Com sintomas variados, o Transtorno Obsessivo Compulsivo (TOC) é relacionado a manias que afetam o convívio social
Por Iolanda Paz (iolanda.rpaz@gmail.com)
Caminhava pelas ruas desviando dos transeuntes, evitando o contato corporal por medo de que se contaminasse. Não pisava as marcações do asfalto: sempre pulava aquelas listras (desagradáveis) no cimento. Chegava em casa e logo sentia a obrigação de conferir seis vezes – e não cinco, por não ficar confortável com números ímpares – se a porta estava trancada. “Se estivesse ficado aberta, alguém poderia entrar e a culpa seria minha”, pensava. Tirava imediatamente o sapato e arrumava simetricamente o chinelo até o par direito e o esquerdo estarem na mesma linha. Só então posicionava seus pés neles.
Dirigia-se para o banheiro: acendia e apagava o interruptor por duas vezes e começava a lavar as mãos. O número mínimo era quatro, porém, dependendo do dia, podia passar mais tempo. Não foram poucas as vezes que elas sangraram, mas precisava sentir que estavam, de fato, limpas. Para fechar a torneira, girava-a mais de uma vez. “Não posso correr o risco de o apartamento inundar”, de novo pensava. Ao sentar na escrivaninha para estudar, só conseguia se concentrar quando todos os livros e cadernos estavam dispostos em ângulos retos, de preferência equidistantes. Tinha certeza da grande perda de tempo que tudo isso lhe causava, mas não era algo que conseguia evitar.
Popularmente conhecidos como manias (de limpeza, de organização, de verificação, etc), os sintomas do Transtorno Obsessivo Compulsivo (TOC) são variados. Cada pessoa pode manifestar diferentes tipos, com intensidades que também variam. De acordo com o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-5), da Associação Americana de Psiquiatria, o TOC se caracteriza, fundamentalmente, pela presença de obsessões e/ou compulsões.
As ideias obsessivas são pensamentos, imagens ou impulsos que vêm à mente do indivíduo de maneira recorrente e persistente. São involuntárias e indesejadas, sem que ele possa, contudo, evitá-las. Por exemplo, pensar a todo momento que suas mãos estão contaminadas por ter tocado em objetos sujos; ou ser atormentado por dúvidas intermináveis a respeito de ter ou não realizado alguma atividade; ou, também, ter pensamentos tabus, ligados às obsessões sexuais, agressivas e religiosas.
Todas elas causam ansiedade e um forte desconforto à pessoa, obrigando-a a seguir rituais compulsivos em resposta. Essas compulsões podem ser comportamentos repetitivos ou atos mentais, como contar em silêncio. Não raro, elas têm rígidas regras a serem aplicadas durante a execução, como é observado nas checagens das trancas das portas. Alguns sujeitos que têm TOC acham que, se não realizarem os rituais, algo de ruim pode acontecer-lhes. Entretanto, a ocorrência das obsessões tende a agravar-se à medida que as compulsões são sistematicamente realizadas.
Há, ainda, uma outra categoria do TOC a ser considerada: “as evitações”. Pesquisadores da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), em um site especializado no transtorno, falam que elas acontecem quando, para obter alívio de suas preocupações obsessivas, os sujeitos evitam o contato com determinados lugares, como banheiros públicos e hospitais; ou com objetos que outras pessoas tocaram – dinheiro, maçanetas, etc –; ou, até mesmo, com outros indivíduos.
Para medir o quanto os indivíduos que têm TOC acreditam na veracidade de suas obsessões, o DSM-5 distingue graus de insight. A maioria deles têm insight bom ou razoável: se o fogão não for verificado 30 vezes, por exemplo, consideram que a casa definitivamente não incendiará ou que há chances plausíveis de que ela não pegue fogo. Alguns têm insight pobre: acreditam que a casa provavelmente incendiará. E poucos, menos de 4%, têm insight ausente: estão convencidos de que a casa pegará fogo.
Muito mais do que simples manias, os sintomas do TOC não costumam estar conectados de maneira realista ao evento temido. Por isso, são situações distintas das de pessoas que gostam de estar com as mãos limpas; ou que voltam para verificar se a porta de casa está realmente fechada; ou que organizam o armário por cores. No TOC, tanto as obsessões quanto as compulsões ocupam boa parte do tempo do indivíduo, atrapalhando suas relações sociais, acadêmicas, de trabalho, etc. A frequência e a gravidade delas variam: enquanto alguns sujeitos passam de uma a três horas por dia com os sintomas, outros podem ter pensamentos intrusivos e compulsões quase constantes – e, até, incapacitantes.
O doutor Drauzio Varella, em seu site, diz que é comum que já tenhamos experimentado, alguma vez, um comportamento compulsivo. Porém, se ele se repete a ponto de prejudicar a execução de tarefas rotineiras, é sinal de que a pessoa pode ter TOC e precisa de tratamento. Assim, existem dois tipos de TOC: transtorno obsessivo-compulsivo subclínico e transtorno obsessivo compulsivo propriamente dito. No primeiro, as obsessões e os rituais acontecem com frequência, mas não atrapalham a vida da pessoa, diferente do segundo. O DSM-5 diz que, para distingui-los, é necessário considerar o nível de sofrimento do indivíduo e os prejuízos que os sintomas causam-lhe.
Por outro lado, o diagnóstico, às vezes, demora a ser realizado. Não são todos os sujeitos afetados que procuram tratamento, porque não reconhecem os sintomas como parte de um transtorno. Também pode acontecer de o indivíduo tentar disfarçar as manifestações do TOC, por reconhecer que seus pensamentos e atos são exagerados. Assim, por vergonha, evita conversar sobre o assunto e reluta em procurar auxílio psiquiátrico. Drauzio Varella diz que, em geral, o diagnóstico é confirmado apenas nove anos depois das primeiras manifestações. A maior parte dos casos é diagnosticada em adultos, mesmo que o TOC possa atingir crianças a partir dos três, quatro anos de idade.
Causas e tratamento
Drauzio Varella também afirma que as causas do TOC ainda não estão bem esclarecidas, mas que se trata de um transtorno multifatorial. De acordo com o artigo “As muitas faces da obsessão”, presente na edição 205 da revista FAPESP, o TOC é consequência da interação de fatores genéticos, neurobiológicos e ambientais. Essa interação altera o funcionamento de circuitos que conectam áreas mais externas do cérebro (as regiões do córtex ligadas ao processamento de emoções e ao planejamento e relacionadas ao controle das respostas de medo) a áreas internas, como os gânglios da base e o tálamo. Responsáveis por integrar as informações emocionais, cognitivas e motoras, esses últimos regulam a resposta ao meio ambiente.
A troca de informações entre essas áreas, mediada principalmente pelo neurotransmissor serotonina, estaria desregulada no TOC. Entre as possíveis causas do transtorno, também estão fatores psicológicos e o histórico familiar. O DSM-5 ainda especifica os fatores ambientais: abuso sexual na infância ou outros eventos traumáticos poderiam levar a um maior risco de desenvolvimento do transtorno.
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), o TOC é o quarto transtorno psiquiátrico mais comum no mundo. Ele atinge aproximadamente um em cada 40 a 60 indivíduos, ou ao redor de 2,5% pessoas ao longo da vida. No Brasil, cerca de 5 milhões de pessoas têm TOC. Em geral, ele tende a ser crônico: os sintomas crescem e diminuem de intensidade ao longo da vida. A cura completa do transtorno é pouco frequente, mas é possível ter um controle dos sintomas por meio de tratamentos.
Eles podem ser feitos com uso de medicamentos: antidepressivos que inibem a recaptação de serotonina, a qual atua no circuito que está alterado. Também pode ser utilizada a psicoterapia, por meio da terapia cognitivo-comportamental, que tem comprovada eficácia. Através dela, o paciente é estimulado a controlar os pensamentos obsessivos e os rituais compulsivos. Começando pelos sintomas mais brandos, o princípio básico é expor o sujeito à situação que gera ansiedade e medo. Segundo Drauzio Varella, os resultados costumam ser melhores quando se associam os dois tipos de abordagem terapêutica.
Além das duas formas de tratamento internacionalmente recomendadas para amenizar os sintomas do TOC, no Brasil – e de modo experimental –, uma cirurgia cerebral que interrompe permanentemente a comunicação entre as partes desse circuito neuronal pode ser feita, como uma alternativa extrema que utiliza radiação.
O Projeto Transtornos do Espectro Obsessivo-Compulsivo (Protoc), coordenado pelo psiquiatra Eurípedes Constantino Miguel e ligado ao Instituto de Psiquiatria da Universidade de São Paulo (IPq-HCFMUSP), realiza pesquisas sobre o Transtorno Obsessivo Compulsivo. A equipe do projeto já demonstrou que a cirurgia ajudou a controlar os sintomas em metade dos casos mais graves de TOC – nos quais a medicação e a terapia não estavam fazendo efeito – que foram submetidos a ela. Mas os resultados indicam que nem mesmo a operação leva à cura.
Outra contribuição dos pesquisadores foi a constatação de que, nos casos leves e moderados, o resultado do tratamento com medicação é semelhante ao efeito da psicoterapia. Para eles, o importante é tratar o transtorno de forma continuada, porque a melhora leva tempo para aparecer. De qualquer maneira, nem sempre os tratamentos funcionam. Pesquisas já provaram que é cerca de 60% dos pacientes que melhoram com o uso de medicação ou psicoterapia. Esses estudos, contudo, haviam sido realizados com pessoas que tinham a “forma pura” do TOC.
Desde 2003, Miguel coordena uma rede formada pelos principais especialistas do país em TOC: o Consórcio Brasileiro de Pesquisa em Transtornos do Espectro Obsessivo-Compulsivo (C-TOC). Ao realizarem 1001 entrevistas com pessoas que têm TOC atendidas nos estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Pernambuco, Bahia e Rio Grande do Sul – a maior amostra já reunida no mundo –, os pesquisadores do C-TOC descobriram que apenas 8% delas apresentavam exclusivamente sintomas de obsessão e compulsão, o TOC “puro”.
Na maioria dos casos, o TOC vem acompanhado de outros transtornos psiquiátricos: 68% dos participantes do estudo também sofriam de depressão e 63% de outros transtornos de ansiedade – os distúrbios mais frequentes na população em geral. Quase 35% apresentavam sinais de fobia social, que é o medo excessivo de estar em público. A presença de comorbidades, ou seja, de outros transtornos em associação, pode explicar por que nem sempre os tratamentos funcionam como esperado. Por isso, tratar a comorbidade pode ser tão importante quanto combater os sintomas puros do TOC.