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Blogueiras da vida real ressignificam influência nas redes sociais

“Bom dia! Acordou pra quê? Acordou pra vencer! Vamos lutar!” Todos os dias, Nathaly Dias cumprimenta seus quase 100 mil seguidores do Instagram com estas frases de motivação. No YouTube, a carioca, moradora do Morro do Banco, conquistou seu público em apenas 3 meses – um feito notável para qualquer influencer na plataforma. Usualmente, demora-se …

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“Bom dia! Acordou pra quê? Acordou pra vencer! Vamos lutar!” Todos os dias, Nathaly Dias cumprimenta seus quase 100 mil seguidores do Instagram com estas frases de motivação. No YouTube, a carioca, moradora do Morro do Banco, conquistou seu público em apenas 3 meses – um feito notável para qualquer influencer na plataforma. Usualmente, demora-se meses ou até anos para se atingir o número. Quem alcança 100 mil seguidores é, inclusive, premiado pelo Youtube com o envio de uma placa de prata emoldurada com o logo da plataforma. 

Intitulado de Blogueira de Baixa Renda, o canal de Nathaly faz conteúdo produzido por e para pessoas de classe média-baixa, num mercado saturado de conteúdo criado por pessoas de classe média-alta e ricos como o YouTube. 

Com uma irreverente música de introdução nos vídeos e conteúdo bem-humorado, seu canal é um sopro de ar fresco para a cultura de influencers ao refutar o consumismo desenfreado e outros critérios sociais normativos propagados pela classe média e elite em seus canais. Enquanto a maioria das outras criadoras de conteúdo na plataforma buscam seguidores ao mostrar um estilo de vida e compras inacessível para a maioria do Brasil, Nathaly e outras novas influenciadoras buscam inspirar sua audiência mostrando que é possível, sim, ser feliz com menos. 


Minimalismo na favela

O crescimento assombroso do canal de Nathaly entre maio e outubro de 2019 foi impulsionado, em grande parte, por uma série de vídeos sobre minimalismo na favela que a estudante de administração idealizou e produziu. A série foi um enorme sucesso. Enquanto outras blogueiras ainda insistem no já tradicional modelo de vídeos, arrumadas e maquiadas, mostrando os presentes que ganharam ou dando indicações de compras, Nathaly surfou na direção contrária. Sem maquiagem, usando roupas simples, cabelos com ondas naturais e boas doses de humor, Nathaly levou a audiência para dentro de sua casa enquanto organiza a coleção de potes de plástico de sua cozinha ou mostrava como transformar uma porta em mesa de jantar. 

A carioca Nathaly Dias, de 26 anos, uma das blogueiras de baixa renda, que teve seu canal impulsionado pelo próprio Youtube e cresceu rapidamente na plataforma. [Imagem: Reprodução]
A carioca Nathaly Dias, de 26 anos, teve seu canal impulsionado pelo próprio Youtube e cresceu rapidamente na plataforma. [Imagem: Reprodução]
“Sempre achei que seria uma voz e que o que eu tinha para dizer iria representar alguém”, conta. “Certo dia, me deu um estalo e resolvi comprar um celular novo pra começar a criar os conteúdos. Parcelei o meu antigo celular em dez vezes e, a partir daí, surgiu o Blogueira de Baixa Renda.” 

Em um  dos quadros de seu canal, Faxina e Fala, o conteúdo é  autoexplicativo: a influenciadora limpa sua casa enquanto, entre dicas de como limpar o boxe ou economizar espaço no armário, compartilha com a audiência temas como ansiedade, violência doméstica e dicas de séries da Netflix. A realidade como ela é, sem retoques, parece ser uma força de atração poderosíssima para a audiência, que rapidamente sente-se como um amigo próximo de Nathaly e seu companheiro, Guilherme, enquanto compartilham o dia-dia e vida na comunidade. 

A positividade e transparência de Nathaly é frequentemente exaltada nos comentários pelos “baixa-rendinhas”, forma afetuosa como a blogueira refere-se a seus seguidores. Mas, como é comum na internet, todo o sucesso veio acompanhado de uma porção de críticas e controvérsias.

 

Pela união dos baixa-rendas

Em um dos vídeos mais assistidos de seu canal, Nathaly compartilhou com a audiência sua experiência negativa numa loja de uma famosa marca de maquiagem, queridinha das blogueiras do nicho, em um shopping do Rio. Era sua primeira compra do tipo e a influenciadora sentiu-se humilhada pelo tratamento recebido na loja. Quando o vídeo viralizou, seus fãs defenderam-na ferrenhamente, exigindo retratação da loja. Muitos, inclusive, compartilharam o mesmo desconforto em lojas da marca – que desculpou-se com a blogueira e convidou-a para uma nova visita a suas lojas. 

Nathaly negou. Trouxe, no entanto, para o centro do debate, uma importante discussão sobre a forma como pessoas de baixa renda são tratadas em espaços elitizados. Respondeu às críticas de que pessoas como ela não deveriam sequer frequentá-los. “O baixa-renda está cada vez mais conquistando espaços. Se o baixa-renda quiser comprar um Iphone, base da MAC ou viajar internacionalmente, ele pode”, compartilha a blogueira, e complementa: “O problema de quem critica é que deve ser muito difícil ver um baixa-renda vencendo. Na cabeça da maioria das pessoas, o pobre passa fome e mora em um barraco de madeira sem saneamento”.

Nathaly é enfática em diferenciar, em seus vídeos, que “baixa renda não significa sem renda”. A carioca conta que já morou em um barraco humilde de um cômodo na favela em que vive até hoje. Passou dificuldades e teve pouco para comer quando a mãe, empregada doméstica e vítima de violência doméstica, que lutava para libertar-se do lar abusivo. 

Com o crescimento de seu canal, a blogueira consegue adquirir produtos de marcas mais caras – como um iPhone, presente de um seguidor. As novas aquisições sempre geram críticas nas redes sociais e mostra que parte menos cativa da audiência parece engajada em fiscalizar a renda e a filosofia minimalista da criadora de conteúdo. 

Em seu Instagram, que apresenta seu conteúdo como “lifestyle do pobre e blogueira da vida real” e busca ressignificar a influência digital, a blogueira recebeu diversas críticas quando postou fotos de uma ida recente à Buenos Aires. A viagem internacional aconteceu a convite de uma companhia aérea e rede de hotéis populares para mostrar que é possível, sim, viajar gastando pouco. Foi sua primeira viagem internacional, e deu origem à série de vídeos intitulada “baixa renda pelo mundo”.  

As críticas à sua ascensão são sintomáticas e reflexo da “cultura do cancelamento”, em que personalidades são escrutinadas em público e tem sua atuação “cancelada” pela mesma audiência que os alçou ao sucesso. 

Para parte desse público, Nathaly tem que se provar constantemente merecedora da carteirinha de “baixa-renda”. Nas entrelinhas, há um argumento perverso e uma contradição latente. 

Para quem o defende, Nathaly só pode falar pelos que passam fome, por exemplo, se estiver passando fome. Ignora-se, no entanto, que quem passa fome geralmente não tem tempo ou meios para produzir conteúdo para a internet. É precisamente por isso que a enorme parcela da população de baixa renda brasileira não tem voz ou representatividade em plataformas como o YouTube. 

Sem espaço de representação, pessoas de baixa renda também não conseguem ter suas demandas ouvidas pelas sociedade – ou promover debates sobre a forma como são tratados em lojas de shoppings, como fez a blogueira. Quando finalmente conseguem condições de vida que possibilitam ter tempo e recursos para dar voz à sua classe, essas poucas vozes são silenciadas e acusadas de ocupar um espaço que não lhes pertence mais. Nathaly reivindica esse espaço. Em um de seus vídeos, clama pela união das pessoas de baixa-renda: “quando os baixa-rendas do Brasil descobrirem sua força, nada, nada, vai nos parar”.

 

“Apesar de tudo, eu preciso ser feliz”

Além de Nathaly e seu Blogueira de Baixa Renda, outras produtoras de conteúdo têm focado sua produção para o público de baixa renda – que, em termos numéricos, é muito maior do que o nicho para o qual as blogueiras de alta renda falam. 

Camilla Santos mora em Guarulhos e possui mais de 70 mil seguidores no Instagram milla.lar.simples, rede social em que compartilha sua vida real como mãe e dona-de-casa, através de imagens delicadas de seu cotidiano. Suas fotos raramente mostram seu rosto – geralmente, focam na organização doméstica do lar ou na comida preparada para a família. 

Camilla não teve medo de mostrar um lar muito mais humilde do que aqueles que usualmente são exibidos na rede social – e, com isso, encantar sua audiência. “Quando criei o meu perfil no Instagram, foi para distrair a cabeça e minimizar a pressão de ser dona de casa, que não é fácil. E confesso que caí de paraquedas nesse mundo. Minha intenção era só falar da minha realidade”, relata. 

Mesa e cozinha de Milla, compartilhadas no seu Instagram. [Imagem: Reprodução]
Em seu instagram, Milla compartilha cenas e cenários de seu cotidiano de dona-de-casa. [Imagem: Reprodução]
Milla também estava cansada da realidade artificial mostrada nas redes e não sentia-se representada por ela. “Lógico que a gente sempre está almejando o melhor para nossa vida. Mas a minha realidade hoje é de uma vida simples e mesmo assim sou feliz na minha realidade, nas minhas lutas”. 

Embora acompanhe o trabalho de outros influenciadores, Milla mantém seu conteúdo original inspirando-se em si mesma. “Todos [os outros influencers] merecem respeito por tudo o que passaram para chegar onde chegaram. Mas acho que sou minha maior inspiração, porque só eu sei de toda minha história, minhas lutas. E que, apesar de tudo, eu preciso ser feliz”. 

Milla quer continuar produzindo conteúdo motivada pela sua felicidade. A proposta do perfil é mostrar que o simples também é belo – e tem dado muito certo. Milla tem feito parcerias com supermercados e lojas de materiais de construção. “Tudo era só uma distração pra mim. E quero continuar assim, fazendo tudo com amor, sem me preocupar com o receber. Prefiro que tudo aconteça naturalmente. Tudo que vier para o bem da minha família será muito bem recebido”. 

As irmãs, Amanda e Mariana Camargos, ainda estão dando os primeiros passos na produção de conteúdo voltada para esse nicho. “Acreditamos que as pessoas precisam ser representadas e precisam encontrar apoio em grupos que vivam as mesmas realidades que elas”, contam. Através do perfil pobresveganas, buscam mostrar “como pode ser simples, caseiro e delicioso o dia a dia vegano”. Com um feed colorido e de dar água na boca, mostram receitas baratas e simples – como um misto quente vegano e um escondidinho de ‘casca’ louca, feito com mandioca e batata doce. “Gostaríamos de ajudar as pessoas que, assim como nós querem, transformar sua alimentação sem precisar gastar mais e sem precisar recorrer às opções veganas superfaturadas e de difícil acesso”, relatam.

 

Para as batalhas, inspiração

Apesar de mostrar que é possível ser feliz com menos, Nathaly Dias, a Blogueira de Baixa Renda, nunca romantiza a pobreza e suas dificuldades. Ela sonha com um mundo em que todos os baixa-renda possam ter condições de viver bem e realizar seus sonhos, além de ascenderem socialmente e consumirem o que quiserem. Mas essa não seria uma percepção equivocada de que a ascensão individual é a resposta para as condições precárias em que parte da população brasileira vive? Afinal de contas, Nathaly quer ser rica ou um mundo onde não existem ricos e pobres? 

“Eu prefiro lutar para que todos sejamos iguais”, compartilha. “Não tenho e nunca tive pretensão de ser rica, tanto que meu maior sonho não é ser milionária, mas poder comprar uma casa pra minha mãe – e quando eu digo casa é uma casinha aqui no Morro do Banco mesmo”, declara. “Sempre falo nas minhas redes que não devemos ver o baixa-renda subindo e tentar diminuir ele; devemos exaltar o baixa-renda que subiu e tentar chegar lá também.” 

Nathaly conta que, no início do ano passado, foi convidada para palestrar em um evento em São Paulo. Ela foi questionada sobre o que faria de um dia deixasse de ser baixa renda. “Minha resposta foi que eu nunca tinha pensado nisso. Mas seria algo como Blogueira de renda não tão baixa assim”, brinca. “Falei ainda que compraria todas as casas do morro do banco e colocaria um portão na frente. Todo mundo moraria de graça”. 

Por enquanto, seu grande sonho em relação ao conteúdo é outro. Nathaly quer alcançar o maior número possível de baixas rendas em todos o lugares. “Uma das coisas que eu mais me orgulho com o que eu produzo são as mensagens diárias das pessoas me dizendo que eu ajudei elas de alguma forma e que eu dou forças e inspiração para que enfrentem suas batalhas diárias”, conta. O rápido crescimento do público de blogueiras como Nathaly mostra que seu sonho de cativar grandes audiências torna-se cada dia mais real. 

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