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Luz, câmera e representação

Como a representatividade nas séries influencia no comportamento das pessoas que as consomem

“Toda a narrativa ficcional de entretenimento tem o poder de reforçar mitos ou reimaginar a realidade. Representatividade deve ser um fator crucial sempre.”

– Stefano Volp, escritor e roteirista

Em julho de 2022, Marta Kauffman, uma das criadoras da série Friends (NBC, 1994-2004), concordou publicamente com as denúncias de falta de diversidade do seriado. Após 18 anos do final do programa, ela ainda pediu desculpas e divulgou sua doação de quatro milhões de dólares para o Departamento de Estudos Afro-Americanos da Brandeis University. Essa admissão de Marta, que esteve por trás de uma das séries televisivas de maior sucesso de todos os tempos, é uma atitude necessária para a conscientização sobre representação de personagens não brancas, transgêneras e homossexuais nas telas. Mas por que representatividade é importante?

Segundo dados de uma pesquisa feita pelo NetQuest, encomendada pela Netflix, 70% dos brasileiros mais jovens procuram assistir séries com personagens que se assemelham a eles. Para Caio Andrade, jovem LGBTQIA+ e estudante de jornalismo, isso ocorre pois essas representações criam “a possibilidade de olhar para um personagem e admirá-lo, por ver nele suas cicatrizes e dores”. Ele acrescenta dizendo que é possível ver um prenúncio de um mundo mais inclusivo surgindo com os novos lançamentos das plataformas de streaming

Embora haja uma predisposição de que mais pessoas assistam séries com maior representatividade, muitas produções norte-americanas não souberam reproduzir, de maneira justa, as vivências de personagens não brancas, transgêneras e homossexuais. Essas personagens, quando são retratadas, são frequentemente representadas como secundários, cuja única personalidade é a sua etnia, sua identidade de gênero ou sua opção sexual. De acordo com Stefano Volp, escritor e roteirista de muitas produções sobre negritude – como Homens pretos (não) choram (Editora Ltda, 2022) -, as narrativas audiovisuais no Brasil e na maior parte do mundo são idealizadas, produzidas e financiadas por um grupo majoritariamente branco. “Sem a vivência, interesse e escuta, esse grupo sempre reproduziu os grupos minoritários de modo estereotipado”, afirma o escritor. É válido citar também que os casos em que séries audiovisuais baseadas em livros que buscam aumentar essa representatividade em suas adaptações são atacadas por internautas que defendem uma adaptação fiel dos livros, como a mais recente série da saga Percy Jackson e os Olimpianos (Editora Intríseca, 2005).

Os estereótipos das séries 

Desde 2015, muitas produções vêm buscando ampliar seu elenco de personagens para incentivar a inclusão. Porém, ainda que tentem tornar as séries mais “diversas”, continuam frequentemente se baseando em estereótipos pela falta de representatividade real na produção, para além dos atores.

Uma das práticas preconceituosas mais comuns das produções cinematográficas é o whitewashing. Ela consiste em utilizar um ator branco para interpretar personagens de outras etnias. O caso mais comum é chamado de  blackface: ele é caracterizado por um ator branco que se pinta com tinta preta e interpreta uma personagem negra. Essa técnica está extinta das séries e filmes norte-americanos, uma vez que foi criminalizada, mas ainda é possível visualizar suas consequências. Por exemplo, o pequeno número de atores pretos nomeados para premiações cinematográficas, uma vez que eles entraram na indústria mais tardiamente. Essa prática também pode ser vista na relação com os asiáticos, nesse caso, chamado de yellowface.

As personalidades caricatas de personagens negras são múltiplas e frequentes. Como por exemplo, a chamada “negra expansiva”, cujo comportamento é exagerado e barulhento; ou a “negra mágico”, personagem preta retratada como um ser sábio, místico ou humilde, cujo o único objetivo é ajudar a personagem branca; ou até a “melhor amiga da personagem principal branca”,  usada para aumentar a diversidade das séries, mas com a personalidade resumida a ser (a melhor amiga da protagonista branca. Este último estereótipo não atinge somente pessoas pretas, mas também asiáticas, latinas e LGBTQIA+. 

A personagem Jolene (Moses Ingram) exemplifica o estereótipo de ser apenas a amiga da protagonista, além de reforçar também o estereótipo da “negra mágica” por aparecer só para ajudar a personagem principal na minissérie O Gambito da Rainha (Netflix, 2020) [Imagem: Reprodução/Netflix]

Os latinos também são representados de maneira preconceituosa pelas produções seriadas, especialmente nas estadunidenses. Nas histórias, dificilmente há uma diferenciação em relação aos países da América Latina, quase como se considera-se a América Central e a do Sul uma só nação e não 33 países independentes entre si e todas as pessoas tivessem a mesma nacionalidade.  Diversas vezes, os latinos são representados como obrigados a saber espanhol ou como pessoas com sotaques forçados, embora nem todos os países dessa região tenham essa linguagem como oficial. 

Um dos rótulos mais comuns dado aos latinos é a hipersexualização da mulher latina. Sendo muitas vezes representada como uma mulher sensual e de uma classe mais desfavorecida que tem como objetivo utilizar do seu corpo, muitas vezes curvilíneo, para se casar com um homem rico, que, por sua vez, na maioria dos casos, é branco. Esse fator também pode ser visto nas produções com personagens pretas, uma vez que são hiperssexualizadas muito similarmente em um espelho dos pensamentos popularizados fora das telas. Já os homens latinos e os pretos são, normalmente, representados como envolvidos em atividades ilícitas, principalmente no tráfico de drogas. 

Representação do personagem latino-americano, Tuco Salamanca, envolvido com drogas na série Breaking Bad, assim como a maioria dos traficantes da série, exceto os personagens principais [Imagem: Reprodução/Youtube]

Além dos latinos, outra etnia que sofre com preconceito reproduzido das séries são os asiáticos. Os nativos da Ásia Oriental são representados com características caricatas e, muitas vezes, as produções não os diferenciam assim como acontece com os latinos. 

Alguns exemplos de estereótipos são: o “asiático das artes marciais”, que contribui para a visão de que todo asiático sabe alguma arte marcial e que está sempre disposto a usá-la para conseguir o que quer; ou o “oriental inteligente”,  no qual o personagem asiático é um “gênio” e metódico, viciado em tecnologia e que consegue hackear tudo. A perpetuação desses estereótipos faz com que muitos asiáticos e descendentes se sintam pressionados a atender a expectativas acadêmicas elevadíssimas. 

O estereótipo continua para as mulheres da Ásia Oriental também. A “China Doll” ou “boneca de porcelana” é um exemplo de representação machista das mulheres asiáticas. Nela, a mulher  é tratada de maneira submissa. Essa visão esclarece a maneira que muitas asiáticas orientais são tratadas, de forma sexualizada por uma falsa inocência. Além disso, com características bem diferentes da “China Doll”, existem as personagens femininas que são conhecidas como “Dragon Lady”, que são definidas como perversas e sensuais. Podendo ser dominadora, agressiva e misteriosa. Esta personagem é tida como exótica e pronta para agradar os personagens brancos, principalmente masculinos. Ou seja, mais uma personalidade feminina que pode ser hiperssexualizada por homens. 

Existe também o preconceito contra a população asiática em relação aos árabes e muçulmanos do continente, que são, na maioria dos casos, retratados como terroristas e homens-bomba. Além disso, as mulheres dessa etnia e religião também são retratadas como submissas por utilizarem o hijab. 

Imagem da personagem Ling Woo (Lucy Liu) demonstrando o estereótipo de Dragon Lady na série Ally McBeal: Minha Vida de Solteira (1997 – 2002) [Imagem: Reprodução/Youtube]

Saindo da questão etimológica, outra população que é muito estereotipada em séries é a LGBTQIA+. Essa comunidade é frequentemente cercada por uma estética sofredora nas produções, uma vez que estas trabalham com a ideia de que não existe felicidade no mundo além da cisheteronormatividade. O estereótipo aumentou durante a crise da Aids, a qual foi atribuída principalmente às pessoas LGBTQIA+. Além disso, há uma expressão utilizada para descrever uma das representações caricatas mais conhecidas no universo cinematográfico  que é “bury your gays”, que, traduzida livremente,  seria o equivalente a “enterrem os seus gays”. Esta expressão foi criada pelo grande número de produções que apresentam personagens LGBTQIA+ que morrem ao final da narrativa. Esse estereótipo é muito perigoso, pois impossibilita que as pessoas vejam finais felizes com casais LGBTQIA+ e acreditem que esse amor está “condenado”. A psicóloga Fernanda Angelini contou à Jornalismo Júnior sobre os perigos dessa ideia. “Quando se tem essas visões enrijecidas da realidade, a ideia de representação vai ser baseada em estereótipos, por consequência, é provável que haja uma sensação de que as ações devam estar alinhadas com esse tipo de ideia de mundo”, demonstrando assim como essas representações podem influenciar os indivíduos representados e suas visões de mundo. 

Quanto à letra “T” da sigla, que inclui as pessoas transgênero, é difícil encontrar produções que as representem. No entanto, quando elas aparecem, são retratadas, em sua maioria, como garotas de programa que vivem à margem da sociedade. Este estereótipo amplia a ideia que o único futuro para essas mulheres seja trabalhar com o seu corpo de maneira sexual

As personagens Clarke (Eliza Taylor) e Lexa (Alycia Debnam-Carey)  — da esquerda para direita —, na série The Hundred. Assim que ficaram juntas como um casal, Lexa morreu.  [Imagem: Divulgação/CW]

Como isso afeta os telespectadores? 

“A cobrança para ir além dos estereótipos me custou muito, queria sempre ser um destaque em tudo que fazia, queria aprovações diferentes daquelas designadas para mim”

– Caio Andrade, jovem LGBTQIA+, estudante de jornalismo

A Jornalismo Júnior  questionou a psicóloga Fernanda Angelini também sobre os impactos de representações estereotipadas e falta de inclusão, e ela afirmou que esses estereótipos podem fazer com que uma criança ache que ela só tenha essas opções, as estereotipadas, por conta dessas representação tão limitadas. “E, para além da própria criança achar isso, outras crianças ao redor dela podem começar a agir já esperando um tipo de comportamento em decorrência de sua etnia, por exemplo, então, pode acabar se tornando algo que se retroalimenta”, complementa. 

Volp narra sua experiência ao se ver atingido por esses estereótipos. Ele relatou que passou muito tempo da sua vida projetando seus futuros relacionamentos com pessoas brancas e diz acreditar que a falta de representatividade geral seja um grande influenciador   nesse sentido. “Cresci sem enxergar minha própria beleza, e sem me permitir ser atraído por corpos mal representados”, conta o escritor. Assim, a falta de diversidade nas produções afetou a autoestima de Volp e de tantas outras pessoas estereotipadas ou excluídas das produções de audiovisual. Angelini afirma que a autoestima é importante para saber o seu próprio valor. “Não tem como esperar que todos saibam te valorizar, mas é imprescindível compreender que o meio também tem sua parte e que nós, enquanto coletivo, podemos agir nele para ajudar nesse processo”. 

Algumas pessoas que fazem parte desses grupos estereotipados podem não sentir a influência da falta de representatividade. No entanto, esse sentimento é efeito da normalização dessa representação caricata. Angelini comenta algumas dessas reações: “É triste perceber que às vezes o grupo marginalizado já está tão acostumado com essas agressões que elas parecem não ter um impacto tão grande, mas está acostumado não quer dizer que não dói”. 

Fidelidade com os livros ou com o público? 

Em maio de 2022, foi divulgado o casting dos personagens principais da nova série, baseada na saga de livros, Percy Jackson e os Olimpianos. Esta seria uma notícia que animaria os fãs dos semi-deuses greco-romanos criados por Rick Riordan. Entretanto, os produtores do seriado decidiram mudar a aparência da personagem Annabeth Chase, descrita nos livros com olhos azuis, cabelos louros e lisos, por uma atriz preta de cabelos crespos escuros. Muitos fanáticos pela saga ficaram irritados com a escolha dos diretores. 

Segundo Levi Kaique, criador de conteúdo digital voltado para pessoas pretas, quando as pessoas leem um livro é difícil imaginar o personagem descrito como negro, mesmo quando não há descrição. A normalidade é de, majoritariamente, pessoas brancas representadas como protagonistas. Por isso, quando os produtores colocam um ator preto para interpretar este personagem, gera uma quebra de expectativa e faz as pessoas refletirem sobre como já está instaurada essa perspectiva de branquitude em lugares de destaque. 

Há quem defenda que é preciso haver uma fidelidade da aparência dos personagens do livro com os atores de sua adaptação, porém, existe um questionamento se esses comentários irritados com a escolha do elenco de Percy Jackson existam apenas pela mudança de aparência de Annabeth ou por motivos racistas. Em entrevista para Jornalismo Júnior, Volp afirmou que: ”As pessoas estão se enganando quando rejeitam a possibilidade de uma atriz negra escalada porque são racistas”. Ainda sobre esse tópico, ele acrescenta que Annabeth é apenas uma personagem, no entanto, meninas negras sim, são reais, e carecem de representatividade, e, inclusive, de reparação na história do audiovisual. 

“Quando a não concordância com certas adaptações se transforma em discursos de ódio contra artistas, por exemplo, isso mostra que a indignação é muito mais uma intolerância e uma frustração com o diferente do que a vontade de apreciar algo de acordo com os seus moldes primários.” 

Caio Andrade

A afirmação de que os críticos dessa escolha de elenco são racistas tornou-se ainda mais frequente após os comentários preconceituosos para com Leah Sava Jeffries, atriz que irá interpretar a filha de Atenas. Na rede social Tik Tok, ela chegou a ter sua conta derrubada pela quantidade de denúncias feitas ao seu perfil. No entanto, mesmo com 12 anos de idade, Leah demonstrou sofrer pouco impacto com os comentários negativos, afirmando que continua confiante sobre si mesma independente daqueles que a odeiam. Segundo Levi Kaique, o fato dessas pessoas atacarem a atriz com racismo já mostra que as críticas não têm relação só com o desejo de uma adaptação fiel.

De acordo com Angelini, ter uma diversidade nas representações ajuda as crianças que assistem a ter um senso de identidade muito melhor, mais abrangente e mais diverso. “Poder se ver abre mais discursos, mais conversas entre a criança e o meio ao qual ela pertence — isso se dá tanto por reconhecer suas semelhanças, quanto suas diferenças nas referências culturais”. 

Antes de Percy Jackson e os Olimpianos, existiram mais sagas de livros adaptadas para séries que fizeram um troca de elenco dos seus personagens por atores pretos. Como por exemplo, a série Bridgerton (Netflix, 2020 – ), que em sua primeira temporada manteve a fidelidade com a história dos livros, embora seu protagonista masculino tenha sido substituído de um homem branco para um homem preto na série. Além disso, eles acrescentaram a Rainha da Inglaterra no seriado, personagem que não existia nos livros, e surgiu como uma mulher preta, causando comoção pela representatividade, uma vez que não existiu uma rainha negra no período retratado. 

A segunda temporada da série também foi marcada por uma representatividade na nova protagonista, que tem uma descendência indiana [Imagem: Divulgação/Netflix] 

Como atores podem lutar por representatividade 

Apesar do escasso e mal pago setor audiovisual, alguns atores de renome se mostram aliados na luta por mais representatividade. O ator e diretor brasileiro Wagner Moura, por exemplo, afirmou que não aceitará mais papéis em que o seu personagem for um latino-americano estereotipado. Em um movimento parecido, a atriz norte-americana Viola Davis disse em entrevista que se sente arrependida de ter feito parte de uma produção que trazia o estereótipo do “branco salvador”, se referindo ao filme The Help (Histórias Cruzadas, 2011) pois ela “sentiu que traiu o seu povo”. 

Com atitudes como essa, os roteiristas e diretores poderão refletir sobre a maneira caricata como retratam personagens das suas produções. Segundo dados da Universidade da Califórnia (UCLA), em 2020, os atores asiáticos eram apenas 3,4% nos papéis de destaque em produções audiovisuais, demonstrando porque é necessário que se evite o whitewashing das produções. Ainda nesse estudo, foi comprovado que apenas 6,3% dos atores da indústria norte-americana eram hispânicos. No entanto, um fato que diverge dos demais é que a porcentagem de atores negros como protagonistas quase triplicou de 2011 para 2019, saindo de 10,5% para 27,6%. Volp afirma que triplicar é insuficiente, visto que qualquer ponto de partida para esta contagem é uma quantia miserável quando comparada à escalação de atores brancos. “O aumento da discussão é um fato, mas ainda há um extenso caminho a ser percorrido, vide as premiações anuais da indústria que permanecem hegemonicamente brancas”.

Além disso, a Jornalismo Júnior perguntou a Levi Kaique se ele acha que esse aumento tinha uma relação com o aumento da discussão sobre as questões raciais. Ele afirmou que sim, mas que também está conectado com o esforço da comunidade negra em apontar os problemas dos boicotes. “Eu não acho que seja uma iniciativa da Hollywood branca de inserir pessoas negras. Eu acho que tem a ver com esforços de pessoas negras de mostrarem que filmes com representatividade lucram mais”, afirma o influenciador. Levi ainda afirma que uma das principais intenções por trás desse aumento de representatividade é lucrar com ele. 

A importância da representatividade

Levi afirma que começou a reparar a falta de representatividade quando começou a participar de convenções como a Comic Con e procurava personagens parecidos com ele para fazer cosplay, porém, não encontrava quase nenhum. Já para Volp, isso aconteceu durante o processo de consciência racial. “Quando comecei a me entender como parte de uma maioria e, ao mesmo tempo, de um grupo minoritário, aprendi a perseguir os incômodos que me atravessavam nesse âmbito, e a nomeá-los”, afirmou o escritor. Caio Andrade reparou na ausência desses personagens no momento em que ele passou a se reconhecer como um membro da comunidade LGBTQIA+.

Para Stefano Volp, a representatividade afirma a existência de pessoas cuja própria existência é negada, deturpada ou preterida. “Se todas as pessoas de um filme são brancas e heterossexuais, enquanto esse mesmo filme afirma a existência hegemônica de um grupo, nega a de todos os outros. Ele está dizendo que não há espaço para o diferente, e isso é um problema”. Ele ainda diz que isto não é visto somente em produções audiovisuais, também serve para marcas e eventos. ”Tudo é narrativa e toda narrativa afirma uma mensagem. As mensagens moldam o mundo”, conclui o escritor. 

“É poder pensar: ‘Nossa! Eu sou assim, e está tudo bem, porque ele também é, e está ali’”

– Caio Andrade

Eu me vejo nessa série

Após os dados expostos no texto, é normal que a visão de que nenhuma série sabe representar de maneira justa apareça. Entretanto, existem diversos seriados que têm a representatividade como seu ponto forte. Por isso, a Jornalismo Júnior selecionou algumas dessas séries que merecem destaque pela diversidade e respeito com seu elenco: 

Sex Education (Netflix, 2019 – ) trata da temática de adolescentes descobrindo o mundo ao seu redor, inclusive suas vidas sexuais. Seus personagens são diversos e bem desenvolvidos, e a história os utiliza para criticar relevantes questões sociais. Um dos personagens principais é um rapaz negro e LGBTQIA+ que não é retratado como se esses fossem seus únicos traços de personalidade. Além disso, existem personagens transsexuais e não binários. Porém, se já conhece Sex Education, outras séries com a mesma temática e com representatividade são: Never Have I Ever (Netflix, 2020 – ), com uma atriz, protagonista, de descendência indiana; e também Jane, The Virgin (The CW Television Network, 2014 – 2019), com uma personagem principal com família latina. 

O principal, Eric Effiong (Ncuti Gatwa), citado no texto, é o último da esquerda para a direita  [Imagem: Divulgação/Netflix] 

Pensando no cenário brasileiro, uma série com grande representatividade é a Manhãs de setembro (Amazon, 2021-). Ela conta a história de uma mulher trans e preta que tenta se estabilizar financeiramente quando recebe a notícia que teve um filho com outra mulher anos atrás, antes de realizar sua transição. Além da evidente temática da identidade de gênero, o seriado ainda trabalha com questões sociais e raciais. Outro seriado parecido, mas norte-americano, é Pose (FX, 2018 – 2021). Ele fala sobre a ascensão dos bailes LGBTQIA+ nos anos 1980. Saindo do mundo das séries, existe o reality show de competição de drag queens, RuPaul’s Drag Race (VH1, 2009 – ). Caio Andrade, afirmou em entrevista à Jornalismo Júnior, que RuPaul’s o acolheu com a imensidão de personalidade e debates importantes no programa. “Eu me sentia visto e valorizado pelos discursos e pela presença daqueles artistas incríveis. Passei a me sentir mais feliz e a olhar para traços meus, que durante muito tempo eu odiei, de maneira mais carinhosa”, contou o jovem. 

Embora foque mais na comunidade queer, a série Pose trata também de racismo e preconceito com portadores de HIV. [Imagem: Divulgação/FX] 

 

A série How to get away with a murderer (American Broadcasting Company, 2014-2020) conta a história de uma advogada preta que apresenta uma equipe de “elite” formada por alguns dos seus alunos no curso de direito. A série, além de apresentar uma protagonista não branca, traz à tona outros personagens pretos,  LGBTQIA+ e temáticas sobre moralidade. Inclusive essa foi a série que Stefano Volp diz ter sido representado de maneira justa: ”How to get away with a murderer me fez feliz por ver pessoas negras em posição de protagonismo e intelectualidade. Preto não costuma ser lembrado pela inteligência em produções audiovisuais, então esse foi um marco para mim, e fez muito bem para a autoestima”. Ele conclui afirmando que sem essa percepção, é como se alguém afirmasse o tempo todo sua inexistência.

Viola Davis se tornou a primeira mulher negra a ganhar o prêmio Primetime Emmy de melhor atriz em série de drama por seu papel principal em How To Get Away With Murder [Imagem: Divulgação/Netflix] 

Em muitas dessas produções o foco não é debater racismo, xenofobia ou homofobia. Isso demonstra que é possível trabalhar com representatividade em um campo mais amplo, utilizando esses atores para algo além desses assuntos. Volp afirma que uma maneira de se utilizar a voz dessas minorias para assuntos além das agressões que elas sofrem é  “entender que apesar de termos dores em comum, não somos iguais. Somos múltiplos e temos vivências diferentes”. O escritor acrescenta dizendo acreditar que a população preta ainda luta para conquistar seu lugar de dignidade e respeito, e a multiplicidade das suas vozes só será ouvida quando ocuparem esse lugar. “Assim que munidos dessa consciência, é preciso continuar reivindicando, negando as ofertas desrespeitosas e atrasadas nas pautas que fazem com que o movimento avance”. Já Levi afirma que, mesmo que o racismo sempre esteja presente, uma maneira de trazer pessoas pretas para produções que vão falar sobre outras coisas além do racismo, é a existência de toda uma equipe preta, não só atores, mas diretores, produtores e roteiristas também. 

“A representatividade é a ajuda que nós, enquanto sociedade, podemos fornecer para fomentar a pluralidade. O mundo é gigante, não faz sentido só termos uma única forma ‘correta’ de existir”

– Fernanda Angelini, psicóloga.

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