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“The Brazilian Zone”: o legado de “Além da Imaginação” e sua atualidade

“Há uma quinta dimensão além daquelas conhecidas pelo Homem. É uma dimensão tão vasta quanto o espaço e tão desprovida de tempo quanto o infinito. É o espaço intermediário entre a luz e a sombra, entre a ciência e a superstição; e se encontra entre o abismo dos temores do Homem e o cume dos …

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“Há uma quinta dimensão além daquelas conhecidas pelo Homem. É uma dimensão tão vasta quanto o espaço e tão desprovida de tempo quanto o infinito. É o espaço intermediário entre a luz e a sombra, entre a ciência e a superstição; e se encontra entre o abismo dos temores do Homem e o cume dos seus conhecimentos. É a dimensão da fantasia. The Twilight Zone (Além da Imaginação, 1959).” 

The Twilight Zone, série transmitida pela primeira vez em 1959 — época da Guerra Fria —, marcou a televisão norte-americana. Exibida pelo canal CBS, atestou que episódios de sci-fi não são meras fontes de entretenimento, mas materiais com teor crítico capazes de promoverem reflexões. 60 anos depois, seu formato, além de predominar em demais séries antológicas e de ficção científica, permite estabelecer comparações com cenários da atualidade.

O pensamento como arma de conquista: The Monsters Are Due on Maple Street

The Monsters Are Due on Maple Street (Os Monstros Estão na Rua Maple) é o vigésimo segundo episódio exibido da série, em 1960. Narra a história de moradores da rua Maple, no interior dos Estados Unidos, que são surpreendidos por um barulho estranho, acompanhado por luzes e sombras no céu. 

“Essa é a rua Maple antes de os monstros chegarem”, diz o narrador, Rod Serling. De repente, todos os objetos eletrônicos deixam de funcionar. Os moradores, assustados, temem que alienígenas sejam responsáveis por tais fenômenos e acusam uns aos outros de serem criaturas disfarçadas. “Você é o monstro!”, gritam. 

A paranoia culmina no assassinato de um morador, cuja sombra é confundida com extraterrestres. Um tumulto é gerado por novas acusações. Surpreendente, o final revela que seres alienígenas — semelhantes aos humanos — observavam o caos na rua. “O padrão é sempre o mesmo”, um dos seres diz. “Eles escolhem um inimigo para acusarem: eles próprios. O mundo está cheio de ruas Maple… Iremos de uma em uma e deixaremos que destruam uns aos outros, uns aos outros…”

Rod Serling finaliza o episódio em tom de alerta: armas de conquista não são sempre de origem militar. Alguns pensamentos, atitudes e preconceitos existentes apenas na mente humana são tão prejudiciais quanto e, em caso máximo, matam.

A rua Maple é uma simplificação de comunidades nas quais o medo impera. O episódio faz um estudo da psique, estabelecendo uma conclusão política e social sobre ações humanas. [Imagem: Divulgação]
Caso o narrador estivesse vivo, testemunharia suas palavras materializadas num cenário de fake news e polarização política. Somado, comprovou-se o poder de controle da desinformação, uma das possíveis armas de conquista teorizadas por Serling, capaz de influenciar resultados eleitorais na era digital. 

Recentemente, disputas e acusações ideológicas fomentam uma das maiores crises políticas e sociais vivenciadas pelo país, na qual preconceito e delírio colocam em risco a vida de indivíduos. De acordo com dados do Grupo Gay da Bahia (GGB), 141 mortes de pessoas LGBTQ+ foram registradas entre os meses de janeiro e maio de 2019. Tais números evocam o padrão verificado pelos extraterrestres ao final do enredo: a destruição do ser humano.

A série, antes de ser considerada profética, inovou-se por propor tais reflexões ao telespectador, impactando gerações ao redor do mundo. “Me marcou profundamente, talvez por ter sempre uma mensagem/moral muito forte, mas também pelos enredos inesperados”, comenta, ao Sala33, a jornalista portuguesa Patrícia Maia Noronha, que escreveu um artigo sobre o episódio Eye of The Beholder (Olho de quem vê).

A imposição de padrões: Eye of The Beholder

Quadragésimo segundo episódio exibido, foi refilmado em diversas adaptações derivadas da série clássica. Marcante, ele conta a história de Janet Tyler, uma mulher que passou por diversos tratamentos estéticos a fim de aparentar-se “normal” e poder viver livre de julgamentos. Após passar pelo último tratamento permitido por lei, sofre com a necessidade de saber a conclusão de seu destino. Poderia, finalmente, conviver em sociedade? Durante todo o episódio, seu rosto está coberto por várias camadas de faixas. O espectador escuta somente sua voz, que treme diante de comentários sobre a possibilidade da cirurgia não ter sido satisfatória. A direção é escura, sem revelar as faces dos demais personagens. 

Ao final, em uma das maiores – se não a maior – cenas icônicas de The Twilight Zone, o médico retira a primeira camada de pano do seu rosto. Depois, retira a segunda. E a terceira. O espectador é colocado em posição de angústia. De repente, sob o ponto de vista da paciente, enxergamos uma luz: sua má-formação é revelada.

Janet é uma mulher… Bonita? Sim, sua aparência é comum. A câmera aproxima-se e vemos que todos ao seu redor — médico e enfermeiros — possuem a face deformada. Assustada, a moça tenta fugir por um corredor no qual mensagens agressivas de um líder político são transmitidas. Tyler é expulsa do local, sendo acompanhada por outro homem de mesma aparência, um reflexo de sua condição acusatória. Serling finaliza: “Em qual tipo de mundo a feiura é a norma e a beleza o desvio dela?”

Padrões de beleza são questionados pelo roteiro de Serling. A direção e fotografia são responsáveis por aumentar a tensão que culmina no clímax do enredo. [Imagem: A Vintage Nerd]
Segundo Noronha, Eye of The Beholder é um dos episódios que mais a marcou. A escritora conheceu a série na infância, quando esta passava no canal RTP, de Portugal. “Eu vivia vidrada pela série e esperava ansiosamente o horário de transmissão, que começava poucos minutos depois de minha aula de matemática”, ela diz. Quando adulta e professora, utilizou tais episódios em aulas de inglês. “Discutíamos os temas abordados nos episódios, como injustiça social, preconceito, ganância e solidariedade entre os homens – ou a falta dela.” Patrícia ainda ressalta que eram as aulas preferidas dos alunos, destacando a atemporalidade da série.

Em seu texto A Twilight Zone e a denúncia do ódio, a jornalista sinaliza que, em 25 minutos, além de críticas ao totalitarismo, o roteiro permite fazer analogias com racismo, homofobia e marginalização.

Diferentes interpretações não faltam — respectivos temas dialogam com o Brasil de Bolsonaro. Em um país onde, nos últimos anos, testemunhou-se o aumento do número de buscas por cirurgias plásticas, Eye of The Beholder também oferece debate sobre a necessidade de intervenções cirúrgicas. “Sempre gostei de como Além da Imaginação nos faz questionar sobre assuntos que não chamam nossa atenção no dia a dia”, ressalta Lais Espacini, estudante que conheceu o seriado a partir do filme No Limite da Realidade (The Twilight Zone: The Movie, 1983).

A crítica aos regimes totalitários: The Obsolete Man

The Obsolete Man (1961) talvez seja o auge da essência de TTZ. Passado em um governo totalitário, narra a história de Romney Wordsworth — é necessário destacar a variação de seu sobrenome: words, em inglês, significa “palavras”, worth, “que valem a pena” —, que está sendo julgado em um tribunal por ser obsoleto. O motivo? Ele é um bibliotecário; sua sentença é a morte. O homem ainda diz acreditar em Deus, o que, segundo o líder de Estado, é outro indicativo de sua obsolescência. 

O bibliotecário pede que sua morte seja televisionada. Em seu cômodo, requisita a presença do líder-juiz, ao qual diz que deseja morrer pela explosão de uma bomba, que deveria explodir à meia-noite daquele dia. Após atendê-lo, o líder-juiz se dirige para deixar o quarto, mas se vê trancado junto ao acusado. “Você morrerá comigo”, o bibliotecário diz, supondo que o Estado não arriscaria perder credibilidade ao salvar a presença autoritária, uma vez que a cena estava sendo filmada para toda população. 

O acusado de obsolescência decide ler a Bíblia, indicando aceitar a morte, enquanto o pânico do juiz aumenta a cada segundo. Antes da explosão ocorrer, o líder implora para que seu oponente o deixe partir “em nome de Deus”. Wordsworth aceita a súplica e abre a porta do cômodo, ficando sozinho e, consequentemente, morrendo. 

Ao final, o líder-juiz, devido ao comportamento que supõe a crença em Deus, é acusado de obsolescência. O episódio, cíclico, termina de forma semelhante ao início: o “traidor” diz achar a acusação injusta e tenta, sem sucesso, escapar.

Wordsworth vive em um governo ditatorial e pragmático, onde aqueles que são considerados sem utilidade são acusados de serem obsoletos. [Imagem: Divulgação]
O roteiro permite estabelecer conexão com diversos regimes ao longo da história. Um governo que busca categorizar classes da população de acordo com suas utilidades não é distópico. Wordsworth, por ser bibliotecário, é representante de uma vasta categoria de artistas, intelectuais e cientistas perseguidos. 

Nos últimos meses, críticas às produções do mercado audiovisual brasileiro e o impedimento de maiores captações financeiras resultaram em protestos da classe artística. Similarmente, congestionamentos de recursos destinados à Educação mobilizaram manifestações pelo país. Em seguida, a demissão do diretor do Inpe, órgão responsável por disponibilizar dados sobre desmatamento na Amazônia, indicou afastamento em relação à objetividade científica. “Obsoletos!”, é como se decretassem.

É evidente que o Estado retratado no episódio possui critérios específicos de julgamento, os quais são materializados por ideologias — de qualquer orientação — que buscam cercear liberdades individuais, censurar e mascarar dados estatísticos. “[The Obsolete Man] é, sem dúvidas, um dos episódios que mais ligação terá com o nosso mundo moderno, rendido aos gadgets e às publicações frívolas ou mesmo falsas da Internet, em detrimento dos livros e de outros tipos de saberes”, discute Noronha.

Série de tese?

A presença de uma fórmula semelhante nas histórias retratadas — desenvolvimento resultante em plot twists — indica um fundamento seguido pelos roteiristas. Análogo aos romances de tese, o seriado defende uma filosofia própria, responsável por seu sucesso e atemporalidade.

The Twilight Zone, com cenas típicas em preto e branco, é uma obra singular. Retira o espectador de sua zona de conforto e o coloca diante da realidade. “Estes momentos da TTZ me remeteram, imediatamente, aos governos populistas atuais, onde todos os que não se alinham em certos ideais, os que dizem “não”, os que exigem mais, e, sobretudo, os que lutam pela liberdade — seja ela individual, social ou política — são um alvo a abater”, a jornalista finaliza. 

Resta-nos questionarmos quais personagens acima estaremos interpretando, e, afinal, com qual propósito o fazemos em nossa própria Twilight Zone.

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