São Paulo, a capital que não para. Em meio ao concreto, o caos urbano se instala: com mais de 12 milhões de habitantes, o principal polo econômico do país possui as ruas sempre movimentadas, com pessoas apressadas para todo lado, sempre agitadas querendo fazer mais, ser mais. Tal energia não é para menos, estar nesse ambiente é mergulhar no diverso. A cada esquina, percebe-se um sotaque ou um idioma diferente. Essa heterogeneidade é o que impulsiona a cidade para o futuro.
Logo no primeiro momento de sua história, São Paulo já apresentava grande diversidade cultural. Durante os séculos 16 e 18, a cidade representava um ponto de parada para bandeirantes que vinham de todo os lugares do Brasil e ficavam em contato com os mais diversos povos indígenas. Convívio, esse, nada pacífico: os nativos, que não foram mortos, eram capturados pelos bandeirantes, obrigados a guiá-los pela mata e vendidos como escravos.
Apesar dessa demarcada violência, a troca de cultura entre eles é inegável. Prova disso são as expressões originais do tupi-guarani presente no português brasileiro; alguns elementos da culinária, como a mandioca, e costumes, como o banho diário.
Já no século 19, devido às fazendas de café, as terras paulistas se tornaram o principal polo econômico do país. Tal “progresso”, vale ressaltar, foi construído por meio da mão de obra escrava negra, a qual foi marcada por uma intensa violência e desumanização dos povos africanos. As frutíferas lavouras foram semeadas com sangue.
Com a Lei Áurea sancionada, em 1888, a cidade passou a abrigar um grande número de emigrantes europeus para substituir a mão de obra escrava. Ainda, durante a industrialização de São Paulo, iniciada nos anos 30, a região começou a receber um fluxo maior de migrantes, vindos especialmente dos estados nordestinos.
Para compreender melhor o desenvolvimento da cidade como um lugar que existe em função da diversidade cultural, o Sala 33 entrevistou Izaías Lobo. Nascido na Bahia, migrou com a esposa e dois filhos em 1971, pois a capital era muito falada na rádio. Apresentada como um lugar com melhores condições de vida, São Paulo representava mais oportunidades de trabalho e acesso à educação. A visão de polo econômico, muitas vezes idealizada, representava uma verdadeira utopia para aqueles que vinham de regiões historicamente negligenciadas pela União.
“Quando eu cheguei em São Paulo, aqui era um canteiro de obras’’, disse Izaías. Logo nos primeiros dias, foi contratado para construir o campus da Cidade Universitária da USP – hoje considerada a segunda melhor universidade da América Latina, de acordo com o QS World University Rankings –. Ainda, sobre o ambiente da construção civil, revela que o mesmo era composto, majoritariamente, por pessoas de fora, sendo que a maioria dos trabalhadores eram vindos do Nordeste e de outros estados do Brasil.
A cidade – que hoje é apresentada para o mundo como a capital mais desenvolvida do país – foi literalmente construída por pessoas de fora. Assim, a diversidade está enraizada no concreto. O espaço celebra isso: é possível encontrar produtos e comidas típicas de diversas regiões em todos os lugares. Essa característica se estende não somente às coisas nacionais, mas também às estrangeiras, basta uma breve pesquisa na internet para achar uma atração que tenha como inspiração um país diferente.
Hasan Alzaibak, da Síria, revela que achou diferentes restaurantes sírios na capital e que não esperava tamanha conexão com a culinária árabe. “Quando eu cheguei aqui, eu não sabia disso, nunca imaginei que iria escutar palavras, como esfirra e quibe, de um brasileiro’’, conta ele contente. Além disso, acrescenta que percebe muita mistura de cultura, e que a maioria das pessoas com quem ele convive não são naturais da cidade.
Já Leandro de Alcantra, da Zona da Mata de Minas Gerais, possui o forró como atividade de lazer. Típica do Nordeste, a dança também é bastante valorizada em São Paulo. “O forró aqui é bem popularizado, todo dia tem algum lugar que toca o forró raiz.”
Além disso, o mineiro revela que a cidade o impulsiona a querer conhecer mais coisas, aprender mais, “esses dias eu estava refletindo: seria legal aprender inglês, pois assim eu conseguiria me comunicar com mais pessoas aqui.”
Outro marco cultural da capital é a forma com que as pessoas são calorosas e bem receptivas. Didem Altumbas, intercambista da Alemanha, conta: “eu acho que as pessoas aqui são muito coloridas, positivas.’’. Completa dizendo que toda vez que revela ser intercambista, é sempre recebida com muita empolgação e que muitos conhecidos tentam falar alemão com ela.
Essa receptividade e carinho com as pessoas de fora não é algo exclusivo a São Paulo, faz parte da cultura brasileira, bem como latino-americana. Também entrevistado pelo Sala 33, Rafael Rodriguez, intercambista da Venezuela, fala: “a cultura é muito parecida no sentido de como as pessoas são, elas sempre ajudam, gostam de fazer com que você se sinta em casa’’.
No entanto, a receptividade não é uma verdade absoluta. Quando a pessoa afirma ser de origem europeia, pode até ser recebida com muita empolgação e elogios. Porém, no caso de países menos desenvolvidos economicamente e com problemas sociais, a recepção calorosa pode vir acompanhada de dizeres xenofóbicos, camuflados perante o tom de humor. Hasan revela que quando menciona ser da Síria é comum ouvir piadas falando que ele possui bombas no bolso, relacionando-o ao terrorismo.
A capital, e todo o país, possui outra cultura arraigada em sua população: a violência e o constante medo – o que talvez não seja surpreendente ao recordar a brutal construção do Brasil. Não poder andar na rua mostrando objetos de valor; desconfiar sempre do próximo; ter medo de caminhar a noite sozinho, especialmente no caso das mulheres; e usar a bolsa na frente para não ser assaltado pode parecer aspectos do cotidiano brasileiro. Porém, isso não é algo natural. Didem e Lia Brandão, de Portugal, contam que estranharam muito a forma com que as pessoas vivem em constante estado de insegurança. “No meu país eu me sinto segura, aqui me sinto insegura o tempo todo, com medo o tempo todo”, diz Lia, sensação essa que se agravou após ter sido assaltada na cidade.
Assim se faz São Paulo. Em meio ao concreto, a diversidade cultural floresce, em constante mudança, com suas pétalas vibrantes e espinhos atormentantes.