto à Argentina, é importante prestarmos atenção na atuação desses países. A que nível eles  realmente serão capazes de reviver a organização, e o movimento de integração regional sul americana de forma geral, ainda está para ser visto. A responsabilidade parece estar direcionada para os atuais líderes do continente, e o nível que estarão dispostos a realmente investir nesse projeto intergovernamental será essencial.

Podemos esperar que nos próximos anos um secretário geral e presidente sejam novamente eleitos ao bloco e que, a algum nível, este volte próximo ao seu escopo original. Mas para que sejam mantidas a legitimidade e influência dessa organização, demonstradas frágeis nesses últimos anos, será necessária uma reformulação na forma como ela é vista pelas populações e governos e, talvez, seja inevitável uma reestruturação interna considerável. O capital político para isso existe, a pergunta de verdade é se haverá o interesse e foco que esse projeto ambicioso demanda.

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