Jornalismo Júnior

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Quando bate aquela saudade de ser cafona

Hein? Iogurte? Ok, é um nome meio estranho, mas eu gosto de iogurte. No início era o e-mail. De vez em quando, nos intervalos, na aula de informática (em segredo, a aba escondida, o mouse em cima do x, a aflição, o professor chegando para frustrar a leitura das mensagens), antes de dormir, religiosamente. Não …

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Hein? Iogurte? Ok, é um nome meio estranho, mas eu gosto de iogurte.

Iorgute.
Iogurte?

No início era o e-mail. De vez em quando, nos intervalos, na aula de informática (em segredo, a aba escondida, o mouse em cima do x, a aflição, o professor chegando para frustrar a leitura das mensagens), antes de dormir, religiosamente. Não mais que de repente o de vez em quando cedeu. E se alguém estiver escrevendo justamente enquanto eu estou fechando essa janela, agora mesmo? E agora que não é mais o agora mesmo? As horas viraram minutos que viraram segundos. A caixa de entrada vazia era o coração vazio. Espera, vou atualizar. Uma, duas, três vezes, de novo, até que – até que eu me perdi completamente no éter cibernético. As noites ansiosas e mal dormidas. Cada frase negritada era um sobressalto: quem será? E por alguns milésimos de segundo a respiração parava, a mente tentando ler rapidamente o nome do remetente e ao mesmo tempo querendo que ele seja quem queremos que seja.

E quando eu achava que não poderia estar mais inserida em minha obsessão, eis que me apresentam um negócio de “rede social” que tinha nome de produto lactobacilar. Mas um iogurte das elites: só entraria na rede quem fosse – veja bem – convidado. E meu e-mail se encheu de pompa – porque, afinal, eu era agora integrante de um seleto círculo social – e eu até aprendi que se fala Orkut, não iogurte nem yakult. E cada pessoa que aderia chamava mais amigos, até que o que era VIP virou passe livre. No Orkut estava seu melhor amigo, seu irmão, seu vizinho, aquele português da padaria da esquina, até sua mãe (é, sua mãe!). Ou seja, a coisa era inovadora, era tendência. Vício geral. Éramos marujos de primeira viagem virtual, navegando por mares nunca dantes navegados.

Yakult.
Yakult?

Costuma-se dividir a trajetória da rede em dois períodos: os tempos áureos (“o império”) e o declínio. Orkut era bom para rever gente que parece ter surgido do subterrâneo. Aquele amigo que foi morar fora, aquele professor ranzinza mas que posta foto de festa com colegas vestindo um sombrero, aquele namoradinho da terceira série, aquela menina que você odeia e tá só esperando pra dar tudo errado na vida dela. Orkut era bom pra bancar o stalker e fuçar no perfil daquele brotinho. E quando um fuçava o perfil do outro incessantemente e isso ficava no histórico, pipocando na sua home? Talvez scraps fossem mandados, talvez recadinhos de uma linha fossem escritos (oi, vou te add, ok?) e – e daí eram mais subentendidos que um livro de poesia.

Falando em poesia, os depoimentos merecem comentários à parte. Há os que são feitos por um acordo tácito e lacônico (eu sou seu amigo e lhe mandei um depoimento, mereço um de volta, e assim gerava-se um ciclo eterno de “você sabe que pode contar comigo sempre, né?” e “beijo e tudo de bom!!!”, com o excesso de pontuação idiossincrático do Orkut) ou – e esses são os mais engraçados – aqueles de supetão, secretos (“NÃO ACEITA ESSE DEPO!”, às vezes em cor vermelha), como se pedissem pra você aceitar só de sacanagem e revelar as polêmicas daquele seu amigo ou paixonite. E o riso seria coletivo, talvez inclusive na vida real. Ah, o orkut.

Se lá bancávamos os poetas, também tínhamos nosso lado mais filosófico-dialético. Entrávamos em comunidades das quais nem gostávamos só para parecermos mais inteligentes: líamos A Divina Comédia em italiano, éramos entendidos em Schopenhauer, clamávamos por uma política brasileira mais representativa. Camaleonicamente, ao lado de Nietzsche havia PCC (não o grupo criminoso, o trio “pagode/cerveja/churrasco” mesmo) e Dostoiévski fazia companhia ao “Odeio gente falsa!”. O fato é que no Facebook temos um protótipo de comunidade, mas só no Orkut as pessoas se agregavam tão espontaneamente para falar sobre assuntos tão diversamente paradoxais. Orkut era debate, Orkut era cultura, mesmo que banal, porque baixo nível todos têm um pouco – e o Orkut é a rede na qual o baixo, cedo ou tarde, irá aflorar. Basta olhar aqueles depoimentos comprometedores que você nunca apagou daquele seu perfil mofado. Isso mesmo, vai olhar.

Ah, Orkut!
Ah, Orkut!

Mas toda ascensão é o início do declínio. Foi tudo tão de repente. No dia anterior eu estava fuçando perfis, rindo das fotos dos outros, esculhambando e sendo esculhambada. Daí o fatídico dia. De repente os álbuns foram trancados. Tudo foi trancado. Ilhas privadas em espaço público. Rousseau ficaria chateado, como eu também fiquei. Como todos ficaram. O Orkut foi acabando à medida que virava uma série de círculos de amizade desconexos: você só via o que lhe era permitido ver.

Qual a graça?

Hoje a gente tem nosso Fêici de cada dia. Ele veio embaladinho pra presente, pronto, com todos os aplicativos possíveis e toda parafernália tecnológica. Mas, de vez em quando, bate uma saudade de acompanhar uma rede social do zero, com todos os seus defeitos e suas baixezas. Dá vontade de mandar um depoimento bem cafona. De colocar cor na descrição do perfil. De te mandar um scrap, pedir pra te add. De perguntar se você gosta de iogurte.

Por Mariana Fonseca
fsc.mariana@gmail.com

1 comentário em “Quando bate aquela saudade de ser cafona”

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