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Mentiras e linguagem corporal: denúncia ou convencimento?

O ato de mentir pode ser eventual e trazer um sentimento de culpa, mas também pode ser treinado e aperfeiçoado. É no planejamento e na linguagem corporal que se encontram os segredos do blefe.

Mentir é algo natural e extremamente comum. É praticamente impossível conviver na sociedade atual sem, no mínimo, contar alguma mentira. Em diferentes graus, é uma ação que pode ser, não apenas benéfica, como também estratégica: é o caso do presente de natal que você diz que adorou, por exemplo. Pode não ser a realidade, mas contribui para manter uma boa relação com aquele que te presenteou, sem causar grandes prejuízos.

Porém, não é por ser natural que mentir é fácil. É muito comum que um sentimento de culpa ocorra após a mentira, e essa culpa é proporcional à gravidade e ao impacto da mentira contada, assim como o seu costume em relatar inverdades. De fato, é o cérebro que, fazendo com que mentir leve a sentimentos negativos de culpa, barra a quantidade de falsidades que alguém diz. Contudo, ele também se acostuma a contar mentiras, e elas vão se tornando cada vez mais fáceis, porque esse bloqueio vai afrouxando, especialmente se for uma mesma história sendo contada: a repetição faz com que o indivíduo se sinta mais confortável com aquele relato, ele se torna mais familiar para quem o conta, fazendo com que seu modo de contar seja cada vez mais orgânico.

 

A reação do corpo à mentira

Omitir uma informação ou outra talvez seja simples, mas ações mais elaboradas como fingir uma emoção ou relatar uma história que nunca aconteceu exigem um esforço muito maior. Isso porque a mente está mais acostumada à honestidade. Quando se é posto frente a uma situação em que é necessário enganar alguém, o raciocínio deve ser muito mais elaborado: é preciso esconder ativamente a realidade e forçar o corpo e o pensamento para convencer o outro com uma história e reação coesa. Quando isso não ocorre, são essas incongruências no enredo ou nas expressões que podem denunciar a falsidade de uma fala.

É o caso das micro expressões: reações faciais que podem durar menos de um segundo. Vítor Santos é perito em Facial Action Coding System (FACS), um sistema para categorizar diferentes expressões humanas, pelo PEG-USA e faz sucesso com seu canal no Youtube “Metaforando”,  onde destrincha essas expressões em eventos da cultura pop. A ideia é que o estudo da mentira parte do estudo das emoções, e as emoções reais costumam transparecer, mesmo que muito rapidamente, antes da emoção falsa. Assim, analisam-se a reação dos músculos do rosto em busca de incongruências entre o discurso e as expressões.

Praticando o blefe

Danilo Matias é psicólogo formado pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB) e especialista em criminologia e psicologia investigativa criminal. Em entrevista ao Laboratório, ele afirma que “mentir é natural quando está ocorrendo de uma maneira casual e espontânea”. De acordo com Matias, esses traços da mentira, perceptíveis durante um discurso, ficam mais evidentes quando o mentiroso está tentando ocultar a mentira ou quando aquela inverdade não foi devidamente elaborada antes. Ou seja, o segredo para um bom blefe está no conforto durante a situação. É por isso que em interrogatórios, por exemplo, cria-se uma situação de muito estresse para o interrogado, forçando contradições e conferindo sempre a sua reação.

É desse modo que funciona o polígrafo, famoso em cenas de investigação da cultura pop, era usado até em programas da TV brasileira como o Superpop, programa da RedeTV! apresentado pela Luciana Gimenez, ou o Tudo É Possível, da Rede Record: em ambos havia um quadro em que os famosos encaravam o detector de mentiras. O aparelho mede e registra em gráficos a oscilação de características como suor e batimentos cardíacos a fim de julgar o conforto do suposto mentiroso enquanto ele fala. Ainda que não seja um modo infalível de “detectar mentiras” como o nome sugere, especialmente pelas variáveis como ambiente e características próprias de cada indivíduo, o seu funcionamento exemplifica bem as características necessárias para passar confiança ao mentir.

Por outro lado, uma história já planejada e bem ensaiada tem mais chances de convencer o outro. É comum ouvir relatos, especialmente em investigações famosas, de criminosos que criam um personagem para tentar inocentá-los. Um exemplo foi o caso da Suzane von Richtofen que, em suas primeiras aparições quando ainda era apenas suspeita do assassinato de seus pais, agia de forma infantilizada para vender melhor sua suposta inocência por indicação do advogado. “Mas aquilo não se sustenta, porque você não ensaiou aquilo o suficiente para chegar tão longe”, complementa Matias.

Suzane, na época com 22 anos, junto de seu advogado Denivaldo Barni [Imagem: Reprodução/Memorial Globo]
Suzane, na época com 22 anos, junto de seu advogado Denivaldo Barni [Imagem: Reprodução/Memorial Globo]

Um exemplo de como reconhecer e convencer com um blefe está no pôquer, jogo de cartas em que a estratégia e a habilidade de reconhecer o que é verdade nas ações dos oponentes vale mais do que ter sorte. É necessário evitar qualquer escorregão que denuncie suas estratégias. O jogador profissional André Coimbra conta que “para a maior parte dos jogadores o ideal é não falar muito enquanto jogam”. Quanto menos informações os jogadores fornecerem em suas expressões, mais difícil será descobrir se possuem uma mão boa de cartas.

A postura do jogador deve se manter sempre de modo semelhante, ativamente trabalhando para enganar os parceiros. Outro jogador, Victor Danilecz, evidencia esse esforço: “É necessário balancear sua estratégia. Se você tem algum tique quando blefa, é interessante fazer esse tique quando estiver falando a verdade. O segredo é o equilíbrio e manter um padrão”.

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